O discurso do desenvolvimento e de se “aturar os estragos”
feitos pelos empreendimentos de mineração, neste momento começam a ser mais
amplamente questionados, ao contrário do que se via até aqui.
É evidente que o tempo poderá aplacar a repulsa da população
àquilo que se considera o pouco caso das mineradoras, para com as comunidades e
habitantes das regiões, onde elas se localizam. Há em todas elas, conflitos sócio-territoriais
tensos e antigos.
Via de regra, o poder político, em suas diferentes escalas e
setores, como agentes reguladores, raramente atuavam devidamente como árbitros
dos interesses contraditórios.
O caso deste mais grave acidente da Samarco, assim como a
ocorrência seguida, e em tempos relativamente próximos de outros, evidenciam
que os licenciamentos e a fiscalização, foram relativamente “fluidos”, para ser
brando, no diagnóstico de tudo que já foi exposto pelo caso até aqui, entre
eles o de que a empresa atuava, já há dois anos, com as licenças de operação vencidas.
Porém, no meio de todo este imbróglio, muita coisa vem sendo
levantada, mostrando a teia de relações, entre as questões locais e globais e
ainda, entre os poderes das corporações e suas relações com o poder, a política
e os governos.
Consequências para as
demais corporações globais do setor
Uma questão que já inquieta as mineradoras de todo o mundo é
que a “tragédia encarecerá os projetos no Brasil” e que a redução da produção
da Samarco, contabilizada em 30 milhões de toneladas, afetará o “mercado transoceânico”
do minério de ferro. O fato é verdadeiro, mas dentro de limites.
A estimativa é dos bancos e das tradings que atuam no setor.
Eles estimam que existe atualmente um excesso de produção no mercado mundial, da
ordem de 84 milhões de toneladas, que poderá chegar a 94 milhões de toneladas,
no ano que vem.
Assim, mesmo que a redução da Samarco seja ampliada em 12
milhões de toneladas, em função de impactos que a unidade da Samarco promove em
outras unidades da Vale com a qual trabalhava consorciada (Fábrica Nova e
Timpobeba, ambas em Mariana), ainda assim, ficaria muito abaixo do excessos do
mercado mundial.
Desta forma, ao contrário, a tragédia produzida pela Samarco
impacta menos o mercado do que se imaginou no primeiro momento. Isto, talvez
explique as primeiras reações da Vale e BHP Billiton, as duas acionistas e
controladoras da mineradora responsável pelo desastre em Mariana, a Samarco.
A mineração como
geradora dos materiais do nosso cotidiano
As imagens dos estragos ainda correm o mundo. A rejeição à
mineração, atividade antiga da humanidade, ficará sim, mais na berlinda do que
antes depois deste episódio.
Embora, os donos da mineração já digam (talvez garantam) que
nada irá modificar tão profundamente, considerando que a nossa civilização não estaria
disposta a abrir mão dos produtos oriundos da atividade, como o aço, cimento,
ouro, cobre, alumínio e outros minerais, presentes em nosso dia a dia, mesmo
que a tragédia e o pouco caso cada vez mais evidente com o ambiente e as
pessoas tenham ficado expostos, a partir agora de Mariana.
Analisando os
discursos
Porém, é interessante registrar e tentar entender a forma
como as corporações Vale e BHP Billiton, voltaram atrás e através dos seus
presidentes (CEOs) se manifestaram na quarta-feira, em Mariana, MG, junto do
presidente da Samarco.
Vale conferir o que disseram para depois comentarmos:
Murilo Ferreira, presidente da Vale: “Agora a decisão de retomar ou não as operações não será uma decisão a
meu ver da Vale e da BHP somente. Agrega-se a ISS todos esses importantes
stakeholders”. (Disse ao se referir a órgãos ambientais, integrantes do
Legislativo e do Judiciário).
André Machenzie, presidente da BHP falou em compromisso de
longo prazo: “a retomada do
empreendimento dependerá da disposição das autoridades em conceder novas
permissões”.
Parece claro que há nas falas, de forma nem tão embutida,
mas relativamente evidente, que os dois foram articulados (em mídia training),
para parecerem humildes, e especialmente, deixar passar a ideia de que a
responsabilidade maior é do Estado que os deixou fazer o que fizeram e que por
isso podem ser (ou não) generosos para emitir novas permissões. É verdade que
há erros do Estado, mas neste caso há maiores erros das corporações.
(Mídia training: preparação e treinamento feito por
jornalistas da assessoria de imprensa das empresas, para autoridades e gestores
de grandes negócios, quando serão submetidos a reuniões públicas, sobre temas
embaraçosos e entrevistas coletivas).
Ninguém vai crer que a humildade seja sincera e nem que a
não concessão de novas licenças não serão buscadas a ferro e fogo, como sempre
foram, para que as empresas atuem e acumulem os seus lucros.
É ainda interessante observar a fala do presidente da
Samarco, Ricardo Vescovi: “Se a sociedade
nos quiser de volta e houver meios seguros, a empresa pode voltar a operar. Se
a sociedade quiser, os meios poderão existir”.
