Julio atualmente é professor do IFF no Campus Avançado Cambuci, mestre em Políticas Sociais (UENF) e defendeu sua tese no início deste ano com o título: “Poder local, royalties e política: um Estudo Comparativo sobre a centralidade do Governo Local na definição das estratégias de enfrentamento da problemática habitacional nos Municípios de Macaé e Campos dos Goytacazes”.
As análises e abordagens que o professor/pesquisador Julio Oliveira faz do tema é
bastante interessante e contribui em muito para aprofundar o
debate sobre planejamento urbano, habitação e as demandas da população não
apenas em nossos municípios petrorrentistas. Confira:
Blog: Como você vê a
expansão das políticas habitacionais na Região Norte Fluminense, sobretudo
aquelas financiadas pelo poder local, desde o início do crescimento do repasse
dos royalties em 1998?
Julio Oliveira: A região Norte
Fluminense traz em sua história componentes básicos de exclusão social sobre os
quais a nossa sociedade foi fundada. A carência habitacional aqui é histórica e
está vinculada diretamente a existência de um passivo social histórico que se
revela na integração periférica de grande parte das famílias ao ambiente
urbano. Então aqui é facilmente perceptível a convivência de porções
territoriais nas cidades extremamente enriquecidas em contraponto à espaços de
pobreza.
Apesar de alguns gostarem de
acreditar que a intervenção urbana com a construção de habitação social parte
de benesses deste ou daquele político ou grupo político, ela antes de tudo é a
construção de um processo histórico de luta de famílias e pessoas que levaram
até o poder público local suas necessidades. Em Campos, por exemplo, onde hoje
se encontra o Conjunto Habitacional da Aldeia em 1998 foi feita uma grande
ocupação daquelas terras pelas famílias que viviam entre as margens do Rio
Paraíba e da BR 356 (Campos x Itaperuna). Aquelas famílias inauguram naquele
momento, com a ajuda do MST, um grande movimento de resistência e conseguiram
ser atendidos pelo poder local com a construção de moradias. Então a partir
daquele momento a habitação social passou a ser vista com outros olhos pelos
governantes que nos recursos provenientes dos royalties do petróleo uma base de
financiamento robusta. A habitação social então ganha destaque como uma
política de grande visibilidade por atender diretamente ao imaginário de grande
parte das famílias brasileira que é se tornar proprietários a partir da
realização do “Sonho da Casa Própria”.
Outra questão importante que
conduziu a região para uma verdadeira crise urbana foi a sua abrupta inserção
como centro da cadeia produtiva do petróleo da Bacia de Campos. Uma
característica marcante deste processo foi que ele se baseou na atratividade de
mão de obra e na seletividade de distribuição dos benefícios da economia do
petróleo. Além disto, nossas cidades não estavam preparadas para recepcionar o
contingente de pessoas e investimentos oriundos do setor de petróleo e gás,
portanto o que se viu foi o aprofundamento da desigualdade o que acirrou a crise
urbana nos municípios da região, sobretudo em Macaé.
Blog: E o poder local como atuou neste processo?
Julio Oliveira: Nos casos que eu analisei,
Campos e Macaé, ficou patente a centralidade que os impactos que a cadeia
produtiva do petróleo possuem na definição da formatação das políticas públicas.
Então, o poder local em Macaé buscou concentrar seus esforços em adequar o
município as necessidades de circulação de bens e serviços gerados pela
indústria do petróleo. Segundo os ex-prefeitos de Macaé, a indústria do
petróleo e seus impactos vêm consumindo grande parte do orçamento municipal
principalmente na dotação de infraestrutura viária.
No caso de Campos, como o
município não vem sofrendo de forma aprofundada os efeitos das instalações
industriais não há uma preocupação em preparar o município para receber
investimentos nos mesmos moldes que em Macaé. Estes fatos repercutiram
diretamente na tomada de decisão sobre o modelo de política da habitação social
implementado por cada município: autonomia e parceria. Então Campos utilizou em
larga escala seus recursos para promover políticas de forma autônoma, mesmo
quando existiam a possibilidade de se fazer parcerias com as demais níveis de
poder. Já Macaé que passou por um grande período de isolamento político, a
partir de 2005 consegue reverter esta situação com o alinhamento político tanto
com o governo estadual, quanto o governo federal, permitindo a viabilização de
investimentos por meio de políticas descentralizadas e linhas de financiamento.
