O
bicentenário da expedição científica de Maximiliano de Wied-Neuwied - III
Em
Campos
Arthur
Soffiati
Ao chegar em Campos, Maximiliano de
Wied-Neuwied parece ter chegado na margem da civilização. Ele se sentiu quase
em casa. A comitiva que o acompanhava se hospedou na casa urbana do prior do
Mosteiro de São Bento. Faltou, na expedição, um bom desenhista ou pintor. O
príncipe ficou nos devendo este especialista, pois muitas paisagens admiradas
por ele não foram retratadas em desenho. Gostaríamos de ver o aspecto da Igreja
de Santo Amaro, do Mosteiro de São Bento e de Campos. O Rio Paraíba do Sul o
encanta e é comparado ao Reno. Hoje, o Reno está em melhor estado que o nosso
mediano rio, num país de rios colossais.
Em 18 de julho de 1815, Napoleão
Bonaparte é definitivamente derrotado pela aliança de países conservadores da
Europa. Naquele longínquo tempo, não havia emissoras de radio e de televisão.
Campos ainda não contava com jornais. Mas havia serviço de correio que
atravessava a costa, sobretudo entre Rio de Janeiro e Salvador. Outro gosto de
civilização para Maximiliano foi saber pelos jornais, em Campos, dois meses
depois, que Napoleão tinha sofrido a derrota que o levaria para o exílio
definitivo na Ilha de Santa Helena, onde morreu.
Como seu diário de viagem foi
concluído na Alemanha, o príncipe pôde recorrer a vário autores. Citando o
padre Simão de Vasconcelos, ele informa que a Baixada dos Goytacazes foi povoada
originalmente por índios da nação goitacá.
Tendo conhecido as cidades, as vilas
e os povoados entre Rio de Janeiro e Salvador, Maximiliano estava autorizado
para afirmar que Campos "é atualmente a zona mais próspera entre o Rio de
Janeiro e a Bahia. Toda a região é ocupada por fazendas dispersas e plantações;
e, na margem sul do rio Paraíba, que corta
essa fértil planície, cerca de oito léguas do mar, fica uma importante
vila, que decerto merece o nome de cidade."
Ele informa que "A Vila de S.
Salvador dos Campos dos Goitacás tem de 4 a 5.000 habitantes; a população de
todo o distrito é calculada em 24.000 almas. É de ordinário chamada
simplesmente Campos, sendo razoavelmente edificada e possuindo ruas regulares e
calçadas na sua maior parte, bem como belos edifícios, alguns dos quais de
vários andares. Balcões, fechados com rótulas de madeira, à antiga moda
portuguesa, são ainda comuns. Próximo do rio há uma praça, onde fica o edifício
público em que se reúnem as autoridades municipais, e no qual, além disso, está
a prisão. Há na cidade sete igrejas, cinco boticas e um hospital, com
capacidade para cerca de vinte doentes. O lazareto é dirigido por um cirurgião,
além do que consta haver no lugar médicos muito mais competentes que em outras
partes da costa, onde, muitas vezes, se procura em vão um profissional digno de
confiança."
A Casa de Câmara e Cadeia a que ele
se refere situava-se no local onde hoje se ergue o prédio central do Banco do
Brasil, na Praça do SS Salvador. Pela descrição, Campos apresentava mais
coerência urbanística e arquitetônica do que hoje, parecendo gozar de prestígio
em termos de economia e serviços. Mas ele descreve mais:
"A situação da cidade é
bastante aprazível; acompanha em longa extensão a margem do belo Paraíba e
oferece lindo panorama, especialmente quando vista da estrada, rio abaixo. A
paisagem ribeirinha é sempre animada; uma quantidade de gente, na sua maioria
de cor, agita-se continuamente, entregue ao comércio e a outras ocupações.
Pratica-se, em Campos, ativo intercâmbio de diversas mercadorias; a região do
Paraíba acima produz, nesse particular, grande quantidade de açúcar; e existem
grandes engenhos junto ao pequeno rio Muriaé, que desemboca na margem norte do
Paraíba, oposta a S. Salvador. Café, algodão e outros produtos agrícolas dão
otimamente; até verduras europeias se encontram nos mercados. O principal
produto, entretanto, é o açúcar e a aguardente dele destilada. Há entre os habitantes,
gente opulenta, possuidora de vastos engenhos perto do rio, em alguns dos quais
se ocupam cento e cinquenta escravos ou mais; além da aguardente, produzem-se,
em cada um desses estabelecimentos, anualmente, quatro a cinco arrobas de
açúcar. Nessa região, no Paraíba e no Muriaé, já em 1801 havia duzentos e
oitenta engenhos, dos quais oitenta e nove grandes e muito lucrativos."
