Porém, hoje, e cada vez mais, o mercado mundial de petróleo é mais complexo e mexe com mais variáveis e sua articulação envolve mais atores na geopolítica mundial para além das petroleiras.
Assim, a Arábia Saudita e os EUA, articuladores da alteração da fase do ciclo do petróleo, também sofrem as consequências de suas decisões. Evidentemente, pensam que perdem no varejo e ganham no atacado.
Os EUA interromperam a produção de petróleo e gás de xisto que não se sustenta com preços abaixo de US$ 60, o barril. Sua produção já caiu, no todo, quase dois milhões de barris por dia, desde o pico de produção do xisto em 2013/2014.
Agora é a Arábia Saudita. Depois de defender na Opep a liberação geral da produção de petróleo, para manter seus mercados e assim, atingir o Irã - que ainda vivia o embargo e hoje já voltou a produzir 3,85 milhões de barris por dia – e também as novas fronteiras petrolíferas, entre as quais o pré-sal do Brasil, hoje se vê às voltas com grandes problemas econômicos e fiscais.
A Arábia Saudita que tem 75% de suas receitas com exportações de petróleo, foi obrigada internamente a aumentar impostos, reduzir subsídios, controlar gastos e obter empréstimos de US$ 10 bilhões junto a bancos internacionais, para compensar o seu déficit orçamentário que atinge US$ 98 bilhões.
Agora a Arábia Saudita foi além e ampliou a financeirização de sua economia, para satisfação dos grandes fundos financeiros. Nesta semana, os sauditas fizeram a maior emissão de bônus (dívida) no mundo este ano. captaram US$ 17,5 bilhões junto aos mercados internacionais e, assim compensar a redução de receitas oriundas do petróleo que estourou o seu déficit para quase US$ 100 bilhões.
Até então a Arábia Saudita vivia basicamente de seu fundo soberano constituído com os dinheiros da venda do petróleo. Com a crise, ele foi em boa parte consumido e o recurso de buscar dinheiro fora chegou. Segundo informações há quem faça previsão de emissões nos próximos anos de mais de US$ 120 bilhões pela Arábia Saudita.
Outros países produtores de petróleo do Golfo Pérsico já fizeram o mesmo, como é o caso do Catar, Abu Dhabi, Omã e Barein que este ano já captaram juntos cerca de US$ 20 bilhões, também em emissões de títulos. Parte deles será referentes à abertura de capital da petroleira estatal saudita, a Saudi Aramco.
Enquanto isto, aqui no Brasil, se atribui a crise do país e da Petrobras, exclusivamente à Lava Jato. Bobagem. O caso é mais embaixo e exige aprofundamentos.
A ampliação da financeirização do setor petróleo no mundo
A fase de colapso do ciclo petro-econômico - e da economia como um todo pelo mundo - fez com que os investimentos de capital no setor de petróleo tenha sofrido cortes da bagatela de US$ 1 trilhão, segundo a consultoria escocesa Wood Mackenzie.
Os grandes bancos internacionais J.P. Morgan, Citigroup, HSBC e outros que coordenaram a emissão de bônus saudita - junto com os grandes fundos financeiros que também organizam - são os mesmos que emprestariam capital para as petroleiras se, estivesse na fase de expansão (boom) do setor. Assim ganham sempre aqui ou acolá.
Diante desta realidade, fica fácil enxergar os caminhos dos dinheiros.
Ora ele aporta sob a forma de capital físico na economia real e na produção material, através de instalações e infraestruturas – na fase de boom – ora recolhe os excedentes durante as crises que impõem sacrifícios às populações, para em seguida, retornar para o andar superior, das altas finanças. Como capital fictício ele passa a controlar as ações das grandes corporações e mesmo dos Estados-nações.
É nesta toada que a financeirização da economia global vem avançando - sem limites, ignorando regulações - sobre as corporações, as nações e a vida das pessoas.
Desta forma, os fundos financeiros controladores das empresas exigem mais e mais rentabilidade na produção material, mesmo que para isto se tenha que migrar instalações e a produção material. Automatizam a produção, passam a pagar menores salários e admitem o quase trabalho escravo.
No meio disso, o capital financeiro e suas corporações agem junto dos governos das nações que possuem hegemonia e capacidade de controle sobre os outros, para derrubar e tirar do caminho os governos dos estados-nacionais que resistem a esta lógica.
Desta forma, aproveitam suas vulnerabilidades internas, tanto econômicas quanto políticas, para impor novos governantes, trocando-os por aqueles que admitem uma total subserviência à lógica. Assim como a conhecida "ponte do futuro".
Algumas nações, como o Brasil estavam na direção e busca para a instalação de um mínimo de estado de bem-estar-social. Trabalhava para reduzir as desigualdades, fazia inclusão social e... foi podada. Simultaneamente, as nações que já viviam no welfare state nas chamadas economia centrais, estão sentido a regressão da qualidade de vida e direitos sociais conquistados desde o pós-guerra.
Civilizacionalmente, é certo que este movimento de massacre terá limites. Parece que estamos perto disto. A barbárie não será o fim e muito menos o nazifascismo.
Há que ter novos caminhos em termos de civilização que não seja exclusivamente pelos ganhos globalizados e inconsequentes do sistema financeiro sem cara e nem pudor que são irrigados pelo rentismo emponderado no interior de muitas nações.
Assim, se pode perceber que o caso das cadeias globais de valor do setor de petróleo e da ampliação da financeirização de mais uma economia nacional, deve ser visto de forma bem mais ampla do que simplesmente, como uma informação da área de macroeconomia. Ela é parte e define o dia-a-dia da sua vida, diante do sistema-mundo globalizado.
