Já disseram parte do que vou dizer de outras diferentes formas, mas penso que vale repetir ainda de outra maneira, bem ao estilo do pensamento construído em rede: a grande e sofrida Rafaela Silva é fruto das políticas sociais que podem salvar ou afundar o país!
A judoca brasileira medalhista de ouro é Silva. É de comunidade de baixa renda. Sofreu e ainda sofre todos os tipos de discriminação. Teve que fazer muitíssimo mais para arrancar um lugar ao sol.
Interessante observar que o caso dela é logo apropriado pelos que defendem a meritocracia como exemplo, quando o que se mostra é muito mais rico em análises.
A meritocracia não reconhece as entradas variadas no sistema. A meritocracia ao invés de valorizar a necessidade de políticas sociais que reduzam as desigualdades na partida, se atem à chegada para poucos, quando o que se deseja é que ela seja para muitos, ou, pelo menos em concepção para todos. Todos deveriam ter o mesmos direitos.
Porém, o caso de Rafaela é ainda mais emblemático, nestes tempos bicudos de ajustes fiscais e de rompimento com as "escadas" e de suspensão de direitos sociais e políticas públicas de inclusão que podem reduzir mais desigualdades na entrada do sistema que reforçam o discurso da meritocracia.
O caso da Rafaela nos traz a comprovação que aquilo que lhe permitiu agora ter méritos foram as políticas de inclusão social e não o inverso.
A medalha nestes casos seriam sempre consequências naturais de muitos outros Silva, Souza, Pereiras, etc.
O sistema que enaltece a Rafaela pela meritocracia é o mesmo que vai deixar morrer milhares com potencial semelhante, por falta de acesso às políticas básicas de renda mínima, bolsas e outros apoios que poderiam reduzir as diferenças, na disputa pelo mérito, que para a grande maioria é apenas o de sobreviver.
Por tudo isto, o caso da Rafaela, com as marcas de sua origem e trajetória, nos traz tantos exemplos e coisas positivas, que a única coisa que deveria ser fortemente evitada - e digo até rechaçada - é este discurso da meritocracia, quando este nega a igualdade de condições para a sua obtenção.
PS.: Atualizado às 12:26: Para incluir a ótima charge do Duke, sobre meritocracia citada no comentário da professora Guiomar Valdez no perfil do blog no Facebook.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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5 comentários:
Caro Roberto,
O sucesso da Rafaela da Silva não é fruto das "políticas sociais", e sim de uma ação 100% desenvolvida pelo ex-judoca Flávio Canto que, assim como um número pequeno de ex-esportistas, optaram por criar e desenvolver ações de inclusão social nos esportes que os projetaram.
Nossos governantes (embora não tenha votado em nenhum deles à época) esmeraram-se em "conquistar" a organização da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016 com o discurso do legado. Estes mesmos governantes não preocuparam-se em fomentar o esporte, seja na base seja no alto-rendimento, e sim construir as mega-arenas que temos hoje. A história do Pan 2007 se repete...
A meritocracia a que você se refere (de forma pejorativa) é o que distingue o Flávio Canto, o treinador dela - que reconheceu uma oportunidade na pequena criança rebelde, e vários outros, além da própria Rafaela, humilhada e ofendida após Londres 2012, a lutar, se desenvolver e perseguir os seus objetivos no esporte.
Na vida nada vem de graça.
Abraços,
Os "meritocratas" são sempre obtusos.
Políticas sociais sim. E elas podem, são e foram desenvolvidas em parcerias, mas nem por isto deixam de ser políticas sociais. O projeto é de uma ONG, mas as parcerias e as bolsas envolvem os governos.
Mesmo se não envolvessem, a questão é reduzir as desigualdades e fazer inclusão social e isto é política, que se desdobram em projetos, programas e ações. O que o texto disse é que sem os projetos sociais e igualdades de oportunidades não cabe falar em meritocracia.
Evidente que ninguém falou em nada vir de graça, mesmo para estes que enxergam a economia na frente das pessoas. As empresas vivem pendurados nas isenções que quebraram o ERJ em R$ 38 bilhões. É a bolsa empresário.
