terça-feira, setembro 20, 2016

"Mais eleitores que moradores" por Jéssica Monteiro

O blog por motivo do escasso tempo que tem tido disponível, além de outras razões, tem acompanhado muito superficialmente o processo das eleições municipais na região, como fez com grande intensidade nos pleitos de 2004 - 2006 (extraordinariamente em Campos) - 2008 e 2012.

Este ano, apenas algumas poucas observações foram feitas no perfil do blog/blogueiro no Facebook. Porém, a pouco mais de dez dias do pleito, o assunto amplia o interesse da população nesta eleição atípica de pouco tempo de propaganda, de imenso desgaste da política de representação e de financiamentos "transversais" e mais uma vez desigual.

Enfim, a partir desta breve introdução o blog publica abaixo o artigo que recebeu da Jéssica Monteiro da Silva Tavares, professora de Geografia, servidora pública municipal (Prefeitura de São João da Barra) e estadual (Rede Estadual de Educação em Campos dos Goytacazes). 

A professora Jessica trata da questão da relação eleitores-população no município de São João da Barra, que não é muito diferente da realidade de outros município de pequeno porte, sugerindo maior reflexão sobre o exercício do direito de voto. Confiram!


Mais eleitores que moradores

Todos os cidadãos brasileiros maiores de 16 anos têm direito ao voto. Por meio dele, são eleitos os representantes políticos da população. O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos para os analfabetos, maiores de 60 anos e para quem está entre os 16 e 18 anos.

Desse modo, seguindo a lógica, imagina-se que em um município se tenha mais habitantes do que eleitores já que existem restrições etárias para ser um eleitor.

Pela lei, o eleitor não precisa votar necessariamente no município onde mora. O chamado "domicílio eleitoral", de caráter subjetivo, não necessita coincidir com o domicílio civil, que é mais objetivo e faz referência ao lugar propriamente dito. O domicílio eleitoral necessita apenas de vínculo especial. De acordo com Rodrigo Moreira[1], "essa vinculação especial surge a partir de um elo, seja ele familiar, social, afetivo, comunitário, patrimonial, negocial, econômico, profissional ou político com o lugar. Nesse contexto, ainda que os eleitores ou candidatos não morem efetivamente no local, eles poderão votar e se candidatar, desde que comprovem algum dos vínculos citados acima". De acordo com o Código Eleitoral brasileiro, domicílio é o "lugar em que a pessoa mantém vínculos políticos, sociais e econômicos”[2].

Apesar de ser permitido pelas legislações eleitorais, a quantidade de eleitores que escolhe votar em local diferente ao de sua residência chama a atenção no município de São João da Barra. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[3], São João da Barra contava com 34.273 habitantes em 2014 (ano de eleições presidenciais). Nesse mesmo ano, o número de eleitores era 34.527, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)[4].

Já no ano corrente (2016), ano de eleições municipais, a estimativa de população do IBGE[5] é de 34.583 moradores no município. Observa-se portanto, pouca variação com relação à quantidade prevista para 2014. O número de eleitores porém sobe expressivamente: 37.631. Como explicar um aumento de 3.104 eleitores em apenas dois anos se a população praticamente não cresceu?

A nível de comparação, realizou-se a mesma seleção de dados sobre o município vizinho, Campos dos Goytacazes. Em 2014, a população estimada era de 480.648 habitantes, com 354.732 eleitores. Em 2016, Campos apresenta 483.970 habitantes e 359.323 eleitores. Neste município as proporções parecem fazer mais sentido. Aumentou o número de moradores e consequentemente, de possíveis eleitores.

Pode-se refletir portanto que a escolha do domicílio eleitoral em São João da Barra pode ter sido influenciada por questões alheias ao desejo de melhorias no local onde se vive. Tratando-se de um município de pequeno porte, onde os embates políticos costumam ser mais acalorados, não é difícil pensar em associar esse aumento no número de eleitores (maior inclusive que o número de moradores) às estratégias políticas de candidatos que querem "garimpar" votos a todo custo. Sabe-se de famílias inteiras que mudam seu domicílio eleitoral como forma de barganha, em troca de algum favorecimento pessoal. Essas estratégias não são novas no território brasileiro.

A população não deve se sujeitar a esse tipo de “acordo” com promessas vazias de cunho individual, que duram 4 anos. A escolha do domicílio eleitoral é de grande interesse dos eleitores e deve ser feita com cautela pois é neste local que eles exercerão o direito de votar e é nele que serão colocadas em prática (ou não) os programas, projetos e o plano de governo do candidato eleito.

O voto deve ser visto como direito conquistado que é, e deve ter o devido valor que merece pois foi conquistado às custas de lágrimas, suor e sangue de muitos que lutaram outrora para que pudéssemos exercer esse direito atualmente. Vamos refletir e não nos deixar persuadir!

Jéssica Monteiro da Silva Tavares

[1] Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral, lotado na Escola Judiciária Eleitoral. Trabalho completo em: http://www.tse.jus.br/institucional/escola-judiciaria-eleitoral/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-5-ano-3/domicilio-eleitoral
[2] AgRg em AI nº 4.769, Acórdão nº 4.769 de 2.10.2004, Relator Min. Humberto Gomes de Barros. 
[3] ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/estimativa_dou_2014.pdf
[4] http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/eleicoes-2016
[5]http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=330500&search=rio-de-janeiro|sao-joao-da-barra

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