Mesmo decorrido todo este tempo, entendo que o tema continua aberto ao debate, e de certa forma, na ordem do dia.
Assim, eu decidi republicá-lo para buscar interlocuções.
As minhas pesquisas sobre as novas territorialidades no ERJ avançaram, mas entendo que a linha do debate continua sendo válido.
Desta forma, eu sugiro a leitura, já pedindo desculpas pelo tamanho da postagem:
O que aponta o estudo do IBGE sobre arranjos populacionais e concentrações urbanas a respeito de nossa “nova regionalidade”?
Na última terça-feira, eu fui procurado pela equipe de reportagem da InterTV para repercutir a notícia do estudo do IBGE, assim como explicar uma nota que publicamos aqui no dia 25 de março tratando do tema da movimentação dos arranjos populacionais e concentrações urbanas no Brasil.
Antes eu devo registrar que um primeiro estudo sobre esse movimento pendular nos municípios petrorrentistas, já com dados do Censo 2010 do IBGE, foi realizado pela professora Denise Cunha Tavares, que na época ainda estava na Ucam-Campos, antes de ir para a Uenf.
É evidente que o assunto é complexo, vasto, com múltiplas abordagens e impossível de ser tratado numa rápida matéria de um telejornal. Ainda assim, entendo que o esforço do jornalista Robson Fraga teve êxito, no sentido de trazer à tona, um dos vários pontos importantes que o tema descortina.
Se desejar assista aqui a reportagem do telejornal regional da InterTV, na segunda edição (noite), veiculada no dia 07/04/2015 clicando aqui no portal G1.
A meu juízo, a reportagem fez uma boa opção em levantar a seguinte pergunta: diante do fato real, de que uma parte significativa da população de nossas maiores aglomerações urbanas se desloca diariamente, em busca de emprego e/ou estudo, o que fazer? O que isso significa mais?
São rompidos os limites geográficos dos municípios, mas as prefeituras seguem estáticas
De uma forma ou outra, por razões que também vale a pena discutir e entender, a população rompeu os limites dos seus municípios e se integrou a outro em idas e vindas diárias. Porém, as gestões públicas desses municípios, parece que seguem indiferentes a essa realidade e às demandas destes seus munícipes.
Os prefeitos continuam lidando quase exclusivamente apenas com o espaço limitado ao seu território e sem nenhuma preocupação com sua "gente". A única organização existente que deveria pensar essas questões regionais que é a Ompetro (Organização dos Municípios Produtores de Petróleo), pensa e fala apenas da receita (e dos riscos da perda) dos royalties para sua prefeitura.
Políticas púbicas regionais, mesmo diante de uma realidade flagrante como essa, vem sendo deixada de lado. Foi assim, na época da fartura dos royalties e, pelo jeito, continuará sendo desconsiderado agora, com a significativa queda dessas receitas.
O normal nessa situação, ou o desejável, seria, pelo menos nesse período de “sufoco”, o surgimento de um espírito de colaboração, de integração (que o cidadão já fez na prática, ao buscar se virar para trabalhar). Ao contrário segue-se na disputa concorrencial entre as cidades.
Como a matéria da InterTV apontou as áreas de saúde (que diz respeito ao cidadão e nesse caso àquele que ora está aqui, ora lá, em seu fluxo e movimento diário de idas e vindas), de segurança e, especialmente, de mobilidade e transporte deveriam estar sendo planejadas de forma integrada.
Antes de falar um pouco mais sobre esse fenômeno, entendo que vale relembrar a tabela que o próprio estudo do IBGE destacou para mostrar o número de pessoas que se deslocam entre esses arranjos populacionais. A exemplo do que fiz no mapa acima, eu também acrescentei o arranjo populacional e seu movimento entre Campos e SJB/Açu (não observado no Censo de 2010) para fazer a conta do total de movimentação pendular de pessoas entre os 4 arranjos populacionais listados pelo IBGE:
A parte de baixo da tabela do IBGE são observações nossas. Além delas, diversas outras podem ser resumidamente consideradas. Chamo primeiro a atenção para a soma dos deslocamentos dos quatro arranjos populacionais citados de 40 mil pessoas, incluindo Campos-SJB/Açu, que estimei em cerca de 7 mil.
A gênese e os primeiros passos da evolução dessa nova regionalidade
Vale destacar que trata-se de um número muito significativo considerando que a sua base de informação são os próprios moradores indagados durante recenseamento do IBGE. Diria até que surpreendente.
