domingo, julho 19, 2015

As três avenidas do novo paradigma tecnológico produtivo por Kupfer

O professor David Kupfer da UFRJ em breve artigo, publicado no Valor, na segunda-feira (13-07-2015, P. A11) arrisca uma síntese, sobre o que compreende ser um "sintoma de uma mudança de paradigma tecnológico", na linha do Thomas Khun. Para isso se apoia numa figura simbólica que descreve como três avenidas como caminhos: economia digital; economia verde e infraestruturas novas ou renovadas.

Tenho alguma resistência em enxergar o cenário futuro apenas por estas "avenidas" sem deixar de enxergar a interação delas com a chamada economia tradicional. Porém, a discussão de cenários com visão de ciclos longos e tendências é sem dúvida necessário e, desta forma a síntese do texto do Kupfer é interessante. Vale conferir:

"Lá vem o bonde"
"A crise já de longa duração em que se encontra imerso o sistema econômico mundial tem motivado, principalmente entre macroeconomistas, um debate em torno do que se denominou "estagnação secular". Segundo essa tese, as perspectivas de crescimento econômico global estariam definitivamente comprometidas pelo envelhecimento populacional, uma fatalidade demográfica, e pela parada no ritmo de crescimento da produtividade. Essa última estaria refletindo o esgotamento da capacidade do engenho humano de criar inovações radicais como foram a máquina a vapor no século XVIII ou a energia elétrica no século XIX. Por essa razão, as taxas de juros muito baixas, nulas ou mesmo negativas praticadas durante esses últimos ­ e muitos ­ anos não conseguiram impulsionar os investimentos e recolocar as economias centrais novamente em marcha. O problema, portanto, não estaria na órbita estritamente econômica, da inadequação dos mecanismos de regulação dos mercados ou das políticas nacionais adotadas, e sim em determinantes "ultra­-estruturais", ligados à demografia e à tecnologia. Mais uma vez o erro seria da realidade que insiste em não se ajustar aos modelos.

Esse diagnóstico reflete, de um lado, a usual incompreensão dos macroeconomistas sobre o fenômeno do progresso técnico e, de outro, a ansiedade com que os formuladores de política olham para o longo prazo. Não consideram que a crise atual é fundamentalmente um sintoma de uma mudança de paradigma tecnológico e que favorecer o processo de destruição criadora provocada por inovações radicais recém­introduzidas deveria ser o centro das preocupações das políticas econômicas.

Sem qualquer intenção de praticar futurologia, não parece difícil antever que há um novo paradigma tecnológico-­produtivo em ascensão, apoiado em três avenidas principais: a economia digital, a economia verde e as infraestruturas novas ou renovadas.

A primeira avenida, a digitalização da economia, envolve bases técnicas com grande capacidade de propagação entre os mais diversos sistemas de produção e consumo. A chamada manufatura avançada, que envolve a integração de inovações no campo da robótica, mecânica de precisão, automação de processos e softwares, é um exemplo perfeito do potencial transformador que as tecnologias de informação representam para o futuro da produção industrial. Mais ainda, essas transformações não se limitam ao chão de fábrica. Envolvem formas de integração produtor­fornecedor e produtor-cliente, tecnologias de design, projetos de produto e de manufatura e tantos outros serviços que ampliam substantivamente a capacidade de diferenciar produtos, criar mercados e, muitas vezes, novos empregos. Esse é o conceito da indústria do século XXI que vem por aí.

A segunda avenida refere-­se à energia e sustentabilidade. Inclui-­se aqui toda uma gama de fontes de energias renováveis como biomassa, eólica, solar, etc. Mas não é essa a dimensão mais importante. As grandes novidades cada vez mais estarão no lado dos usos, nas novas formas de motorização e de geração de força e calor, muito mais eficientes e, portanto, de menor custo, que irão impactar sensivelmente a produção e o consumo em todos os ramos de atividade. Essas potencialidades da economia verde não decorrem da observação direta dos problemas tecnológicos enfrentados por cada um desses ramos individualmente. Como é típico das fases de ascensão de um novo paradigma, elas surgem dos rebatimentos setoriais de uma tendência geral que se tornará dominante.

A terceira avenida é a da infraestrutura física e social. Inclui as mudanças esperadas nos meios de transportes de carga ou na mobilidade das pessoas; engloba transformações na constituição de sistemas de geração distribuída em substituição à separação ainda prevalecente entre as fases de produção e distribuição, como no caso já visível da energia elétrica; envolve novos avanços nas telecomunicações e assim sucessivamente. Igual destaque deve ser dado às tecnologias educacionais, de saúde, habitacionais dentre outras, que igualmente impactarão fortemente a economia e a sociedade.

O mundo assistiu a última mudança de paradigma ao longo dos anos de 1970 e 1980, sintomaticamente então como agora em meio a uma crise global de crescimento. Decorreu da resposta das economias líderes do ocidente ao desafio japonês, promovendo a chegada dos conceitos de produção enxuta, depois simbolizados na ideia de substituição do fordismo pelo toyotismo. Era a difusão de um elenco totalmente novo de formas de organização da produção que possibilitaram a substituição da automação rígida pela flexível, grande redução de perdas e desperdícios e uma extensa eliminação de empregos. A indústria tornou­-se simultaneamente mais diferenciada e mais eficiente, equação essa impossível no fordismo, e que proporcionou um grande salto na massificação dos mercados e na própria globalização do sistema industrial.

Para o Brasil, o que importa é que as transformações tecnológicas atuais abrem mais janelas de oportunidades do que o paradigma organizacional que se tornou dominante há 30-­40 anos. Essa constatação é particularmente aplicada à economia digital devido ao maior componente incorporado em equipamentos e softwares dessas novas tecnologias. Mas também pode ser estendida à economia verde, pelas oportunidades econômicas acarretadas pelo bom posicionamento do país nessa área ou, ainda, às infraestruturas, pelas lacunas de oferta existentes. Porém, à semelhança do que sucedeu quando da difusão mundial do toyotismo na década de 1980, a economia brasileira está parada. Não perder mais esse bonde está nas mãos dos condutores da política econômica.

David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GICIE/UFRJ). E­mail: gic@ie.ufrj.br."

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