O blog volta a receber do ecologista e professor, Arthur Soffiati, um artigo que ele diz ser polêmico e, talvez até antipático, mas, que faz questão de deixar consignada a sua posição. Assim, Soffiati propõe uma visão mais totalizante no espaço e no tempo, para melhor observação, análise e enfrentamento dos problemas atuais.
Lendo e analisando o texto do Soffiati eu também fico a me perguntar porque a erosão da praia do Açu continua sendo solenemente ignorada pelas autoridades, mesmo que a sua causa seja contemporânea e como tal mais fácil cobrar aos responsáveis por estes impactos. Por tudo isto, vale conferir e debater o seu texto do Soffiati.
Atacando as consequências e não as causas
Arthur Soffiati
Quando os europeus chegaram à terra que seria futuramente o suporte territorial do Brasil, encontraram muitos rios enormes. Gabriel Soares de Sousa em seu "Tratado Descritivo do Brasil em 1587" (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938), teve sua atenção chamada para os Rios Amazonas, Parnaíba, São Francisco e da Prata. Perto destes, os Rios Paraíba do Sul e Itabapoana eram córregos que não mereciam atenção. As bacias destes rios eram revestidas por densas e complexas matas que conservavam água, reduziam a erosão e o assoreamento e aumentavam suas vazões a ponto dulcificar a água do mar na extensão de muitos quilômetros.
No entanto, a partir do século XIX, bacias médias e pequenas foram perdendo suas florestas protetoras pelo desmatamento. De todas, salvaram-se, por enquanto, as da Amazônia. Porém, o desmatamento progressivo também compromete estas. As dos Rios Parnaíba, São Francisco e da Prata já foram muito adulteradas pelas atividades humanas. A bacia do Rio Paraíba do Sul, comparada pelos viajantes europeus, como Maximiliano de Wied-Neuwied, Auguste de Saint-Hilaire e Herman Burmeister, à bacia do Rio Reno, sofreu mudanças muito mais desastrosas que as provocadas no Reno.
As matas protetoras de nascentes e margens foram tosadas para o fornecimento de lenha e de madeira, assim como para a abertura de espaço para a agricultura, a pecuária e os núcleos urbanos. Com o solo desprotegido, a chuva e o vento provocaram erosão. Os sedimentos carreados para os rios causaram turbidez e assoreamento. Suas águas tornaram-se barrentos e seus leitos, rasos.
As atividades econômicas e domésticas, progressivamente mais agressivas, poluíram as águas dos rios. As transposições reduziram suas vazões. As barragens para reservatórios e para a geração de energia hidrelétrica retiveram suas águas. Aqueles que deságuam no Oceano Atlântico, perderam competência em manter o equilíbrio com o mar, no entendimento de cientistas como Dieter Müehe, Enise Valentini e Claudio Freitas Neves. A situação se inverteu: se, antes, as águas dos rios alcançavam grandes distâncias no mar, diluindo sua salinidade, hoje, a água do mar entra na foz dos rios, salinizando-as. Este fenômeno está sendo verificado nos Rios São Francisco, Itabapoana e Paraíba do Sul, além de outros.
O rompimento do equilíbrio entre o jato de água doce nos desaguadouros e as correntes marinhas pode causar também processos erosivos na foz, com perda de material, desvio da foz e mudança de lugar do estuário, que é o ecossistema formado pelo encontro da água doce com a água salgada. No que diz respeito aos Rios Paraíba do Sul e Itabapoana, estes fenômenos já se manifestam há muito tempo.
A foz do Itabapoana desviou-se para o sul sob influxo da corrente marinha dominante. Formou-se uma língua de areia entre as águas do rio e do mar, além de verificar-se forte assoreamento que dificulta ou mesmo impede a entrada e saída de barcos de médio calado. E pensar que navios de maior porte usavam a foz do rio como porto... Contudo, quando das enchentes, o aumento da vazão rompe a língua arenosa, favorecendo o avanço do mar e a destruição de construções na foz. Então, as reclamações são muitas. Quando dos períodos de estiagem, a proposta da população, principalmente dos pescadores, é dragar o leito do rio, abrindo um canal de acesso a barcos pesqueiros, e construir um espigão de pedra para conter o transporte de areia.