A primeira e quase automática interpretação é que se trata de um fenômeno que tem sua explicação principal na cadeia produtiva do petróleo. Tentando interpretar esse fato sob o ponto de vista sócio espacial (conceito geográfico), pode-se afirmar que temos aí o "circuito espacial do petróleo".
Penso que vale o esforço em tentar traduzir o que seria esse fenômeno em nossa região. Toda essa realidade é decorrente de uma decisão tomada ainda na década de 70 (como parte do II PND) em explorar o bem mineral, petróleo, no litoral do Norte Fluminense.
Na época vivíamos num mundo pós crise de petróleo, com uma ânsia por novas fontes de energia. O Brasil, através da Petrobras, deu estrutura e corpo a essa estratégia. Com uma base em Macaé implantada em 1976 (que viria a se tornar centro desse circuito espacial – mais adiante falaremos disso), mas, politicamente bem ajustada com a denominação de Bacia de Campos, a exploração se iniciou.
Grande aporte de capital e infraestrutura foi sendo instalada. Tecnologias desenvolvidas para produzir no mar e depois a grandes profundidades. Pessoas sendo formadas e recrutadas nos municípios vizinhos. Instituições obtendo expertises. Legislações alteradas. Quebra do monopólio. Aumentos seguidos de produção. Ampliação das participações especiais e royalties para municípios, estados e União. Gestões públicas com forte poder econômico e por derivação político. Novas empresas de apoio se instalando exigindo novos especialistas. Mais contratações. E, resumidamente pode-se dizer, que foi se formando, para o bem e para o mal (com oportunidades e riscos) as bases para a constituição de um circuito espacial para além do núcleo central dessa dinâmica em Macaé.
É nesse contexto que o estudo do IBGE vem iluminar a interpretação de que uma nova regionalidade (geograficamente falando, novas territorialidades) foram sendo construídas dia a dia.
Não se trata de um fenômeno simples e muito menos inquestionável nas análises sobre como se deu e o que significa sob o ponto de vista social, econômico, espacial e político, esse processo construído ao longo dessas quatro últimas décadas.
Entre as várias leituras eu escolhi, inicialmente, duas, que a meu juízo, ainda pensando embrionariamente, e sem intenções de obter conclusões - e nem muito menos propostas - e mais ainda numa etapa de diagnóstico. O objetivo desse texto é dialogar e refletir essa realidade junto com vários de seus agentes: (pesquisadores, gestores públicos e sociedade organizada.
Nessa linha, a primeira questão que realço nessa análise do surgimento e instalação desse “circuito espacial do petróleo” é a dinâmica do arranjo populacional Macaé-Rio das Ostras /Rio de Janeiro.
O IBGE indica (veja na tabela e no mapa acimas) esta como sendo a primeira aglomeração em número de movimentos pendulares, depois da ligação entre as duas maiores capitais (centro das metrópoles do país) Rio e SP.
Os dados do IBGE apontaram para um movimento diário pendular de 13 mil pessoas circulando entre esses municípios. Assim Macaé ganha centralidade de chegada e saída de pessoas em diversas direções, se tornando centro dinâmico, por estar presente como eixo também nos outros arranjos populacionais apontados no mapa e na tabela. Isto não se dá por acaso.
Os prefeitos continuam lidando quase exclusivamente apenas com o espaço limitado ao seu território e sem nenhuma preocupação com sua "gente". A única organização existente que deveria pensar essas questões regionais que é a Ompetro (Organização dos Municípios Produtores de Petróleo), pensa e fala apenas da receita (e dos riscos da perda) dos royalties para sua prefeitura.
Políticas púbicas regionais, mesmo diante de uma realidade flagrante como essa, vem sendo deixada de lado. Foi assim, na época da fartura dos royalties e, pelo jeito, continuará sendo desconsiderado agora, com a significativa queda dessas receitas.
O normal nessa situação, ou o desejável, seria, pelo menos nesse período de “sufoco”, o surgimento de um espírito de colaboração, de integração (que o cidadão já fez na prática, ao buscar se virar para trabalhar). Ao contrário segue-se na disputa concorrencial entre as cidades.
Como a matéria da InterTV apontou as áreas de saúde (que diz respeito ao cidadão e nesse caso àquele que ora está aqui, ora lá, em seu fluxo e movimento diário de idas e vindas), de segurança e, especialmente, de mobilidade e transporte deveriam estar sendo planejadas de forma integrada.
Neste esforço valeria, inclusive, acionar as outras esferas de governo, para a elaboração de projeto ousado de transporte público intermunicipal, regional e de ainda maior integração da população desses aglomerados urbanos.