O treinador da Rafaela viu sim, o potencial dela a partir de um projeto escolar. Além disso, mas recentemente ela e centenas de outros atletas foram incluídos no Plano Medalha, Bolsa Podium e diversos outras para avançar nas competições do esporte de alto rendimento.
Impressiona a obtusidade destes liberais. É para eles que o texto que questiona a meritocracia merece atingir, porque gostam do estilo "self-made-man" e por isso querem transformar as exceções para dizer que quem quiser pode chegar lá.
Vou repetir não para os obtusos, mas para a reflexão mais geral:
"O caso da Rafaela nos traz a comprovação que aquilo que lhe permitiu agora ter méritos foram as políticas de inclusão social e não o inverso."
Parabéns ao anônimo.
Conheço de perto o projeto na Rocinha e NUNCA foi sequer beneficiado ou auxiliado pelo Estado ou seus representantes, exceto em 2014 quando houve intenso trânsito de caçadores de votos que prometiam "ampliação do projeto".
Graças a Vale, IBM, Qualicorp e SporTV o projeto saiu da mente do sr. Canto para ser a realidade que é.
Em uma das minhas passagens pelo núcleo Rocinha, percebia o diferencial em alguns atletas mirins, quando ao bater as 17hs a grande maioria partia para as suas casas e a meia dúzia que ficava até após o horário se esforçavam para aprender um pouco mais, treinar um pouco mais. O melhor exemplo do mérito na prática.
Graças a um ensino deturpado e errático, somente já no fim da adolescência fui de fato compreender o que significava a medalha de "honra ao mérito" que meu pai possuía no quadro e daí então pude compreender do porquê ele chegava tarde em casa e como isso foi fundamental para que conquistassemos nossa casa, comprada com muito sacrifício.
Muito bom seu comentário, caro Anônimo.
Tá certo o professor Roberto, sem políticas sociais não há saídas. As empresas poderiam fazer mais do que fazem só com descontos de impostos. O que interessa é dar apoio aos jovens para que tenham mais oportunidades. A Rafaela Silva me representa.
Se o patriotismo é o último refúgio dos canalhas, a meritocracia é o primeiro dos fascistas.
Primeira grave, eu repito, GRAVE MENTIRA:
Todos os apoios privados são deduzidos dos impostos das empresas, ou seja, a dinheiro público vem na forma de renúncia fiscal.
Mesmo assim, lá nas ONGs e outras "projetos", mesmo com parte dinheiro público nunca é exigida a Lei 8666, nem os rigores da burocracia estatal. Vale tudo em nome do "projeto", enquanto os hipócritas e cretinos solapam as políticas sociais, fingem que não veem o que se passa no "terceiro setor". Tudo em nome da ilusão de que ali se faz melhor e com menos (pura propaganda).
Segunda mentira: O esforço individual leva ao mérito! Afinal, o que é mérito, como quantificar e quem legitima ou deslegitima a conquista de cada um?
Pelé treinava, se submetia como bom moço a todas as ordens, babou ovo dos militares, ganhou fusca (comprado com dinheiro público) de Maluf, sabia lidar com a mídia e disse para todo mundo que ele era o melhor do século.
Ok, compra a imagem quem quer.
Garrincha bebia, fodia todas as mulheres que encontrava (ou quase todas), sofria toda sorte de preconceito, tinha os joelhos fodidos, gagava para a mídia e ganhou uma Copa "sozinho" (a de 62)...
Pelé era o bom moço que rejeitou sua filha até depois do DNA e da decisão do processo que levou ao STF.
Garrincha nunca renegou nenhum filho, ainda que não tivesse grana para bancá-los.
Mérito é a palavra que inventamos para te tirar todas as oportunidades, e depois, se você, ou alguém, conseguir algo, dizemos que era possível a todos, e a culpa é do "perdedor".
Algo como dar um canivete para um e uma motosserra para outro, e esperar o mesmo desempenho para derrubar uma árvore de 3 m de diâmetro.
Afinal, o que é mérito?
É o primeiro refúgio dos fascistas, o primo-irmão da eugenia.
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