Compreender esta lógica do plano global e resistir nacionalmente parece ser o caminho para a construção de alternativas pós-capitalistas. Fora daí só restará a barbárie!
5 comentários:
Roberto, inclinados a pensar que as decisões políticas obedecem a uma conexão de superestrutura com as infraestruturas econômicas, modelo proposto por Marx, seria tentador imaginar que os governos dos EUA e da Arábia Saudita se movem para impor os interesses da cadeia do petróleo, com todas as implicações que a manutenção da hegemonia e controle de tyais cadeias representam no jogo geopolítico e dentro da perspectiva estratégica.
Não é tão simples assim.
Há uma força quase extra-terrestre que parece mover tudo por detrás, e foi acertadamente nominada como financeirização.
Hoje não é um grupo de pessoas que detêm riqueza física, e arrasta consigo as finanças do mundo.
São as finanças, e seus donos que arrastam o resto do mundo, em uma cadeia complexa de interesses cruzados (como uma teia), que não nos permite divisar os limites da cada instância que está em disputa.
Claro que há uma correspondência em ativos reais, do tipo tangíveis e palpáveis, mas essas esferas orgânicas cada vez mais se expandem e se retraem como bolhas flexíveis, tendo como propulsão fluidos voláteis (especulação).
Por isso é tão difícil situar uma resistência, uma tática de contra-ataque.
O Capital assumiu e incorporou, em escala jamais vista, o conceito de guerras assimétricas (guerrilha), onde você não vê o inimigo, mas é capaz de sentir apenas os estragos.
Nesse universo nublado, não raro atacamos a nós mesmos.
É por aí Douglas.
Mas, tentando entender os meandros dos fortes fundos financeiros - e do capital fictício - ainda julgo que haverá limites para este processo dentro do que o próprio sistema utiliza como processo de acumulação.
A explicação do elevador entre a base do investimento material e produtivo e o financeiro não tem serventia se não houver este movimento de desce e sobe. Não há sangue a ser chupado só no andar de cima.
Eu sei, eu sei, mas o descolamento entre a base material e a inorgânica é cada vez maior e mais dramática...
Uma olhada na crise de 2008, com a explosão da alavancagem da alavancagem da alavancagem revela que a acumulação de capital de investimento material só obedece a lógica da criação de bolhas especulativas que aumentam a toada dos fluxos e contra-fluxos, e claro, das posições assimétricas ao redor do planeta (que justamente, como polos de tensão, induzem esse fluxo - ou a corrente de capitais).
A geografia do capital está se transformando em uma para-geografia, ou pior, parece que as dimensões conhecidas para atuação da acumulação capitalista experimenta outras dimensões, além das já conhecidas.
Eu sei que em todos os séculos, quando o capital enfrentou o surgimento de novas tecnologias convergentes com períodos agudos de concentração e euforia rentista, nossa percepção é parecida, mas eu temo que dessa vez a coisa está mais sinistra...
Sim, Douglas eu concordo que os limites estão sendo extrapolados. Eu comentei isto no texto. Aliás, isto vem sendo falado por quem está preocupado com o capitalismo e com o sistema financeiro.
Na reunião do G-20, em setembro, na China,, o premiê da Austrália, Malcolm Turnbul, ex-executivo do banco Goldman Sachs disse que era "preciso civilizar o capitalismo".
Também em setembro o editor do Financial Times Martin Wolf afirmou que "se os resultados econômicos se tornam muito desiguais, os ricos podem transformar a democracia em plutocracia". Para mim já são governos para a minoria. Aliás, o texto na íntegra eu republiquei no blog neste link com o título "os limites da democracia no capitalismo":
http://www.robertomoraes.com.br/2016/09/os-limites-da-democracia-no-capitalismo.html
O Giovanni Alves, num interessante texto publicado recentemente pelo que chamou de "grande assalto ao Fundo Público no Brasil" fez uma distinção interessante entre a crise de 2008/2009 e a de 1929. Para ele a crise de 2008 expôs a plena hegemonia do capital financeiro que impôs a sua agenda que se tornou hegemônica do capital especulativo capturando o Fundo Público.
Quando em 1929, a agenda para sair da crise tinha sido pela agenda política, mas com a hegemonia do capital produtivo com uso das políticas anticíclicas e keynesianas.
Esta é uma boa conversa.
E o que é pior, para dar um exemplo local e estadual:
A crise fiscal dos governos locais e estaduais têm pouco a ver com "gastos com pessoal" (como a direita adora praguejar, apenas para cortar direitos conseguidos a sangue e suor), ou investimentos sociais...
Sabemos que isso é balela.
Mas também (como você já mencionou), não tem a ver com corte brusco de receitas (como royalties) apenas, mas com a financeirização das dívidas públicas, uma vez que com a deblacle de 2008, todos os títulos emitidos ou comprados pelos tesouros municipais e estaduais sofreram o efeito em cadeia, e ao que parece, agora no RJ a coisa desandou de vez.
A situação calamitosa dos fundos estadual e municipais de pensão é cristalina nesse sentido...aí que está o tal do "rombo" previdenciário, a farra com dinheiro dos servidores para apostar na roleta financista deu xabu, e agora o mico é devolvido aos servidores e contribuintes.
E os canalhas da mídia só vomitando lugares-comuns.
É foda, companheiro. Às vezes penso que a ignorância é uma virtude...a compreensão das coisas só traz sofrimento...rsrs
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