O tema é conversa comum e uma das preferidas da maioria dos professores nos diversos níveis de ensino. O assunto também foi tratado numa matéria do suplemento Eu & Fim de Semana do Valor: "Como chamar a atenção? A proliferação da informação cria novo tipo de consumidor e impõe enormes desafios a vários setores da economia".
Interessante que a reportagem abre falando sobre as dificuldades das escolas, universidades, igrejas, etc. em conseguirem a atenção das os alunos, dos fieis, mas dá destaque para o problema que vive a publicidade. Assim, chama a atenção para a diminuição acentuada da proporção de pessoas que presta atenção, em anúncios a publicidade, que assim estaria ficando muito mais cara que antes.
A matéria cita um estudo da Universidade de Havard para dizer que a falta de atenção dos tempos atuais, levaram o custo de publicidade aumentar de US$ 18 em 1990, para US$ 132, agora, para atingir cada grupo de mil espectadores nos EUA.
Isto me fez rir e me fez lembrar do brinquedo boomerang que volta para quem o atira, podendo atingir e machucar seu arremessador.
Verdade que a questão da fragmentação tem muitas outras causas, porém desviar a atenção e pulverizar com merchandising (e outros artifícios) fatos e histórias foi, durante décadas, muito usada para, de forma disfarçada, vender algo a partir da atenção tirada de alguém para um foco.
Como professor e blogueiro (que aliás também ajuda a pulverizar informações soltas, sic) a questão já há algum tempo me chama a atenção. As pessoas cada vez mais mais têm mais informações, mas parece que cada vez menos, conseguem ligar os fatos e construir uma análise mais profunda, sobre diversas questões.
A matéria toca neste ponto chegando a dizer que "a riqueza da informação cria pobreza de atenção" e que diante desta situação "quanto mais informação, mais difícil e necessário é manter o foco".
Aliás, "foco", "atenção", "concentração" são algumas das palavras usadas como antônimo da fragmentação e também da superficialidade com que elas circulam no mundo contemporâneo.
Eu iria um pouco para além: as pessoas passaram a quase ter uma necessidade doentia de informação nova, e com isso podem estar perdendo a capacidade de pensar.
Assim, eu particularmente penso que a fragmentação de informações acaba sendo uma espécie de irmã gêmea da superficialidade que é decorrente da interpretação apressada e sem profundidade, sem articulação com conhecimentos já existentes. Desta forma, a velocidade da informação, a falta de atenção, foco e profundidade acabam nos levando, invariavelmente, à fragmentação e superficialidade.
Neste ponto a reportagem cita um autor americano, Nicholas Carr, que eu já comentei aqui, num post antigo de 13/12/2009 (olha a fragmentação aí gente). Carr escreveu o livro "A Geração da Superficialidade: O que a Internet Está Fazendo com Nossos Cérebros" para defender a tese de que a cultura digital modifica nossa memória, afeta a configuração do cérebro e, assim impediria raciocínios longos".
É bom lembrar que em 2009, portanto, há seis anos, o Facebook e a internet móvel estavam ainda inciando. De lá para cá é que estas duas ferramentas, uma de hard e outra um aplicativo (que antes era chamado de software) é que ajudaram e muito a deslanchar esta enorme fragmentação.
Eu não sei dizer se chega a tudo isto, mas as mudanças que estamos vendo na sociedade, especialmente, depois deste uso maciço da internet móvel (e smarphones) são de espantar. Em meio à esta realidade é possível identificar inúmeras pessoas "sufocadas". Algumas começaram a "dar um tempo" da internet e das redes sociais, como que para deixarem os seus cérebros respirarem.
Pensar leva tempo e exige mais profundidade para a pensar a relação entre o novo e o conhecido no processo histórico ou que demanda estudos e pesquisas. De outro lado, a pesquisa na internet ajuda a fechar pontas com mais facilidade que antes, numa série de análises e raciocínios.
Assim, não parece que o caso seja de um ou outro, mas de saber dos riscos e das oportunidades que as diferentes ferramentas nos possibilitam. Porém, não consigo ter dúvida que o deixar de pensar e analisar é um risco muito maior do que o de conviver com um pouco menos de informação rápida e veloz que tentam nos impor.
Neste caso específico, eu penso que mais que nunca, a escola (ou universidade, ou qualquer espaço de educação) já há algum tempo tem obrigação para se esforçar para ajudar os alunos a pensarem e articularem informações (selecionar e hierarquizar), e assim arriscar análises. (Sobre o assunto veja aqui uma interessante entrevista)
Esta interpretação, já de algum tempo, me vem fazendo aos poucos mudar a maneira do blog atuar.
Enfim vale conferir a matéria, embora seu foco seja mais o que chama de "economia da atenção" e a questão da publicidade, ela traz muitos dados e questionamentos, por exemplo sobre tempo atual que as pessoas ainda prestariam a atenção a uma aula ou palestra, ou a redução do tempo das missas e cultos em até 30 minutos.
Enfim, um assunto instigante que não merece ser tratado como informação solta e fragmentada e que exige de nós um aprofundamento. Infelizmente a matéria na íntegra (aqui) só está facultada a assinantes.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Roberto, discordo apenas de alguns pontos, vejamos:
A internet se tornou um fetiche tão grande que até seus críticos (via tese da fragmentação) lhes dão peso ultra dimensionado.
Se olharmos os ciclos capitalistas e a renovação das plataformas tecnológicas que antecedem os fluxos de expansão (pós destruição criativa), veremos que o processo de fragmentação sempre esteve aí, e não é novidade.