Macaé montou um estrutura administrativa exclusiva para este fim, mesmo que
isto em algum ponto tenha representado um retrocesso na sua autonomia
administrativa e na possibilidade de atender as especificidades dos seus
problemas locais.
Blog: Com o PMCMV (Programa Minha Casa, Minha Vida) Macaé perdeu então sua autonomia na gestão das Políticas
Habitacionais?
Julio Oliveira: Em parte sim.
Pois este é um problema central do PMCMV (Programa Minha Casa, Minha Vida), ele retira do poder municipal grande
parte da sua autonomia em estabelecer políticas urbanas e entrega diretamente
ao setor empresarial. Este fato aliado ao processo de segregação sócio espacial
imposto pela principalmente pela indústria do petróleo e o intenso processo de
especulação imobiliária que a seguiu, vem aprofundando a segmentação e a
especialização do tecido urbano na cidade de Macaé. Então vamos ter o
direcionamento da construção dos conjuntos populares em áreas afastadas, pouco
valorizadas e deficitárias em serviços públicos. Outro problema do PMCMV é a
sua forma homogênea de atuação que preconiza apenas a construção de unidades
habitacionais. Por não atender às famílias com reformas ou mesmo a com
requalificação urbana, o programa vem sendo acusado de ser um instrumento para
remoção de comunidades.
“É impossível não associar a
política urbana do Morar Feliz com conexões com o jogo imobiliário e a
valorização de algumas áreas do município. Observa-se a dispersão e a formação
de enclaves desconectados da vida social e econômica do entorno”.
Blog: Como você verifica o desempenho do Morar Feliz em Campos?
Julio Oliveira: Eu acredito que o
Morar Feliz devido a sua complexidade e sua meta ambiciosa de produção massiva
de moradias deve ser observado sobre diferentes ângulos. Este programa se
consolidou como ponto central da política urbana de Campos oferece uma ampla
gama de situações e conexões que ensejam bastantes críticas. Por ser uma tomada
de decisão política com uma forte vinculação eleitoral, digo isto por ele ter
sido a principal promessa política de Rosinha tanto na sua eleição em 2008,
quanto na reeleição em 2012, ele trás consigo uma série de vícios de origem que
acabaram impactando negativamente o seu desempenho. No meu entendimento a meta
estabelecida pelo Morar Feliz nasce de um grande equivoco, pois o que esta
postura trouxe foi uma produção massiva de moradias que colocou a disposição do
poder local um grande estoque de moradias populares. Então atualmente qualquer
comunidade em Campos corre o risco de ser varrida do mapa pelo fato de existir
a possibilidade de transferir estas famílias para estes enormes conjuntos
habitacionais. O que decide hoje se uma
comunidade será ou não removida é a declaração por critérios pouco objetivos de
que esta ou aquela comunidade se encontra em uma área de risco. Por outro lado,
é impossível não associar esta política urbana com conexões com o jogo imobiliário
e a valorização de algumas áreas do município. Ao observar a dispersão dos
Conjuntos do Morar Feliz não se percebe apenas a formação de enclaves
desconectados da vida social e econômica do entorno, mas sim ações deliberadas
que visam a expansão das fronteiras urbanas do município a partir da dotação de
infraestrutura urbana de caráter essencial. Estes conjuntos acabam funcionando
como frentes pioneiras que cedo ou tarde irão forçar o poder público a dotar
estes espaços com novos investimentos. Isto irá fazer com que invariavelmente
as glebas circunvizinhas se valorizem.
Blog: O que em sua opinião diferencia o Morar Feliz das outras
experiências de políticas habitacionais que já foram implementadas no Brasil ou
que ainda estão em vigor como o PMCMV?
