quinta-feira, abril 07, 2016

O crescimento do gás na matriz de energia do Brasil, seus significados em várias dimensões, inclusive a geopolítica

Agora em 2016, o gás é responsável por 8,8% da matriz energética brasileira. Seu uso abastece termelétricas, indústrias e numa porção menor, as residências por gás canalizado.

São 3 as principais fontes de gás usadas atualmente no Brasil:
1) O gás produzido em nossos campos, especialmente nas plataformas do pré-sal e pós-sal no ambiente offshore;
2) O gás importado da Bolívia, cujo contrato vence em 2019;
3) O gás importado sobre a forma líquida (GNL) adquirido basicamente da Nigéria, EUA, Catar e Trinidad e Tobago. No início de 2016, o Brasil ainda importa cerca de metade do gás que consome.


Produção nacional de GN e seus usos
Segundo a ANP, em fevereiro de 2106, a produção média interna de gás foi de 97,7 milhões de m³ por dia volume 0,5% maior que janeiro e 2,5% maior que fevereiro de 2015. Porém, inferior ao pico de produção em dezembro de 2015, quando atingiu 100,4 milhões de m³/dia.

Segundo estudos e estimativas de consultorias, a produção média de gás, poderia chegar a 160 milhões de m³ por dia em 2024. Em fevereiro a produção de gás, na Bacia de Santos já superou a de Campos com cerca de 40% x 26% da produção nacional. Na divisão por estado, na produção nacional de gás, o ERJ possui 44% e em segundo lugar, empatados: São Paulo e Amazonas com 15% cada um.

Porém, se no ciclo do petróleo as oscilações são grandes, na área de gás elas ainda maiores. A instalação de gasodutos e de unidade de liquefação são caras e o valor investido, pode não compensar, se os maiores produtores que já possuem estas bases instaladas tiverem condições de comercializar o gás a preços baixos, como ocorre atualmente.

Este é o fato que determina e segura os investimentos nesta área. Hoje, o Brasil, através da Petrobras possui 3 unidades de regaseificação (transformação do gás líquido - GNL - novamente em estado gasoso): Pecém, CE; Baía de Guanabara, RJ e Salvador, BA. Sempre junto a terminais portuários, para receber o GNL dos navios.
Navio regaseificador de GNL, Experience. Construído na
Coréia do Sul tem capacidade para armazenar um volume de
104 milhões de m³ de GN. Usado pela Petrobras no Rio.

A oscilação dos preços favorece a comercialização do gás no mercado "spot", em detrimento dos investimentos e contratos de longo prazos. No mundo, há hoje apenas 12 países produtores.

A comercialização do gás pelo mundo, demanda a construção de uma unidade de liquefação que possui altos custos de implantação e que se localizam, quase sempre próximo aos portos para serem mais facilmente comercializados em navios especializados.

Quem estuda o assunto avalia que o Brasil deveria investir numa desta unidades, em modelo offshore, considerando o potencial de gás encontrado nas reservas do pré-sal. O gás em relação ao óleo tem a vantagem de ser bem menos poluente e de ajudar a limpar a matriz energética.

Hoje, entre 65% e 75% do gás captado nos grandes campos de Lula e Sapinhoá estão sendo reinjetados nos poços devidos à queda de demanda do produto. Há quem também avalie que além de perder este potencial, as reinjeções possam adiante afetar a extração de óleo nestes mesmos poços e campos.


Distribuição de gás e gasodutos no Brasil
Por conta deste potencial, no final de 2015, a Cosan e a Shell (controladoras da distribuidora Comgás) anunciaram a intenção de construir um gasoduto ligando o pré-sal da Bacia de Santos até a capital paulista, mas o projeto depende das revisões do plano de investimentos da Petrobras.

Assim, o projeto seria planejando para daqui a seis ou sete anos. A Cosan e a Shell querem encontrar empreendedores para também viabilizar um terminal de regaseificação de GNL na Baixa Santista, para abastecer novas termelétricas a serem construídas.

Isso serve para explicar porque tanto interesse que a Shell tem no Brasil e que justificou a compra da petrolífera britânica BG, por US$ 50 bilhões, no ano passado.

A nota ao lado, publicada no Valor, em 06/04/16, confirma o redirecionamento cada vez maior da Shell para projetos de gás (GNL) em todo o mundo, com direcionamento de prioridades para seus projetos no Brasil, agora já fundida à BG, abrindo mão de outros ativos no Mar Ártico e no Alasca (EUA).

Mapa das fontes de GN e gasodutos existentes e projetados no Brasil. ANP



O Brasil elaborou em 2014, através do Ministério das Minas e Energia (MME), o PEMAT (Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário) com o objetivo de mapear as oportunidades para instalação entre novas rotas de transporte de gás e óleo.