A importância de incluir o arranjo populacional Campos-SJB/Açu ao estudo do IBGE
Ao resultado do estudo do IBGE deve ser ainda observado de uma forma ampla, como citei no início desse texto. Nesse sentido, é bom lembrar que o estudo agora divulgado, usa informações do Censo de 2010, portanto, dados de uma realidade de 5 anos atrás.
Certamente, esse é um dos motivos pelos quais o estudo não agregou às três maiores movimentações entre esses aglomerados urbano, o de Campos-SJB/Açu, fortemente intensificado, a partir da evolução da implantação do projeto portuário.
Penso que o tema vale um aprofundamento. Para facilitar a compreensão de um fenômeno espacial, a melhor maneira é olhar o mapa. Para isso decidi pegar uma parte do próprio mapa usado pelo IBGE, para demonstrar o que o próprio estudo do IBGE qualificou como sendo a da configuração de uma "nova região urbana".
Usando o mapa publicado pelo IBGE, separei e dei destaque à nossa região. Assim, fiz a inclusão para também mostrar o movimento (fluxo) pendular entre Campos e SJB que já era significativo, no ano do Censo, em 2010, mas que continua crescendo, mesmo com os problemas no processo de implantação do Porto do Açu. Veja abaixo o mapa, ainda adaptado. (É intenção providenciar a elaboração e o redesenho com atualização do mesmo:
Pelo mapa se pode observar um fenômeno que venho apurando e estudando com zelo. Esse fenômeno é parte integrante da minha pesquisa de doutorado, que apresentei em agosto em ano passado (na fase de qualificação e previsão de conclusão no início do 2016), sobre o "espraiamento da metrópole fluminense" pelo litoral, tendo como eixo o "circuito espacial petróleo-porto".
Certamente, esse é um dos motivos pelos quais o estudo não agregou às três maiores movimentações entre esses aglomerados urbano, o de Campos-SJB/Açu, fortemente intensificado, a partir da evolução da implantação do projeto portuário.
Penso que o tema vale um aprofundamento. Para facilitar a compreensão de um fenômeno espacial, a melhor maneira é olhar o mapa. Para isso decidi pegar uma parte do próprio mapa usado pelo IBGE, para demonstrar o que o próprio estudo do IBGE qualificou como sendo a da configuração de uma "nova região urbana".
Usando o mapa publicado pelo IBGE, separei e dei destaque à nossa região. Assim, fiz a inclusão para também mostrar o movimento (fluxo) pendular entre Campos e SJB que já era significativo, no ano do Censo, em 2010, mas que continua crescendo, mesmo com os problemas no processo de implantação do Porto do Açu. Veja abaixo o mapa, ainda adaptado. (É intenção providenciar a elaboração e o redesenho com atualização do mesmo:
Pelo mapa se pode observar um fenômeno que venho apurando e estudando com zelo. Esse fenômeno é parte integrante da minha pesquisa de doutorado, que apresentei em agosto em ano passado (na fase de qualificação e previsão de conclusão no início do 2016), sobre o "espraiamento da metrópole fluminense" pelo litoral, tendo como eixo o "circuito espacial petróleo-porto".
40 mil pessoas se movimentando diariamente – buscando na prática uma integração
Antes de falar um pouco mais sobre esse fenômeno, entendo que vale relembrar a tabela que o próprio estudo do IBGE destacou para mostrar o número de pessoas que se deslocam entre esses arranjos populacionais. A exemplo do que fiz no mapa acima, eu também acrescentei o arranjo populacional e seu movimento entre Campos e SJB/Açu (não observado no Censo de 2010) para fazer a conta do total de movimentação pendular de pessoas entre os 4 arranjos populacionais listados pelo IBGE:
A parte de baixo da tabela do IBGE são observações nossas. Além delas, diversas outras podem ser resumidamente consideradas. Chamo primeiro a atenção para a soma dos deslocamentos dos quatro arranjos populacionais citados de 40 mil pessoas, incluindo Campos-SJB/Açu, que estimei em cerca de 7 mil.
A gênese e os primeiros passos da evolução dessa nova regionalidade
Vale destacar que trata-se de um número muito significativo considerando que a sua base de informação são os próprios moradores indagados durante recenseamento do IBGE. Diria até que surpreendente.
A primeira e quase automática interpretação é que se trata de um fenômeno que tem sua explicação principal na cadeia produtiva do petróleo. Tentando interpretar esse fato sob o ponto de vista sócio espacial (conceito geográfico), pode-se afirmar que temos aí o "circuito espacial do petróleo".
