segunda-feira, agosto 22, 2016

"Truculência" por Eleonora de Lucena: "Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre do bando que tenta abocanhar o poder"

O artigo abaixo é da jornalista Eleonora de Lucena e foi publicado hoje, na Folha de São Paulo. É um texto conciso e que expressa com clareza a simples opinião que este blogueiro tem trazido a este espaço. Antes da publicação na íntegra do mesmo abaixo destaco esta passagem:

"Esse contexto maior escapa da verborragia conservadora, ansiosa em reduzir a crise atual a um confronto raso entre supostos corruptos e hipotéticos éticos. Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre do bando que tenta abocanhar o poder. O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país."

Truculência
O Brasil entrou no centro da disputa geopolítica mundial. Tem riquezas naturais, mercado interno, posição estratégica. Construiu economia diversificada e complexa, terreno para grandes empresas nacionais e ambiente potencial para desenvolvimento de tecnologias de ponta.

Os Estados Unidos, acostumados a nadar de braçada no continente, começaram a ver o avanço chinês no que consideram seu quintal. Investimentos, comércio, parcerias com os orientais cresceram de forma exponencial.

Não parece ser coincidência a intenção norte-americana de voltar a ter bases militares na América do Sul (na sempre sensível tríplice fronteira e na Patagônia, que vigia o estreito de Magalhães, curva entre dois mundos). Nem parece ser ao acaso a escolha dos alvos do momento: a Petrobras, as grandes empresas e até o programa nuclear.

Nos últimos anos, o país mostrou zelar por sua autonomia e buscou alianças fora da influência dos EUA. Com China, Rússia, Índia e África do Sul, o Brasil ergueu os Brics e um banco de desenvolvimento inovador.

Aqui, reforçou o Mercosul -alvo imediato de ataque feroz do interino, afoito em mostrar serviço para o Norte e ressuscitar relações subalternas.

Esse contexto maior escapa da verborragia conservadora, ansiosa em reduzir a crise atual a um confronto raso entre supostos corruptos e hipotéticos éticos.

Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre do bando que tenta abocanhar o poder.

O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país.

Falar de luta de classes e de projeto nacional deixou alguns leitores ouriçados. Mas, apesar da operação de marketing em curso, os objetivos do atropelo à Constituição são claros: concentrar riqueza, liberar mercados, desnacionalizar a economia, desmantelar o Estado.

O discurso dos sem-voto que se aboletaram no Planalto tenta editar um macarthismo tosco, elegendo um inimigo interno. Agridem os de vermelho (sempre eles!), citados como os culpados de todo o mal, numa manobra conhecida dos movimentos fascistas desde o início do século 20.

Quem se atreve a discordar do rolo compressor elitista é logo tachado de “maluco” pelos replicantes da direita raivosa. Dizem que os que apontam as contradições atuais são saudosos do século 19.

Viúvos do século 19 são os que querem agora surrupiar direitos e restabelecer condições de exploração do trabalho daqueles tempos. Com a retórica de uma suposta modernidade, atacam conquistas sociais e pregam o desmonte da corajosa Constituição de 1988.

Alegam que a matemática não permite que o Estado cumpra suas funções perante os cidadãos. Para eles, a matemática deve servir apenas aos mais ricos e a seus juros maravilhosos. Num giro chinfrim, mandam às favas o tal controle do deficit público: gastam tudo para atender corporações, amigos e ganhar votos.

Com uma cortina de fumaça, arriscam confundir esquerda com autoritarismo. Projetam, assim, no adversário, os seus desejos ocultos. Afinal, o programa dos não eleitos só poderá ser implantado integralmente num regime de força, que censure e elimine a voz dos mais fracos.

As exibições de truculência absurda nos estádios da Olimpíada, proibindo manifestações de “Fora, Temer!” e rasgando os direitos constitucionais de livre manifestação e opinião, parecem ser uma terrível amostra de tempos sombrios pela frente.

O Senado vai enfrentar o julgamento da história.

Um comentário:

douglas da mata disse...

E na coxinholândia, país vizinho do feicebuquistão, o silêncio é aterrador...

Nenhum grunido daqueles humanóides que batiam panelas, como nenderthais que empunhavam clavas em torno do fogo mítico da estupidez (a tela da TV sintonizada na grobo)...

Uai, o governo deposto não representava uma ameaça à Democracia?

Então por que Dilma aguentou firme xingamentos pessoais incompatíveis à livre manifestação de opinião política divergente (aceitável e desejável, em regimes democráticos), enquanto os gorilas do golpe sufocam protestos pacíficos e nada ofensivos?

Não tenho dúvidas. Restabelecidas as coisas em seus lugares, seja agora, seja em 2018, não se pode ter mais a ingenuidade de deixar esses animais à solta...

Não se pode garantir direitos democráticos aos assassinos da Democracia.