Porém, há uma contenda que envolve a ANP, TCU e a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) sobre a regulamentação da Lei do Gás (Nº 11.909/2009) e sobre a implantação do regime de concessão e leilões para a construção de gasodutos, que possuem custos caros de instalação, mas são indispensáveis para ampliar o seu uso, evitando a queima ou reinjeção na produção nos campos offshore, especialmente, dos poços e campos da reserva do Pré-sal.



O gás natural, seu transporte e a geopolítica
Até pouco tempo, o uso do gás em todo o mundo se dava a partir do transporte em pipelines (dutos ou gasodutos) entre o local de extração (produção) e o de consumo, junto aos parques industriais, unidades de geração de energia e aos aglomerados urbanos onde era distribuído.

Desta forma, a ligação entre o local entre a extração deste recurso natural e o seu consumo se dava exclusivamente dentro dos continentes. A possibilidade tecnológica e comercial de liquefação do gás natural para transporte e depois de regaseificação para uso junto aos consumidores está alterando esta lógica e produzindo transformações importantes no mercado de combustível.

Como já citado acima, a liquefação é um processo ainda bastante caro, mas que pode compensar financeiramente, para as nações quem dispõe de grandes reservas e interferem no valor de mercado do gás e também na geopolítica.

Neste momento da fase de baixa do preço do óleo (e por consequência do gás) no mercado mundial, amplia a complexidade das variáveis envolvidas. Por exemplo: na Europa a pujança da produção russa com seus gasodutos espalhados e cruzando diversos países (e com os seus custos de instalação já amortizados) produzem preços quase imbatíveis.

Ainda assim, por interesses geopolíticos, os EUA está realizando nestes dias, o seu primeiro embarque de GNL (oriundo do xisto, ou shale gas) para a Espanha, o que cria embaraços para a Rússia que depende dos recursos deste fornecimento e está sendo obrigado a baixar ainda mais o seu preço pelo gás, para não perder este mercado.

Mapa de parte dos pipelines (oleodutos e gasodutos)
que têm a Rússia como centro
Como se sabe boa parte dos problemas políticos na relação da Rússia com a Ucrânia e Criméia, que teve o apoio dos americanos, tinham a ver com o fornecimento de gás e com os trajetos dos gasodutos pelos territórios em disputa. Daí é fácil compreender a dimensão geopolítica presente nas relações comerciais que envolvem o comércio de gás, tal como ocorre com o petróleo.

Segundo, dados do  Statistical Review of World Energy 2014, na década entre 2003 e 2013, as reservas mundiais provadas de gás natural cresceram 19% e atingiu 185 trilhões de m³. Diante do enorme potencial de reservas mundiais, a do Brasil ainda é pequena, mesmo que crescente.

Os números totais das reservas são meio controversos porque são considerados estratégicos. Há estatísticas que colocam a Rússia como a maior reserva provada com cerca de 47 trilhões de m³ e outras que identifica o Irã com a maior reserva com 33,8 trilhões de m³ de gás natural e Rússia, como segunda 31,2 trilhões de m³ (16,8%). Hoje, mais de 1/3 do gás consumido na Europa vem da Rússia.

Interligação de gasodutos russos na Europa
É certo que a Rússia além de possuir sozinha uma das maiores reservas de gás, ela é também receptora, com vários gasodutos, da produção de outros estados nacionais, da região do leste, antiga federação russa ou da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que também possuem grandes reservas como o: Turquemenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. Todas no caminho Eurásia e que ampliam a interligação com a China, grande demandadora de energia. Assim, o potencial geopolítico do gás tem se ampliado até em relação ao petróleo.


Usos mais nobres para o gás natural
Para fechar, voltando ao Brasil, é interessante observar o grande potencial de produção de gás faz com que usos mais nobres estejam sendo pesquisados no Centro de Pesquisa para Inovação de Gás natural, recém-instalado, junto à Escola Politécnica da USP.

Diversas tecnologias e aplicações estão sendo pesquisadas, desde o uso do gás para climatização, para a produção de hidrogênio para uso como combustível em carros, como de substituição do diesel para caminhões, entre outros.

Evidentemente, que este é mais uma sub-área, ligada ao grande de setor de óleo e gás, que chama à atenção de grandes corporações globais e que envolve à geopolítica que é uma das mais importantes dimensões que influenciam a conjuntura no Brasil contemporâneo.

Por tudo que está aqui exposto é importante que as instituições "think tanks" brasileiras que pensam e planejam os objetivos estratégicos e a relação com a geopolítica que envolve o país, consiga juntar as pontas soltas destas informações, para analisar a inserção do Brasil neste contexto global.

Seguimos acompanhando!

Fontes: Relatório da ANP, Valor Setorial de Energia, março de 2016, Guilherme Meirelles e outras fontes do blog.

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