Segurança e sensação de segurança são coisas diferentes. Aliás, há quem veja a percepção como a própria realidade, e não o fenômeno que se tenta interpretar do real e de sua materialidade.
Nesta linha, o caso da segurança pública parece ser um campo paradigmático para observação desse fenômeno.
Sem querer analisar propriamente o lamentável caso da morte do médico na Lagoa, no Rio de Janeiro, mas também sem deixar de considerá-lo nesta simples observação, não há como não interpretar que a sensação de segurança parece ser, e cada vez mais, uma questão de classe social.
O que quero dizer é que diariamente dezenas de casos similares acontecem e deixaram de ser até razões de matérias jornalísticas. Estes "outros casos" parecem não mais fazer parte do cotidiano de jornalistas e de seus leitores de classe.
Assim, parece que mesmo nos colocando como humanistas, preocupados com as vítimas, algumas parecem ser mais importantes que outras. Isto não se dá nem pela proximidade ou parentesco apenas. Tendemos a perceber apenas a situação com nossos iguais, em classe.
Repito, antes das reclamações, que é lamentável e merece apoio as manifestações contra a violência e a favor de um ambiente urbano, em nossas cidades, de mais Paz e solidariedade.
A reflexão tenta ir pouco além de casos pontuais, pensando na vida que vivemos no cotidiano, reclamando da conjuntura, mantendo as estruturas.
Interessante observar como neste processo, entre realidade e percepção, pretendendo Justiça somos injustos e acabamos reforçando mitos e reivindicando tratamento diferenciado, portanto antidemocrático e nada "republicano".
O debate quase sempre descamba para a tentativa de enxergar o problema pelo lado do indivíduo, sem o seu contexto, sem a análise mais ampla da sociedade.
Observando assim, deste outro ângulo, é possível entender que os casos não são pontuais. Eles se sucedem em meios aos interesses. Mitos são reforçados e políticas são desenvolvidas a partir desta sensação.
Desta forma um Estado Penal é implantado como pretensão de solução, sem que se consiga ver transformações, na essência daquilo que se almeja, em favor de um Estado de Segurança e Paz para todos.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
6 comentários:
Sua percepção é correta:
Bairros como a Lagoa, Leblon e adjacências ostentam índices de homicídios para cada 100 mil habitantes (parâmetro mundial de aferição) iguais ou inferiores a países chamados de primeiro mundo, incluindo aí os da Europa.
Os mortos estão sempre na mesma geografia (periferia) e são quase sempre da mesma cor (pretos), semi-analfabetos, são pobres, homens e entre 15 e 24 anos.
Ah, e não me venham com a estultice de dizer que estão todos dedicados ao tráfico ou "não morreram à toa".
O tráfico não é atividade que se resume aos pontos de varejo nas favelas.
É atividade cara, que exige logística que inclui até helicópteros de senadores, que a PF, o MPF e a Justiça, neste caso, preferem esquecer.
A ficha criminal do marginal preso pela morte do médico na Lagoa, 15 crimes com 16 anos!, é uma prova cabal de que a idade para reonsabilidade criminal tem que ser reduzida, bem como é prova cabal de que o ECA tem que ser revisto, imediatamente.
É sempre a mesma interpretação que foge ao dever da sociedade.
A sociedade não cuidou da criança, reclama das consequências e vai responsabilizá-la com o estado penal para crianças cada vez menores.
A mesma toada de sempre.
A mesma toada de sempre é querer culpar toda a sociedade por desvios de delinquentes. Até parece que a natureza humana é linda.
Se fosse assim, todos os que nasceram em favelas seriam criminosos e não existiriam criminosos nas classes mais abastadas.
O assassino do caso do médico é um caso exemplar.
Estava já sem querer estudar há mais de quatro anos. Não foi por fata de escola, isso não existe na cidade do Rio de Janeiro. É malandragem mesmo, querer consumir coisas boas sem trabalhar. Tinha um estoque de bikes, dava até para montar uma empresa. Não tem nada de bobinho inocente.
Compreendo como já disse no texto que é sempre mais fácil perceber assim que a sociedade é feita de sujeitos bons e outros ruins e que o Estado Penal dá conta destes últimos.
Tem sido assim.
O tema se banalizou com as soluções mais bizarras possíveis até a da redução da maioridade penal que daqui a pouco chegará à infância.
Reconheço as individualidades e os problemas, mas não posso não perceber as desigualdades de oportunidades que se oferece aos diferentes sujeitos.
A verdadeira luta a favor da humanidade se coloca na luta pela redução das desigualdades, sem que por ora, se possa abrir mão de punir os responsáveis por violências, seja a do lamentável caso da Lagoa, no Rio, sejam as outras que passam "batidas", sem que elas sejam motivos de qualquer comentário ou sequer percepção de insegurança, porque acontece e fere desiguais.
Eu poderia até emendar um comentário, mas sinceramente, não vale à pena.
Roberto, cá entre nós, um dado para alimentar este tema: Boa parte das unidades da federação dos EUA começa a rever os limites para maioridade penal, na direção de aumentar a idade mínima.
Não deu certo.
Assim como há um franco processo de revisão dos abusos do Ministério Público de lá, com revisão processual e um monte de indenizações. Começou por Nova York.
Além dos erros, foi detectado aquilo que sempre foi dito: Lá também o rigor penal tinha endereço (periferia), cor de pele (negra) e status econômico (pobreza).
Postar um comentário