Diante da direção à direita que se tem assistido na política em nossas terras, o artigo mais parece um libelo anticapitalista. Porém, seu autor também parece meio apavorado com os caminhos da democracia liberal e do sistema. Assim, ele descreve o esgarçamento dos ganhos do sistema financeiro, embora o autor não cite diretamente este campo, se referindo apenas ao capitalismo, enquanto sistema.
Neste espanto, o editor do FT combate o comércio global desregulado e transfronteiriço. Expõe preocupações com a aliança entre a democracia que chama de igualitária e o capitalismo desigual que teriam vindo juntos até aqui.
Mais que isto, Wolf vê que a seguir os resultados econômicos que produzem ainda maiores desigualdades, pode estar levando à plutocracia, a que temos tanto referido neste espaço.
Interessante é ver ainda o autor enxergar o que chama de "democracias não liberais" (ou "ditaduras plebiscitárias") da Rússia e Turquia, como exemplos atuais do contraponto, ao movimento puro do capitalismo em direção à plutocracia.
Assim, resolvi trazer o texto para este espaço, diante daqueles que imaginam que o caminho natural seja a plutocracia e mundo bom, apenas para poucos. Confiram!
Tensões entre capitalismo e democracia
Martin Wolf (*)
Será duradouro o casamento entre a democracia liberal e capitalismo mundial? Os eventos políticos em todo o Ocidente - especialmente a candidatura de um populista autoritário à presidência da mais importante democracia - ampliam a importância dessa indagação. Não se pode tomar como assegurado o êxito dos sistemas políticos e econômicos que norteiam o mundo ocidental e têm sido uma força de atração para grande parte do restante do mundo por quatro décadas. Surge então a
pergunta: se não isso, então o quê?
Existe um vínculo natural entre a democracia liberal- a combinação de sufrágio universal com arraigados direitos civis e pessoais - e o capitalismo, o direito de comprar e vender livremente bens, serviços, capital e nossa própria força trabalho. Eles compartilham a crença em que as pessoas devem fazer suas próprias escolhas, como indivíduos e como cidadãos. Democracia e capitalismo compartilham a premissa de que as pessoas têm o direito de exercer sua livre vontade. Os seres humanos devem ser vistos como agentes, e não apenas como objetos de poder de outras pessoas.
Mas é também fácil identificar as tensões entre democracia e capitalismo. A democracia é igualitária. O capitalismo é desigual, pelo menos em termos de resultados. Se a economia fracassa, a maioria das pessoas pode escolher o autoritarismo, como na década de 1930. Se os resultados econômicos se tornam muito desiguais, os ricos podem transformar a democracia em plutocracia.
Historicamente, a ascensão do capitalismo e a pressão por um sufrágio cada vez mais amplo caminharam juntos. É por isso que os países mais ricos são democracias liberais com economias mais ou menos capitalistas. Crescimentos amplamente compartilhados das rendas reais desempenharam um papel estabilização da democracia. Hoje, porém, o capitalismo está se defrontando com dificuldades muito maiores para gerar esses avanços de prosperidade. Ao contrário, são crescentes as evidências de desigualdade e declínio do crescimento da produtividade.
Essa poção venenosa torna a democracia intolerante e o capitalismo, ilegítimo.
O capitalismo contemporâneo é mundial. Isso também pode ser considerado natural. Deixados a si mesmos, os capitalistas não limitarão suas atividades a nenhuma jurisdição. Se as oportunidades são mundiais, também mundiais serão suas atividades. Igualmente [mundiais], em consequência, serão as organizações econômicas, especialmente as grandes empresas.
Entretanto, como observou o professor Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, a globalização restringe a autonomia nacional. Ele escreve que "democracia, soberania nacional e integração econômica mundial são incompatíveis entre si: podemos combinar quaisquer dois dos três, mas nunca todos os três simultânea e integralmente". Se os países forem livres para estabelecer regulamentações nacionais, a liberdade de comprar e vender através das fronteiras será reduzida.
Alternativamente, se as barreiras forem removidas e os regulamentos, harmonizados, a autonomia legislativa dos Estados será limitada. É particularmente provável que a liberdade de que desfruta o capital para cruzar fronteiras limita a capacidade dos Estados de definirem seus próprios impostos e regulamentos.
Além disso, uma característica comum dos períodos de globalização são as migrações em massa. Os movimentos transfronteiras criam o conflito mais extremo entre liberdade individual e soberania democrática. O primeiro diz que as pessoas tem o direito de ir e vir aonde desejem. O segundo diz que a cidadania é um direito de empresas veem a possibilidade de contratar livremente como inestimável. Não surpreendente que a migração tenha se tornado o para-raios da política democrática contemporânea. A migração tende a criar atritos entre democracia nacional e oportunidade econômica mundial.
