Estudos de alguns bancos, em especial o do Standard Bank, sobre o mercado de minério de ferro no mundo, indica que a demanda pelo produto estaria caminhando para um equilíbrio com a oferta internacional dos dias atuais.
O assunto é discutível por uma série de fatores, desde o tamanho da expansão da economia, quanto do uso de novos materiais que possam a paulatinamente vir a substituir o aço. Assim, o crescimento da produção siderúrgica estaria próxima de deixar de crescer, segundo o estudo.
Este assunto com frequência vai e volta no debate econômico. O que para mim é novo, e por isto o destaque desta nota, é o fato de que o minério de ferro pode estar deixando de ter esta matéria-prima como principal na produção de aço. Estranho, mas é isto mesmo.
O mesmo estudo da Melinda Moore, citado em matéria do jornalista Renato Rostás (Valor, P.B4, 6-8/06/2015) diz que depois de duas décadas, o uso da sucata no processo de fabricação de aço novo vem crescendo muito rapidamente.
O estudo não dá números, mas, diz que as maiores mineradora do mundo, a brasileira Vale, as australianas, Rio Tinto e BHP Biliton, já estariam alertadas sobre o fato, embora aleguem que o problema passe a ser importante, só na próxima década.
A autora do estudo, ao contrário, afirma que em 2018, o uso exponencial da sucata, já hoje, e enorme potencial pode criar novos problemas para as mineradoras. Estas hoje, já convivem com baixos preços por conta da excesso de produção de minério de ferro e assim, ganham um inesperado, novo conocorrente.
Melinda Moore cita ainda que "grandes investimentos em infraestruturas podem deixar complexos obsoletos e inutilizados, já que a redução de oferta será necessária". Moore diz ainda que este fato tende a acelerar a venda de ativos relacionados à commodity, bem como o fechamento de minas: "é muito importante que o setor entenda que uma hora teremos esse problema".
É importante entender é que o que está dito não é que não será necessário mais o minério de ferro, e sim que com o aumento do reuso de parte do ferro, agora na condição de sucata, faria prescindir da extração de mais minério, hoje, já excedente no mundo.
O excesso de produção tem significado redução de preços e limitação a relação custo-benefício para instalação de projetos e novas bases de extração. Resta assim, saber até quando a busca por mais eficiência nos projetos de extração, ou na logística do uso da sucata, determinarão o uso de um ou outro.
Sob o ponto de vista ambiental, o caso parece ser interessante em ser analisado, porque poderia apontar para o fechamento de um ciclo de um produto com a "reciclagem" para reuso, com menos necessidade de novos recursos minerais oriundos do ambiente e redução de impactos.
Porém, a questão parece ainda mais relevante sob o ponto de visto macroeconômico e geopolítico.
Mesmo considerando que se trata de uma estimativa de cenário e que seja um processo gradual, e no caso, mais específico para o minério de ferro, não podendo ser transposto para outros minerais, em especial o petróleo, a delimitação da necessidade de novas fontes deste recurso mineral, propicia a retomada de um debate sobre a divisão internacional do trabalho.
Imaginemos, que o cenário se concretizasse e ainda fosse possível transpor o caso para outros bens minerais. Nesta situação, os países periféricos, dentro da lógica do Sistema Mundial capitalista, deixariam de ser importantes e, seus controles políticos disputados, pela completa ausência de razões "de mercado" para isto. Sabe-se que às nações periféricas se designou (grosso modo) o destino de fornecimento de matérias-primas e produtos agrícolas baratos.
O tema permite revisitar Immanuel Wallerstein em sua obra crítica sobre a globalização capitalista. Lá, ele questiona o termo "terceiro mundo" dentro da lógica do desenvolvimento do sistema, em que na prática umas nações sempre serviram às outras.
Assim, a desigualdade (ou assimetria, termo hoje mais usado), ou o atraso de uma em relação às outras (desenvolvimento desigual e combinado) seria inerente a esta divisão internacional do trabalho determinada no desenho do sistema tido como natural.
Diante deste fato novo, da hipótese das nações centrais poderem prescindir de outras, até pelo discurso da crise da necessidade da "eterna" eficiência do mercado, como ficariam as demais nações? Teríamos nações descartadas? Países jogados fora, porque nem para o consumo serviriam? Pessoas abandonadas à sorte geográfica?
Caso a hipótese se configure como real, o fato acabaria por jogar por terra, o discurso da humanidade e dos chamados direitos humanos. Ou não?
A hipocrisia das ajudas humanitárias teriam fim? Para onde iriam os discursos "colonizadores" da difusão de valores civilizatórios que teria justificado a absorção de nações e continentes? Desta forma seria possível imaginar que os ambientes de migração seriam muitos outros mares, além do Mediterrâneo?
Evidente que se está discutindo sobre hipóteses, mas, é bom que se diga que não irreais, posto que este breve texto nasce da realidade de uma informação sobre o cotidiano, portanto da materialidade do real.
Que fenômeno seria este? É certo que o debate entre centro e periferia seria insuficiente para dar conta hoje do debate mais amplo entre nações, ou blocos de nações, algumas ainda centrais, outras intermediárias, num mundo em aparente realinhamento. Porém, parece que o debate reforça a relação com a geopolítica, não restrita à questão da energia.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário