Apreciei a forma como fui abordado para a entrevista. Me disseram que gostariam de uma entrevista que ajudasse a comunidade de São João da Barra a compreender melhor as vantagens e desvantagens da instalação do Porto do Açu. Estavam dispostos a publicar na íntegra a opinião que vem sendo construída há cerca de uma década de estudos e pesquisas.
Assim, eu tinha pela frente um desafio de buscar sair da superficialidade dos comentários soltos, para uma análise mais abrangente e ao mesmo tempo compreensível para a maioria das pessoas. E que pudesse explicar desde a origem, o processo de instalação, mais os seus significados para a população local e regional.
Entendo que esta é uma obrigação pública de todo pesquisador/professor diante da população. Não sei se o esforço e a tentativa de desocultar algumas questões ao público em geral foi bem sucedida. Fui extenso demais nas respostas, mesmo com a preocupação em ser conciso e sintético.
Enfim, aí está o seu conteúdo. Ela expressa opinião e uma interpretação da realidade que vem sendo pesquisada, mas não é isenta de críticas.
Ao inverso, eu penso que é do debate que podemos avançar tanto na compreensão da realidade, quanto no desenvolvimento de ações e projetos que possam tornar o empreendimento particular, como algo importante também para a comunidade.
Link: http://www.sjbonline.com.br/noticias/porto-do-acu-discurso-de-sustentabilidade-e-hipocrisia
PS.: Atualizado às 14:30: Para trazer para este espaço um início de diálogo que aprofunda alguns pontos citados na entrevista. Primeiro o comentário de Douglas da Mata que é seguido de minha observação sobre a questão levantada levando a discussão para uma visão ampliada sobre a questão portuária no ERJ:
A desnecessidade de estocagem com a fluidez permanente e o enfraquecimento dos "laços comunitários" dos portos em relação aos territórios ocupados é a essência da busca do Capital pelo máximo de transformação acumulatória alienando os contingentes humanos.
Se antes havia uma noção "nacional" e estratégico dos portos em relação as demandas públicas, o que para o bem e para o mal deformava e mudava a cidade, que também reagia e mudava os seus portos, hoje a relação é unilateral, muito mais autoritária, chegando ao absurdo da entrega de enormes faixas de território a empresas privadas com suas regras que atacam o interesse público e a soberania nacional.
Como exemplo irônico e trágico desse processo é a "revitalização portuária no centro do Rio". Uma artificialidade tocada a bilhões de reais para encobrir a acumulação imobiliária quando a atividade portuária, per si, definha, haja vista a natureza "antiga" daquele ramal urbano de carga.
- Sim Douglas. Essa fluidez resultante de um processo onde a etapa de circulação (que as corporações chamam de logística) seguem num movimento que tente a zero (não apenas pela velocidade, mas pelos custos reduzidos de fretes) ajuda explicar esta distância e os "enclaves" que são as corporações que rejeitam se misturar com as pessoas e com o território. Este debate avança com os estudos e investigações sobre o tema "porto-cidade".
Este movimento ocorre no mundo inteiro. Assim, as áreas de armazenagem foram (ou estão sendo ainda) muito reduzidas e ocupadas pelo capital imobiliário que se vale dos investimentos públicos que valorizam a terra já adquirida por eles nestes locais, que agora passam a ser reutilizados.
Vale observar que assim se tem portos antigos que geraram a criação de cidades ao seu redor que têm a área do seu entorno "revitalizada" e especialmente "revalorizada" (formação de valor), com outros portos em áreas, relativamente virgens de baixo custo que vão servir aos complexos logísticos industriais. Ou os MIDAs (Maritime Industrial Development Areas), no caso do Brasil chamada da 5ª geração de portos. Na Europa esta concepção nasce na década de 80, há quase três décadas e possuem como referências o MIDAs do porto de Roterdã na Holnada, Havre na França e depois Antuérpia, na Bélgica e Hamburgo na Alemanha. Assim, os portos-indústrias oferecem a ideia da economia na ligação entre fornecedores e produtores e o porto para iniciar o movimento de transporte da produção até o consumidor final.
O caso do Porto do Rio, se insere no primeiro caso. Além disso, apesar de ser um porto público (organizado) ele possui diversos terminais concedidos a grupos ligados à logística. Eles ganharam prorrogação da concessão para ampliar os pieres e para modernizar a movimentação de cargas com novos e gigantes guindastes (gruas) automatizados, assim como os portêineres, enquanto o setor público se encarregou de fazer para eles a dragagem para aprofundamento dos canais de atracação para receber navios maiores, dentro do movimento de gigantismo naval que puxa o gigantismo portuário.
Desta forma, o porto do Rio se moderniza. Avançam os píeres para dentro da Baía de Guanabara, enquanto, as áreas antigas dos armazéns são cedidos para o projeto imobiliário que justifica o "Porto Maravilha". Ampliam-se o esquema de porto seco, onde o alfandegamento é feito junto à produção e seguem por corredores de rodovia ou ferrovia até o porto onde chega e é embarcado com alta fluidez. Além disso, no caso do Porto do Rio e junto ao porto de Niterói foram montados bases de apoio à movimentação de cargas para atender a exploração offshore de petróleo. Hoje estas bases já movimentam mais cargas que o TUP de Imbetiba em Macaé para apoio offshore, por conta do atendimento duplo da Bacia de Santos e a parte sul da Bacia de Campos.
Atendendo às pressões destas concessionárias de terminais na Baía da Guanabara (portos Rio e Niterói) novas alças de ligações modais (rodoviária e ferroviária) foram e continuam sendo construídas para dar fluidez a uma base portuária no centro de uma metrópole. Parte que não é atendida ali vai para Itaguaí e uma outra parte tenderá se dirigir para o norte no Porto do Açu.
Assim cresceu a arrecadação da prefeitura com ISS e do estado com ICMS, apesar de diversas isenções ou reduções de alíquotas.
Douglas, a sua observação me permitiu aprofundar um pouco mais a questão a partir da questão que levantou sobre a fluidez que tem a ver com tempo, dinheiro e também com o espaço no sistema em que vivemos. 2:08 PM."
- PS.: Atualizado às 22:08: Ainda sobre o tema do uso do solo, da relação entre a cidade e o porto, mais a reforma urbana é interessante ler aqui a entrevista da professora Ermínia Maricato, na revista online "Região e redes", cujo título é: "As cidades, o mosquito e as reformas" que pode ser lida íntegra aqui. Abaixo separei um trecho de sua penúltima resposta. O grifo é nosso:
"Para a reforma urbana precisamos também combater o analfabetismo urbanístico ou geográfico, que atinge também muitos economistas, advogados etc. A terra é um componente que se renovou na globalização financeirizada. Cada pedaço de cidade é único. A aplicação da função social da cidade, da função social da propriedade e do IPTU progressivo são fundamentais. A especulação imobiliária empobrece as cidades. Mas, muitos a veem como progresso e desenvolvimento. A universidade teria uma tarefa importante aí".