Julio Oliveira: Olhando a
experiência do Norte Fluminense foi possível verificar que Macaé por não optar
por um programa próprio foi obrigado a cumprir um série de exigências feitas
pelo governo federal para ter acesso à programas habitacionais. Assim o
município pode contar com recursos oriundos do Fundo de Arrendamento
Residencial (FAR) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isto
implicou diretamente na necessidade de racionalização de algumas decisões e
práticas políticas no município, como por exemplo, a criação do Plano Local de
Habitação de Interesse Social em 2009, justamente como uma contrapartida por
fazer parte do Sistema Nacional da Habitação de Interesse Social, e também teve
que realizar prestações de contas aos órgãos de controle. Com a chegada do PMCMV
algumas regras para o financiamento habitacional foram tornadas menos rígidas. Uma
das poucas contrapartidas se resumem à dotação de infraestrutura urbana no
entorno dos conjuntos habitacionais e a desregulamentação da legislação
construtiva e de zoneamento urbano. Contudo, o programa do governo federal
exige que as famílias a serem beneficiadas façam parte do Cadastro Único de
programas sociais, este fato afasta um pouco o perigo da influência
político-eleitoral da escolha das famílias que serão atendidas. O Programa
Morar Feliz por ser um programa financiado com recursos municipais escapa a
toda esta lógica não tendo que atender a nenhum critério de controle por nenhum
órgão externo, soma-se a isto uma das marcas dos governos campistas que é a
falta de transparência e controle social dos gastos públicos.
Blog: Quais seriam os motivos levaram o governo de Campos a optar por
não fazer parte do PMCMV até 2014?
Julio Oliveira: As condições para
a adesão de Campos ao MCMV já existiam desde o lançamento do programa. Porém, a
opção política do governo municipal foi de tocar um programa habitacional de
forma solitária se deve principalmente à disponibilidade de recursos no caixa
da prefeitura. Além disto, os programas habitacionais possuem pouca resistência
entre todos os setores sociais, ainda mais quando estes programas estão
comprometidos com a desfavelização. Assim, os principais argumentos alegados
pelos responsáveis pela política habitacional de Campos é que o Minha Casa,
Minha Vida era extremamente burocrático e que as formas construtivas do Morar
Feliz eram notadamente superiores ao programa do governo federal.
“Em Campos se desdobrou duas
características essenciais sobre os grupos que vêm se revezando no poder: a
necessidade de se estabelecer pactos políticos multidirecionados e a busca por autonomia
frente ao controle de gastos e investimentos públicos... se perdeu uma grande
oportunidade de fazer um programa habitacional que dialogasse com a população a
ser atendida por ele”
Do meu ponto de vista estes
argumentos não se sustentam, principalmente sobre a existência dos trâmites burocráticos
que inviabilizaram o programa em Campos, sendo que municípios no próprio Estado
do Rio Janeiro com menor a capacidade administrativa, em comparação com a Campos,
realizaram investimentos junto o PMCMV na faixa de 0 a 3 salários mínimos. A
questão em Campos se desdobra em duas características essenciais sobre os
grupos que vêm se revezando no poder: a necessidade de se estabelecer pactos
políticos multidirecionados e a autonomia frente aos mecanismos de controle de gastos
e investimentos públicos. O Morar Feliz foi estabelecido sobre uma estrutura
administrativa montada exclusivamente para ele, onde se descartou todo e
qualquer conhecimento prévio existente no interior da administração pública. A
própria EMHAB, concebida em 1992 por Anthony Garotinho para gerir os projetos
habitacionais, vem tendo um papel coadjuvante no Morar Feliz. A decisão
política que deu origem ao Morar Feliz optou em centralizar as decisões sobre o
programa na Construtora (que se encontra no centro das investigações da
operação Lava-Jato) e em uma empresa de planejamento e engenharia. Então se perdeu
uma grande oportunidade de fazer um programa habitacional que dialogasse com a
população a ser atendida por ele.
Blog: No último mês parece que o cenário
das políticas habitacionais modificou um pouco e tivemos a inauguração do
primeiro conjunto habitacional do PMCMV voltado para as classes populares, que
contou com a parceria do governo municipal de Campos. O que mudou em relação às
parcerias?
Julio Oliveira: Esta questão é um
tanto quanto complexa, pois não há muita transparência na tomada de decisões
dos gestores municipais em Campos. Porém, sem sobra de dúvida esta parceria vem
como um efeito da queda de arrecadação dos royalties.
Por se constituir como uma promessa político-eleitoral considerada como uma
marca de um governo torna-se necessário cumprir em sua totalidade ou em números
bastante próximos disto. Então estas moradias do PMCMV provavelmente serão
contabilizadas como realização do governo municipal.