Penso que vale o esforço em tentar traduzir o que seria esse fenômeno em nossa região. Toda essa realidade é decorrente de uma decisão tomada ainda na década de 70 (como parte do II PND) em explorar o bem mineral, petróleo, no litoral do Norte Fluminense.
Na época vivíamos num mundo pós crise de petróleo, com uma ânsia por novas fontes de energia. O Brasil, através da Petrobras, deu estrutura e corpo a essa estratégia. Com uma base em Macaé implantada em 1976 (que viria a se tornar centro desse circuito espacial – mais adiante falaremos disso), mas, politicamente bem ajustada com a denominação de Bacia de Campos, a exploração se iniciou.
Grande aporte de capital e infraestrutura foi sendo instalada. Tecnologias desenvolvidas para produzir no mar e depois a grandes profundidades. Pessoas sendo formadas e recrutadas nos municípios vizinhos. Instituições obtendo expertises. Legislações alteradas. Quebra do monopólio. Aumentos seguidos de produção. Ampliação das participações especiais e royalties para municípios, estados e União. Gestões públicas com forte poder econômico e por derivação político. Novas empresas de apoio se instalando exigindo novos especialistas. Mais contratações. E, resumidamente pode-se dizer, que foi se formando, para o bem e para o mal (com oportunidades e riscos) as bases para a constituição de um circuito espacial para além do núcleo central dessa dinâmica em Macaé.
É nesse contexto que o estudo do IBGE vem iluminar a interpretação de que uma nova regionalidade (geograficamente falando, novas territorialidades) foram sendo construídas dia a dia.
Duas leituras para começar a compreender o fenômeno dessa nova regionalidade
Não se trata de um fenômeno simples e muito menos inquestionável nas análises sobre como se deu e o que significa sob o ponto de vista social, econômico, espacial e político, esse processo construído ao longo dessas quatro últimas décadas.
Entre as várias leituras eu escolhi, inicialmente, duas, que a meu juízo, ainda pensando embrionariamente, e sem intenções de obter conclusões - e nem muito menos propostas - e mais ainda numa etapa de diagnóstico. O objetivo desse texto é dialogar e refletir essa realidade junto com vários de seus agentes: (pesquisadores, gestores públicos e sociedade organizada.
Nessa linha, a primeira questão que realço nessa análise do surgimento e instalação desse “circuito espacial do petróleo” é a dinâmica do arranjo populacional Macaé-Rio das Ostras /Rio de Janeiro.
O IBGE indica (veja na tabela e no mapa acimas) esta como sendo a primeira aglomeração em número de movimentos pendulares, depois da ligação entre as duas maiores capitais (centro das metrópoles do país) Rio e SP.
Os dados do IBGE apontaram para um movimento diário pendular de 13 mil pessoas circulando entre esses municípios. Assim Macaé ganha centralidade de chegada e saída de pessoas em diversas direções, se tornando centro dinâmico, por estar presente como eixo também nos outros arranjos populacionais apontados no mapa e na tabela. Isto não se dá por acaso.
O conceito de “economia do petróleo” e “economia dos royalties” ajuda a explicar os diferentes papéis da nova territorialidade
Diferentemente de todos os demais municípios da região até a implantação do Porto do Açu, Macaé é o único que tinha sobre o seu território a base da economia do petróleo, com a presença física de empresas e fluxos de cargas gerada pela capacidade de arrasto dessa “atividade extrativa-industrial”, enquanto os demais municípios passaram a viver da economia dos royalties (com receitas até então crescentes), constituindo o que passou a ser conhecido como municípios petrorrentistas.
Enquanto Macaé, como centro dinâmico desse circuito da economia do petróleo recebia o capital fixo e a infraestrutura em seu território, para dar apoio à exploração entre exploração e produção offshore, demandando terminal portuário e outros serviços, os demais municípios passavam a viver da economia dos royalties. Aliás, vale citar que Macaé vive das duas economias (até então, o único da região): economia do petróleo e economia dos royalties. Nesse sentido, os demais municípios petrorrentistas tendo Campos dos Goytacazes à frente, se tornavam, paulatinamente, a ser fornecedores de mão de obra - um pouco mais ou menos qualificada - para a atividade de exploração offshore e gestores da grande renda petrolífera dos royalties.