Esta é a posição dos pescadores, que só conseguem ver a foz do rio. É compreensível. Nossa cultura não ensina a ver o todo no espaço e no tempo. Aprendemos a buscar soluções imediatistas e parciais, que atacam as consequências, não as causas. Esta é também a proposta para a foz do Paraíba do Sul, só que formulada mais pela classe média que perdeu a praia glamourosa de Atafona e pelo governo municipal, a fim de voltar a atrair turistas. Para não parecerem egoístas, os defensores desta proposta demonstram que ela também vai atender a pescadores.
Figura 3 - Vapor que navegava entre a foz do Rio Paraíba do Sul até São Fidélis e Cardoso Moreira. Desenho de Victor Frond para livro de Ribeyrolles |
Mais uma vez, ataca-se o problema pelo final e não pelo princípio. Não importa aos defensores da praia que mil mãos gananciosas, inclusive dos governos dos três níveis, tenham desmatado a bacia, que a erosão continuará a assorear os rios, que cerca de dois terços das águas do rio principal sejam desviadas para o Rio Guandu, que as represas reduzam a vazão na foz e favoreçam a grande transformação da praia charmosa, favorecendo a entrada de língua salina a pontos cada vez mais distantes da costa. As pessoas querem apenas uma solução imediata, sem considerar sua segurança futura. Na nova praia, sob uma barraca, numa cadeira de praia e uma cervejinha bem gelada, não interessa se as forças de destruição vão continuar a operar, se o rio voltará a ter vazão para restabelecer o equilíbrio com o mar e se a obra será uma solução permanente.
Figura 4 - Erosão na foz do Paraíba do Sul (Pontal de Atafona) |
Ninguém pergunta de onde virão as pedras para a construção de nove espigões e para preencher os intervalos entre eles. Não importa se a areia para a criação da Nova Atafona virá do rio ou do mar. Não vem ao caso saber de onde virão os 90 ou 130 milhões para a execução do conjunto da obra. A empresa que concebeu o projeto também não está interessada em problemas ambientais, nem no passado nem no futuro. Interessa é que, no presente, as intervenções desastrosas na Bacia do Paraíba do Sul, ao longo do tempo, criaram problemas cujas soluções parciais geram dinheiro. Se tais soluções criarem novos problemas, uma firma de engenharia oportunista sempre oferecerá um placebo ao poder público municipal e à população.
O consolo é saber que o Brasil enfrenta uma crise econômica que não pode bancar obras faraônicas com baixos retornos. Os cortes nos royalties do petróleo, a redução do ambicioso projeto industrial portuário do Açu e os cortes no orçamento da União e do Estado apontam para um cenário sombrio. Mesmo assim, convém ficar atento quanto a projetos megalomaníacos e sem garantias futuras de segurança.
Sei que a posição aqui defendida vai contra a corrente e é antipática. Entretanto, como hoje não tenho mais a pretensão de mudar o mundo, deixo apenas minha posição consignada.
3 comentários:
O artigo nada tem de antipático! Antipáticas são as ações humanas sobre a naureza. Ou antes, antiecológicas!
Um posicionamento de quem estuda e estudou muito a complexidade do ser humano e da natureza. Temos que ler e, no mínimo, refletir. Obrigado
O mesmo poderia ser dito do projeto do extravasor, diques e dragagens no Rio Muriaé, megalomaníaca e faraônica. Enfim, o MP conseguiu sua interrupção, mesmo porque não havia estudos ambientais q justificassem, além dos problemas financeiros do estado citados. Parabéns pelo artigo.
Postar um comentário