O Morar Feliz hoje está
praticamente paralisado, basta observar os canteiros de obras esvaziados. Então
para se chegar a um número próximo ao montante de moradias prometidas foi
necessário lançar mão desta parceria. Porém, é importante ressaltar que a
contratação destas moradias foi feita entre 2013 e 2014, assim já existia a
previsão de não se alcançar a meta do Morar Feliz antes mesmo da crise dos royalties. Outro interessante movimento
feito pela prefeitura de Campos foi o de assumir as prestações das famílias que
estão sendo atendidas pelo PMCMV, o que acabou representando uma economia para
os cofres municipais. Cabe ressaltar, que os recursos que hoje representam esta
economia saem do orçamento do município e não do montante reservado ao Morar
Feliz, assim passamos a ter duas políticas habitacionais em vigência no
município, atendendo ao mesmo segmento social com formas de atuação bastante
semelhantes. Mesmo assim, a parceria com o MCMV talvez seja o principal
elemento de racionalização dos gastos públicos feita por este governo desde
2009. Com uma simples decisão de viabilizar o cadastro das famílias sem moradia
ou que viviam em condições precárias, e apresentá-lo ao governo federal foi
possível fazer uma grande economia.
Uma questão interessante que pode
ser levantada a partir desta mudança de postura, está vinculada diretamente a ausência
de planejamento na questão habitacional em Campos. Pois a com as parcerias com Minha
Casa, Minha Vida, este programa poderia ter sido mesclado com o Morar Feliz e
assim atender de forma mais efetiva a questão habitacional em Campos a partir dos
casos que não envolvessem necessariamente a remoção de famílias. A autonomia
proporcionada pelos recursos dos royalties poderia ter proporcionado uma
atuação mais ampla do Morar Feliz para além de um programa massivo de
construção de moradia. Por fim, é importante salientar que na atual
configuração dos programas e em suas formas de atuação, tanto PMCMV, quanto ao
Morar Feliz reiteram o modelo clássico de criação de periferias, o que reitera e
potencializa o afastamento e hierarquização urbana.
Blog: Para encerrar mesmo, uma pergunta de teor mais político e de
poder: diante desta realidade seria possível afirmar que - mesmo no programa
mais badalado destes dois mandatos do grupo político do Garotinho - a negação à
participação popular na formulação e acompanhamento, torna uma boa Política
Pública limitada e cheia de problemas? Pode-se dizer que este seria o principal
viés político deste grupo?
Julio Oliveira: Esta questão é
interessante principalmente pelo fato de que tanto o PMCMV, quanto o Morar
Feliz, são projetos que concorrem pelo mesmo público alvo. Talvez isto seja o
principal elemento que afastou a faixa popular do PMCMV de Campos por tanto tempo.
No caso do PMCMV, segundo relatos do maior construtor do programa na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, o programa foi formatado junto com os
empreiteiros permitindo assim sua submissão aos anseios dos construtores e do
mercado imobiliário. Então os compromissos políticos foram firmados primeiramente
com os detentores do capital e não com a população que viria a ser atendida
pelo programa. Mesmo assim, o PMCMV guarda um rascunho das discussões que
vinham sendo construídas entre o governo e os movimentos populares. Um exemplo
disto foi a constituição do PMCMV Entidades, que conta principalmente com a
participação coletiva para a construção dos projetos habitacionais. Neste
formato do programa a população a discute a localização dos conjuntos,
tipologia de construção e divisão das unidades habitacionais, e o governo
federal tem como contrapartida o financiamento.
No caso do Programa Morar Feliz,
ele nasce exatamente do não debate entre o governo e a população, visto que ele
foi concebido como uma promessa de campanha eleitoral. Quando a população foi
convocada em 2009 para uma audiência pública sobre o programa, foi apresentado
o programa já formatado, com o tipo de moradia e os locais onde eles seriam
construídos, faltando apenas decidir quais comunidades seriam removidas. Então,
se descartou desde o início o diálogo com a população, por isto o programa
passou a sofrer resistências. O que se percebe neste programa é a forte marca
do personalismo como elemento guia das ações sociais em Campos. Este releitura politicamente empobrecida do varguismo
vem sendo determinante na tomada de decisão sobre as políticas públicas, pois
se trabalha com um forte componente midiático e com o não o estabelecimento de canais
de participação popular, pois se acredita que a liderança política tem a
capacidade de captar e operacionalizar a vontade popular. Esta postura então
abre espaço para o descontentamento popular, pois as pessoas querem participar
das decisões que irão delimitar o seu espaço de moradia, acesso a bens e
serviços públicos e de reprodução social.
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