Os casos são anteriores à crise da redução dos preços das commodities e das investigações da operação Lava Jato. Porém, ganham com elas, novos contornos.
Na época da crise do grupo EBX, eu já chamei a atenção sobre o controle que empresas e grupos estrangeiros (fundos e tradings) passavam a fazer sobre ativos (como eles gostam de chamar) de grupos e empresas brasileiras, numa magnitude colossal.
Se o fato era consequência da crise destes, ou parte de uma estratégia das players e dos fundos estrangeiros para investir no imenso "mercado" que é o Brasil, ou um pouco de cada coisa, ainda teremos que seguir acompanhando no tempo os desdobramentos.
Hoje vou citar rapidamente dois casos.
O primeiro da trading holandesa Trafigura que junto com o fundo árabe Mubadalla, de Abu Dhabi, ficou com o controle do Porto Sudeste que o Eike começou a construir em Itaguaí na Baía de Sepetiba.
A Trafigura, através de sua subsidiária Impala assumiu o controle do porto pagando no final de 2013, início de 2014, junto com o Mubadalla R$ 400 milhões à vista e assumindo uma dívida de R$ 1,3 bilhão da MMX Sudeste.
Pois bem, agora, a Trafigura avançou sobre as minas de Tico-Tico e Ipê (controle dos ativos minerais) da MMX que está em processo de recuperação judicial desde a crise das empresas X, fazendo um investimento de R$ 70 milhões que serão pagos à vista, mais R$ 190 milhões, a serem aplicados em quatro anos para a trading retomar a produção dessas duas minas, que têm capacidade para produzir 6 milhões de toneladas de minério por ano.
Assim, a Trafigura quer garantir mais minério de ferro (mesmo com os baixos valores no mercado internacional no momento) para usar o Porto Sudeste, que foi projetado com a capacidade para exportar 50 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, tendo atualmente metade desta capacidade.
Na semana passada, o Porto Sudeste está fazendo o seu primeiro embarque, depois de três anos de atrasos, com um carregamento de 80 mil toneladas de minério com destino à China (Valor, 02/09/15, P. B3).
O segundo caso é da empreiteira OAS, que envolvida na Operação Lava Jato está vendendo um de seus "ativos" ações da empresa Invepar para a empresa canadense Brookfield Infrasctrute.
A Brookfield Infrastructure (com recursos de fundos financeiros) comprou recentemente operadora australiana de portos e ferrovias (que também exportam minerais) por US$ 8,9 bilhões. Possui participação em portos na Europa e instalações de armazenamento de gás no Canadá. No Brasil, ela possui em seu portfólio participação em ferrovias.
O caso chegou a ser embargado por liminar da Justiça de São Paulo que questionou possíveis prejuízos para os acionistas pela operação de R$ 800 milhões. Nesta semana, a Justiça autorizou o negócio, mas em parcelas com a primeira parte de R$ 200 milhões.
O blog trouxe à tona estes dois casos mais recentes, mas coleciona em sua pesquisa dezenas deles. Na prática, eles constituem a prova real de como este processo vem se dando nos últimos anos. Não parece se tratar de uma relação entre empresas no mundo globalizado. É bem mais que isto.
O controle dos fluxos materiais e financeiros com a participação de players e fundos financeiros globais no fluxo de commodities, não apenas passa a controlar a extração (recursos minerais) e produção (agronegócios), mas os preços no mercado mundial, através de participação também nas infraestruturas portuárias.
Assim, as tradings, junto com o sistema financeiro passaram a ter maiores lucros, superando inclusive o setor extrativista e mesmo o setor produtivo, seja na indústria, ou mesmo na área de serviços.
O quadro abaixo mostra esta realidade. Elas representam a materialidade do que venho dizendo já há algum tempo, a partir das pesquisas sobre os sistemas portuários que servem são na prática instrumento indispensável para este tipo de acumulação.
O quadro também nos oferece evidências de como as tradings, foram se transformando em escoadouro "dos dinheiros" dos bancos e fundos financeiros. Junto com os investimentos em portos, as tradings, foram superando, hoje no mundo, os lucros das grandes empresas, inclusive as telefônicas (Dowbor, 2013) e explicam em boa parte a Economia Gloal do mundo contemporâneo, do qual o Brasil é parte.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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3 comentários:
Salve David Harvey e o "Velho".
Segue o capital no seu ritmo(cada vez mais acelerado e dramático) de contrair seus fluxos, rearrumar seus nichos de interesse, realocar suas tecnologias e recursos, destroçar excedentes (criatividade destrutiva), azeitar processos e partir para novos ciclos de expansão.
Neste caso, temos uma lógica peculiar:
Com o advento da inovação proporcionada pela telemática, houve um descompasso com a acumulação física de riquezas, fato que, dentre outras coisas, criou bolhas especulativas cada vez mais vorazes e voláteis.
Agora, o capital entendeu que o mote deve ser a adequação dos meios não-físicos (virtuais) aos físicos. A logística imprescindível (ainda) para o transporte de riquezas (bens e serviços) é fundamental.
Logo, depois dos parques industriais de base, da indústria fina, e dos ramos das cadeias produtivas derivadas destes setores, vêm os portos, aeroportos, estradas, e etc.
Não que estes patamares logísticos já não estivessem nas agendas, mas agora haverá um total realinhamento com as demandas cada vez mais rápidas e inadiáveis.
Novamente, como no Século XVI, XIX e início do Século XX, as cidades-porto mudaram a geografia do poder.
Dados reais de como está se dando no sistema-mundo a Geografia do Capital.
Cada vez mais fica claro para mim como os sistemas portuário, por um lado ou outro, se transformaram na espinha dorsal deste processo, sob o prisma dos fluxos materiais, onde a acumulação encontra a produção, no restante a mais amplo, as vidas informacionais prescindem dos portos para auferir ganhos ainda maiores.
Atirei no que vi e acertei o que não enxergava, kkk.
Pois é..De certa forma, houve uma nuvem que escureceu nossa percepção, no início da fetichização dos meios (tecnológicos).
Acreditamos que a via virtual iria acabar com o meio orgânico, e lembro de um debate sobre um texto (artigo) do Hermano Vianna sobre cyber-balcanização dos conflitos. Acho que escrevi um texto sobre o assunto.
Lá eu defendia que era tolice separar a vida virtual da real, e pressupor uma hierarquia ou um extermínio das relações físicas.
Esse raciocínio serve para a questão da acumulação capitalista.
É certo que os meios fluídos (virtuais) tendem a acumularem-se exponencialmente, criando a impressão de prescindibilidade sobre tudo.
Mas as crises (ou lógica) capitalista provam que há um meio orgânico em posição assimétrica, e que se há choques, é porque uma coisa (virtualidade, especulação) depende dramaticamente da outra (meios físicos, acumulação real).
O aparato ideológico capitalista, no entanto, sempre busca nos entreter com as "novidades", "nova era", "novo mundo", para prioritariamente, desconstruir a ideia do conflito permanente de classes.
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