E dentro destes establishments fragmentários sempre há possibilidade (dialética) de surgir o pensamento contra-ideológico (ou contra-corrente, se preferir).
Foi assim quando criaram a impressão tipográfica, na Revolução Francesa com o journais no lugar dos panfletos dos camelôs, na invenção e disseminação do rádio e da TV, a democratização do telefone.
A criação e permanência de um senso comum fragmentado sempre foi a meta dos detentores do Poder.
Concordo que a rede é dramaticamente muito mais bem sucedida nesta empreitada. Mas de certa forma, todas as plataformas que sucederam umas as outras causaram este espanto.
Imagine a transmissão de TV que trazia imagens quase em tempo real de lugares remotos, ou um telefonema que ligava distâncias inimagináveis?
Denunciar (somente) a fragmentação como se tudo isso não fosse recorrente só fortalece o mito, mesmo sem ser essa a intenção.
É preciso entender a luta política pelo controle dos meios. Sempre...
A crítica parece meio ludista.
Douglas,
Começo pelo final. Concordo plenamente que a luta pelos meios é o que há de essencial. E, neste aspecto, o debate sobre os riscos sobre a fragmentação tem dimensão menor.
Entendo sim que a crítica pode ter o seu viés ludista e também considero correto que toda a abordagem mais veemente a um fenômeno, tende a aumentar e até valorizar a potencialidade do mesmo.
Não há problema. A hierarquização de alguns aspectos em detrimento de outros, pela interpretação do seu potencial de agir sobre a sociedade é, portanto, um processo.
Porém, há muito a ser estudado sobre este fenômeno no interior das comunidades, das corporações, das relações de poder, etc.
É neste ponto que ouso arriscar, sem medo de estar elevando o "mito" que a fragmentação atingiu com a tecnologia e todo o arcabouço de aplicativos (softs) que o cerca, um nível colossal que envolve não apenas indivíduos, mas as organizações e entidades da sociedade de uma forma extraordinária.
É um processo em curso que merece ser observado e analisado. Os resultados são diferentes para diferentes grupos sociais. Alguns estão mais e outros menos protegido (ou atingido).
Também concordo que observando dialeticamente, os movimentos contra-hegemônico estão em curso, o que é positivo, mas não invalida que se tente entender toda a repercussão do fenômeno no âmbito mais geral da sociedade.
Além disso, considero que, mesmo com o risco de ampliar o mito para além do fenômeno, chamar a atenção para a questão em si, mexe com a forma como os grupos sociais (ou mesmo no plano individual) podem lidar com o fenômeno aproveitando-o e rejeitando-o, dialeticamente, conforme os efeitos que se deseja e que se admite ser cúmplice.
Em pequena monta (é verdade) experimentei levantar a questão em pequenos grupos, para ver a reação. Nada científico, apenas como observação empírica simples e os resultados foram interessantes.
Enfim, mais uma questão para um debate e um bom café, rs.
Agora que é engraçado que a turma da publicidade que tem papel importante em todo este processo reclamar que ninguém lhe presta a atenção, eu não poderia deixar passar despercebido, rs.
Abraço.
Não é coincidência que os meios viraram fins em si mesmos: tanto o dinheiro, quanto as mídias.
É por este motivo que, aparentemente, nem os dispositivos regulatórios e soberanos dão conta de conter a voracidade do capital flutuante, e nem mais os publicitários conseguem se apropriar dos meios para dirigir o consumo, ao menos não como faziam.
É certo que a linguagem publicitária teve seu eixo central deslocado, e o "encarecimento" da abordagem se dá por alguns motivos:
- De tanto sacralizar o poder de influência do marketing, eles acabaram por gerar um mercado paralelo ao que já existia (ou mercados paralelos), onde várias formas de auditar, pesquisar, destrinchar e formar opinião dos que avaliam o mercado publictário consomem enormes somas de grana;
- Mais ou menos parecido com o mercado financeiro e seus derivativos de derivativos de derivativos de derivativos...
Junto com isso, eu desconfio que o problema do consumo e o esgotamento das linguagens de estimulação (propaganda) tenha a ver com uma saturação/banalização que já era previsível:
De tanto tornar a lógica do consumo imperativa nas relações sociais, acabaram por tornar o indivíduo "auto-imune" a novos estímulos, como o problema dos antibióticos, que exigem doses cada vez mais fortes.
E aí, eu concordo que a a exposição a uma fragmentação em rede (internet) pode sim levar o paradoxo da propaganda a um ponto de não retorno, pelo menos dessa linguagem conhecida, porque:
Propaganda atinge o indivíduo e sua decisão pessoal (consumir ou não) e por isso ela precisa de exacerbar o individualismo, mas ao mesmo tempo, se fizer isso de forma exagerada, ela mata a si mesma, porque também depende de respostas coletivas, de comportamentos de massa...ainda que fragmentadas...
O ultra-mercado (financeiro), com o ultra-consumo, com o ultra-individualismo (fragmentação) apontam para a racionalização da irracionalidade, o ponto de (re)encontro do Homem com sua primitividade, ainda que cercado de tecnologia.
É a obra-prima do Capitalismo. Seu estado da arte.
É papo para alguns cafés, rs.
Boa.
É por aí. A banalização e a estranheza no plano individual.
No plano do sistema, não há como não lembrar do velho Chico de Oliveira com a sua teoria do anti-valor.
Postar um comentário