O professor David Kupfer da UFRJ em breve artigo, publicado no Valor, na segunda-feira (13-07-2015, P. A11) arrisca uma síntese, sobre o que compreende ser um "sintoma de uma mudança de paradigma tecnológico", na linha do Thomas Khun. Para isso se apoia numa figura simbólica que descreve como três avenidas como caminhos: economia digital; economia verde e infraestruturas novas ou renovadas.
Tenho alguma resistência em enxergar o cenário futuro apenas por estas "avenidas" sem deixar de enxergar a interação delas com a chamada economia tradicional. Porém, a discussão de cenários com visão de ciclos longos e tendências é sem dúvida necessário e, desta forma a síntese do texto do Kupfer é interessante. Vale conferir:
"Lá vem o bonde"
"A crise já de longa duração em que se
encontra imerso o sistema econômico
mundial tem motivado, principalmente
entre macroeconomistas, um debate em
torno do que se denominou "estagnação
secular". Segundo essa tese, as
perspectivas de crescimento econômico
global estariam definitivamente
comprometidas pelo envelhecimento
populacional, uma fatalidade demográfica, e pela parada no ritmo de
crescimento da produtividade. Essa última estaria refletindo o esgotamento
da capacidade do engenho humano de criar inovações radicais como foram a
máquina a vapor no século XVIII ou a energia elétrica no século XIX. Por
essa razão, as taxas de juros muito baixas, nulas ou mesmo negativas
praticadas durante esses últimos e muitos anos não conseguiram
impulsionar os investimentos e recolocar as economias centrais novamente
em marcha. O problema, portanto, não estaria na órbita estritamente
econômica, da inadequação dos mecanismos de regulação dos mercados ou
das políticas nacionais adotadas, e sim em determinantes "ultra-estruturais",
ligados à demografia e à tecnologia. Mais uma vez o erro seria da realidade
que insiste em não se ajustar aos modelos.
Esse diagnóstico reflete, de um lado, a usual incompreensão dos
macroeconomistas sobre o fenômeno do progresso técnico e, de outro, a
ansiedade com que os formuladores de política olham para o longo prazo.
Não consideram que a crise atual é fundamentalmente um sintoma de uma
mudança de paradigma tecnológico e que favorecer o processo de destruição
criadora provocada por inovações radicais recémintroduzidas deveria ser o
centro das preocupações das políticas econômicas.
Sem qualquer intenção de praticar futurologia, não parece difícil antever que
há um novo paradigma tecnológico-produtivo em ascensão, apoiado em três
avenidas principais: a economia digital, a economia verde e as infraestruturas
novas ou renovadas.
A primeira avenida, a digitalização da
economia, envolve bases técnicas com
grande capacidade de propagação entre
os mais diversos sistemas de produção e
consumo. A chamada manufatura
avançada, que envolve a integração de
inovações no campo da robótica, mecânica de precisão, automação de
processos e softwares, é um exemplo perfeito do potencial transformador que
as tecnologias de informação representam para o futuro da produção
industrial. Mais ainda, essas transformações não se limitam ao chão de
fábrica. Envolvem formas de integração produtorfornecedor e produtor-cliente,
tecnologias de design, projetos de produto e de manufatura e tantos
outros serviços que ampliam substantivamente a capacidade de diferenciar
produtos, criar mercados e, muitas vezes, novos empregos. Esse é o conceito
da indústria do século XXI que vem por aí.
A segunda avenida refere-se à energia e sustentabilidade. Inclui-se aqui toda
uma gama de fontes de energias renováveis como biomassa, eólica, solar, etc. Mas não é essa a dimensão mais importante. As grandes novidades cada vez
mais estarão no lado dos usos, nas novas formas de motorização e de geração de força e calor, muito mais eficientes e, portanto, de menor custo, que irão
impactar sensivelmente a produção e o consumo em todos os ramos de
atividade. Essas potencialidades da economia verde não decorrem da
observação direta dos problemas tecnológicos enfrentados por cada um
desses ramos individualmente. Como é típico das fases de ascensão de um
novo paradigma, elas surgem dos rebatimentos setoriais de uma tendência
geral que se tornará dominante.
A terceira avenida é a da infraestrutura física e social. Inclui as mudanças
esperadas nos meios de transportes de carga ou na mobilidade das pessoas;
engloba transformações na constituição de sistemas de geração distribuída
em substituição à separação ainda prevalecente entre as fases de produção e
distribuição, como no caso já visível da energia elétrica; envolve novos
avanços nas telecomunicações e assim sucessivamente. Igual destaque deve
ser dado às tecnologias educacionais, de saúde, habitacionais dentre outras,
que igualmente impactarão fortemente a economia e a sociedade.
O mundo assistiu a última mudança de paradigma ao longo dos anos de 1970
e 1980, sintomaticamente então como agora em meio a uma crise global de
crescimento. Decorreu da resposta das economias líderes do ocidente ao
desafio japonês, promovendo a chegada dos conceitos de produção enxuta,
depois simbolizados na ideia de substituição do fordismo pelo toyotismo. Era
a difusão de um elenco totalmente novo de formas de organização da
produção que possibilitaram a substituição da automação rígida pela flexível,
grande redução de perdas e desperdícios e uma extensa eliminação de
empregos. A indústria tornou-se simultaneamente mais diferenciada e mais
eficiente, equação essa impossível no fordismo, e que proporcionou um
grande salto na massificação dos mercados e na própria globalização do
sistema industrial.
Para o Brasil, o que importa é que as transformações tecnológicas atuais
abrem mais janelas de oportunidades do que o paradigma organizacional que
se tornou dominante há 30-40 anos. Essa constatação é particularmente
aplicada à economia digital devido ao maior componente incorporado em
equipamentos e softwares dessas novas tecnologias. Mas também pode ser
estendida à economia verde, pelas oportunidades econômicas acarretadas
pelo bom posicionamento do país nessa área ou, ainda, às infraestruturas,
pelas lacunas de oferta existentes. Porém, à semelhança do que sucedeu
quando da difusão mundial do toyotismo na década de 1980, a economia
brasileira está parada. Não perder mais esse bonde está nas mãos dos
condutores da política econômica.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e
coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GICIE/UFRJ). Email:
gic@ie.ufrj.br."
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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