Assim, ele repete o chavão fechado na articulação da “mídia training”
e também empurrou o problema para a sociedade, colocando sobre a mesa, de forma
menos dissimulada, não a responsabilidade das autoridades como fizeram os CEOs
da Vale e BHP, mas a questão dos empregos para os trabalhadores.
Ou seja, a sociedade que é vítima, pode ainda ser algoz,
pelo fechamento da empresa, como se a responsabilidade (ou irresponsabilidade) e
incompetência técnica da empresa, em prevenir o acidente e a tragédia, pudessem
ser mais ampliada para atingir ainda mais os seus próprios membros.
Assim, nesta singela análise dos discursos, se percebe que ao
invés de humildade, na prática, se tem novas e autoritárias posições das
corporações.
Suspender ou não
definitivamente a operação – queira ou não: uma decisão contábil!
Outras falas nas entrevistas também realçaram que o
fechamento da empresa e das atividades da Samarco deveria ser evitado, porque a
empresa moveria a economia da cidade da região que depende da mineração,
inclusive lembrando que mais do que o volume de minério, a Samarco é um player
chave do mercado mundial de pelotas.
É evidente que nestas falas se embute a questão indireta de
que se as multas e as indenizações forem muito grandes, elas poderão sufocar a
empresa e definir seu destino.
Assim, o que se tem é o início da negociação do dinheiro e
da contabilidade do que se vai pagar e do que se vai voltar a faturar. É isto e
não as autoridades com as licenças e nem a comunidade em querer seus empregos é
vão definir se a empresa volta a operar ou vai embora.
Interessante observar que nisto, que pode ser entendido como
um dilema, há outra questão que será marcante. Se a Samarco voltar a operar, se
dirá que nada mudou e que o poder econômico falou mais alto e mais, que para a
empresa, mesmo com todo desgaste, ela acabou se livrando, mesmo que
macabramente dos rejeitos que já não queria mais gastar para guardar.
Se, ao inverso, depois de feitas as contas e a contabilidade
de perdas e ganhos futuros resolver abandonar as instalações, será dito que a
Samarco extraiu o que tinha e deixou um rastro de destruição para trás.
Desta forma, qualquer que seja a opção, não seria difícil
compreender que a opção por uma ou outra crítica será unicamente econômica.
Para finalizar, no texto que se iniciou para ser um breve
comentário, eu trago outra fala do presidente da Vale para mostrar como agem os
grupos (holdings) e oligopólios agem na relação entre empresas controladas e
independentes.
Murilo Ferreira depois de afirmar que a Vale forneceu
pessoal, equipamentos e helicópteros para ajudar nos trabalhos de resgate, ele reforçou:
“A Samarco não é a responsável e mesmo
sendo a Vale uma das donas, ela não deveria ser vista como corresponsável. A Samarco
não é uma parte da Vale. A Samarco é uma empresa independente que tem
governança própria e todas as suas determinações são dadas pelo conselho de
administração”.
Novamente, o dinheiro e a contabilidade, só que agora,
agregados às artimanhas das brechas da lei entre acionistas e controladores.
Quando interessa como controlador e acionista, certamente a Vale e a BHP
Billiton conduzem as decisões, produção, preço e concorrência da sua controlada,
a Samarco. Ninguém vai acreditar que isto não seja assim, num oligopólio.
Já, quando se está diante de um caso que exigirá vultosas
indenizações, perdas, etc., a ocasião, mesmo em meio ao discurso que tentava passar
humildade e senso humanístico, as corporações aproveitaram para encaixar as filigranas
jurídicas. Com elas se busca isentar a Vale e a BHP Billiton que são apenas, as
duas maiores mineradoras do mundo.
Enfim, ler nas entrelinhas e analisar os discursos nos ajuda
a entender a relação entre as corporações globais, a sociedade e o poder.
Um comentário:
Caro amigo,
Sabemos que não existem coincidências, apenas consequências...
A depreciação dos preços pela super oferta não é casual. Ninguém joga para perder.
Se analisarmos a estrutura societária destas holdings, vamos enxergar setores que orientam seus interesses para a oscilação negativa dos preços, apostando em posições futuras.
Alguém está lucrando, e muito, com esta depreciação e com a voracidade da exploração de recursos estratégicos, sem mencionar os estragos futuros representados pela dependência frente a escassez destes insumos desperdiçados para capitalizar os donos do capital ao redor do mundo.
Neste momento de aquecimento das turbinas do motor capitalista global, tudo que eles querem é matéria-prima barata.
As possíveis diferenças de caixa geradas pela operação no "vermelho" são compensadas com a especulação posterior, bem como devemos considerar que esta operação de depreciação "rearruma" o setor, fazendo andar na prancha quem não tem "gordura para queimar", mas principalmente, jogando na bacia das almas os últimos patrimônios estatais, que como sabemos, enfrentam, além das questões contábeis e econométricas, as complexas questões políticas (vide Petrobrás).
Este jogo não é para amadores.
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