Considere o desempenho recentemente decepcionante do capitalismo mundial, inclusive o choque da crise financeira e seu efeito devastador sobre a confiança nas elites responsáveis por nossos acordos políticos e econômicos. Perante tudo isso, a confiança em um casamento duradouro entre democracia liberal e capitalismo mundial parece injustificada.
Então, o que poderia assumir no seu lugar? Talvez a ascensão de uma plutocracia mundial e então, na prática, o fim das democracias nacionais. Como no Império Romano, as formas de repúblicas poderiam perdurar, mas a realidade teria se evaporado.
Uma alternativa oposta seria o surgimento de democracias não liberais ou, pura e simplesmente, ditaduras plebiscitárias, em que o governante eleito exerce o controle sobre o Estado e sobre os capitalistas. Isso está acontecendo na Rússia e na Turquia. Um capitalismo nacional controlado, então, substituiria o capitalismo mundial. Algo em certa medida semelhante ao que aconteceu na década de 1930. Não é difícil identificar políticos ocidentais que gostariam de ir exatamente nessa direção.
Por outro lado, aqueles de nós que desejam preservar a democracia liberal e o capitalismo mundial devemos enfrentar indagações sérias.
Uma delas é se faz sentido firmar novos acordos internacionais que restrinjam fortemente a autonomia regulamentadora nacional em favor dos interesses das empresas existentes. Minha visão cada vez mais se assemelha à do professor Lawrence Summers, de Harvard, que argumentou que "os acordos internacionais [deveriam] ser julgados não pelas medidas que harmonizam ou por quantas barreiras são derrubadas, mas se os cidadãos saem fortalecidos". O comércio traz ganhos, mas não pode ser buscado a todo custo.
Acima de tudo, para que seja mantida a legitimidade dos nossos sistemas políticos democráticos, as políticas econômicas precisam ser orientadas visando a promoção dos interesses de muitos, e não de poucos; em primeiro lugar estaria a sociedade, perante a qual os políticos são responsáveis. Se não conseguirmos fazê-lo, a base de nossa ordem política provavelmente naufragará. Isso não seria bom para ninguém. O casamento da democracia liberal com o capitalismo precisa ser estimulado. Não deve ser visto como algo assegurado.
(*) Editor e principal analista de economia do The Financial Times.
2 comentários:
Lamento discordar, mas o liberal aí não tem NADA de liberal, exceto se for um "liberal", definição de esquerda nos EUA/Canadá, aliado aos Democratas.
Porquê digo isso?
Simples, seus textos vêem sempre carregados de viés ideológico, tendencioso. Um de seus artigos polêmicos que mostram bem como pensa este senhor é datado de maio de 2016 intitulado "Como derrotar o populismo de direita" em que nada mais faz do que fazer partidarismo político pró Hillary Clinton.
O texto pode ser lido na íntegra aqui:
http://www.pressreader.com/brazil/valor-econ%C3%B4mico/20160525/281758448530629
Outra correção é que este senhor não é "Analista Chefe" e sim Comentarista Chefe de Economia no jornal britânico Financial Times, que como todo grande jornal de economia tem comentários de esquerda como Wall Street Journal ou o nosso Valor Econômico do Grupo Globo.
Qualquer pessoa que tenha identificação com o liberalismo econômico ou o conservadorismo político irá perceber rapidamente de que viés ideológico o autor pertence. Não que isto seja proibido, afinal a opinião é uma opinião e faz parte do jogo democrático, o problema esbarra quando faltam-se argumentos, como sugere o senhor Wolf quase que dizendo literalmente de que o melhor sistema é o de governo único, central, com regulações estatais.
Não é por ser economista que deve-se automaticamente ser definido como liberal ou "pró-mercado", basta ver o que fizeram Guido Mantega, Nelson Barbosa, Arno Augustin e os resultados estão aí.
Nelson Barbosa inclusive cometeu o absurdo de citar Keynes como linha de "raciocínio" para justificar o que houve na economia sob a gestão Mantega, um absurdo.
Keynes possui sua importância, mas para quem já leu as obras de Von Mises tende a perceber que é ali a explicação para tudo o que ocorre de errado em nosso país.
Sem mais,
Júlio de Souza Rodrigues
Oh meu caro,
As posições são sempre relativas. Sempre haverá à direita de um liberal alguém mais à direita que o taxa de esquerda. E ele estará certo porque relativamente é assim que ele se posiciona.
É assim que recebo o seu comentário como bem à direita do liberal a ponto de reclamar do editor (sim) do Financial Times como também confirma o Valor: "Martin Wolf editor e principal analista de economia do FT".
A mim não causa surpresa que nestas épocas que se vive os liberais passaram ser esquerdistas perigosos que vivem escrevendo nos jornais mundo afora. Só faltará agora querem queimá-los, porque no Brasil já estão violentando que se manifesta.
A partir deste comentário o texto do Wolf ganha ainda mais realce. Veja a que ponto foi se chegando com o Trump nos EUA, Le Pen na França e estes outros seguidores por aqui.
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