Em resumo, a pena do naturalista
pinta um núcleo urbano próspero, intimamente ligado à zona rural, com produção
mais diversificada que atualmente. Hoje, a cana e o gado dominam a economia da
baixada, mesmo assim, enfrentando crise. Naquele tempo, havia plantio de
algodão, café e hortaliças. Como a distância entre os centros urbanos era
grande, entende-se que cada um deles tivesse mais autonomia econômica. Em
decorrência desta prosperidade, em grande parte decorrente do trabalho escravo:
"Vê-se bastante luxo na cidade,
especialmente no trajar, coisa em que os portugueses despendem muito dinheiro.
O asseio é geral entre esse povo, mesmo nas classes baixas, pelo menos entre os
filhos do país. Visitando-se, porém, o interior, ou vilas menores, nota-se
quase sempre que os colonos conservam os antigos costumes, não demonstrando a
menor ideia de melhorar de condição. Veem-se aí pessoas abastadas, que enviam à
capital, todo ano, várias tropas carregadas de gêneros, e talvez umas mil ou
mil e quinhentas cabeças de gado para a venda, mas cujos casebres, apesar
disso, são piores do que os dos mais pobres camponeses germânicos; baixos, de
um só pavimento, feitos de barro e até mesmo sem caiação. Toda a economia
doméstica e maneira de viver estão no mesmo nível; mas poucas vezes se vê
desasseio nos trajes. É pequena a criação de gado na região do Paraíba, embora
as suas planícies sejam tão próprias para isso. Criam-se aí alguns muares; não
são, porém, fortes e bonitos como os de Minas Gerais e Rio Grande. Os carneiros
e as cabras são pequenos, e os porcos não crescem tão bem como em outras zonas.
Visitei os Campos dos Goitacás, não para colher dados estatísticos a respeito
da região (o leitor procurará outras obras para esse fim), mas para conhecer o
que houvesse de notável no povo ou nos produtos naturais. Assim que consegui o
meu objetivo, abreviei a minha permanência, e apressei-me em visitar, o que
representava para nós a raridade de maior interesse, uma tribo de tapuias ainda
em estado selvagem, existente nas vizinhanças, junto ao Paraíba."
O contraste entre o modo de viver e
de trajar dos fazendeiros urbanos e rurais também será notada, em 1818, por
Auguste de Saint-Hilaire. Observemos que o Distrito de Campos ainda não contava
com uma nobreza de título, que só vai se desenvolver no Império. Contudo, por
mais que Campos ofereça um ambiente próximo da civilização de onde viera o
naturalista, o objetivo de conhecer plantas, animais e povos nativos, "selvagens",
como ele e outros chamavam, é preciso partir. Na margem esquerda do Rio Paraíba
do Sul, onde hoje cresceu Guarus, havia a redução indígena de Santo Antônio de
Guarulhos. Parece, todavia, que os índios ali reunidos já estavam muito
aculturados ou subindo o Rio Muriaé. Nos planos de Maximiliano, uma visita a
São Fidélis. Parece que, na região, foi o lugar mais admirado por ele.
Voltando de lá, rumo a São João da
Barra, ele ainda deixa uma impressão sobre Campos, depois de confirmar a
derrota final de Napoleão, festejada inclusive pelos moradores da vila:
"A cidade acompanha até bom
pedaço a beira do rio, oferecendo uma bela paisagem. A massa de casas ergue-se
imediatamente acima do rio; erguem-se, acima delas, coqueiros solitários, e o
magnífico fundo de cena é formado pelas montanhas azuis longínquas. A
superfície reluzente do rio, que tem aí razoável largura, é cortada em todas as
direções pelas canoas remadas por negros, e as margens são guarnecidas de
capoeiras, pequenos capinzais e moradas pitorescas. Um pintor poderia, desse
lugar, fazer um lindo quadro da cidade e arredores."
Sentimos falta desse pintor. Como
nenhum desenho da vila foi deixado por ele, ilustramos o artigo somente com o
pincel de sua pena.
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