Nesse contexto vimos Macaé se consolidando como eixo dinâmico desse circuito espacial. Aos poucos foi tendo as suas fronteiras ampliadas ao sul, em direção à capital e ao norte, em direção, hoje, ao Açu e ao seu porto, que passa a se tornar também, base territorial de apoio às atividades de exploração offshore.
Dito de outra forma, a realidade, dados e estudos, apontam para a leitura de que há um movimento com duplo sentido e forma: um espraiamento da conhecida metrópole fluminense, em direção ao norte, pelo litoral seguindo o "circuito espacial petróleo" desde a capital; e outro, saindo de Macaé e seguindo ainda na direção norte, passando por Campos e indo até SJB/Açu.
Desta forma podemos intuir que teríamos dois fenômenos a investigar: a ampliação da metrópole (sob nova forma) e a formação de uma “nova unidade urbana” (palavras e sugestão do próprio IBGE).
É nessa sequência que entramos no segundo ponto (leitura) a ser aqui abordada. Sobre o que o IBGE sugeriu como hipótese da configuração de uma "nova unidade urbana que somará mais de 1,2 milhão de habitantes" (Página P. 69 do estudo do IBGE).
Já há algum tempo temos chamado essa “nova unidade urbana” pelo caracterizaria a formação desse circuito espacial que foi a cadeia produtiva do petróleo. Assim, vem se optando chama-la de "Região Metropolitana do Petróleo" (RMP).
Buscando uma interpretação mais ampla para a metropolização que incorpore a realidade do circuito espacial porto-petróleo
É evidente que o conceito de “metropolização” e todo o peso que ele caracteriza merece aprofundamentos, mas também requer que se mude os paradigmas para compreendermos o momento que vivemos na economia global e na forma como se dá atualmente, a relação entre o capital financeiro e produtivo ao se unirem para operar sobre os municípios, estados e nações. Assim, as regiões vão ganhando contornos definidos externamente e em modos de atuação similares aos da produção.
Constatar, refutar ou reafirmar essa interpretação vai exigir apuração de mais dados empíricos e argumentações analíticas que serão amplamente debatidas. Deve-se dizer que o fato em si, não significa que seja bom ou ruim, embora, haja quem veja na mais conhecida dinâmica econômica e das metrópoles um fenômeno superior às outras realidades dos municípios. (Adiante retomo o assunto)
Junto dessas duas leituras pode-se ir ainda um pouco mais longe, identificando o que seria essa "nova metropolização" de uma região com população de cerca de 1,2 milhão de habitantes.
Ela pode, ou não ser a extensão da já conhecida Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), ou poderia essa estar avançando em direção ao interior para se juntar a esta segunda região metropolitana e em formação, que “a priori” foi denominada como sendo do petróleo (RMP).
Nessa análise se vê aquilo que as unificam: ambas estão fortemente ancoradas (não exclusivamente) pelo "circuito espacial do petróleo", ou “circuito espacial porto-petróleo". Quem sabe na tríade “petróleo-porto-indústria naval” juntando a grande ampliação das atividades dos estaleiros nesse espaço para atender à demanda da cadeia produtiva do petróleo.
Mais uma nova região metropolitana ou a ampliação de uma megarregião?
Nessa linha, a indagação que se faz é se temos a formação de uma nova região metropolitana ou se temos (junto) a integração das duas regiões metropolitanas, num conceito e "megarregião" (Lencioni, S. 2014).
É compreensível que muitos possam considerar um exagero, uma espécie de precipitação, talvez até uma inocência - ou ainda um erro conceitual - levantar a hipótese de que essa região que vai de Cabo Frio até SJB, como sendo uma região metropolitana, qualquer que seja a denominação dada a ela, como foi aventado aqui, como região metropolitana do petróleo.
O conceito de metrópole e o uso político que se faz dela, mesmo com o estatuto da metrópole (recente Lei Nº 13.089 de 12 de janeiro de 2015) ainda é muito forte em todos nós. É verdade que há uma tendência do uso político que os gestores no cargo possam querer fazer disso. Porém, isso é uma outra questão. Vinculada sim, mas também derivada, não original.
Para a maioria das pessoas uma região metropolitana sugere, até pelo conceito que usamos na maioria dos casos até aqui, a necessidade de uma região onde os municípios entrem no outro, integrados, sem limites fáceis de serem reconhecidos em função de "espaços vazios" (conceito que não deveria ser usado, porque os espaços são construídos, mas aqui está sendo citado para facilitar a compreensão da abordagem. Assim, se quer dizer que a existência destes vazios impedem, aquilo que os urbanistas e geógrafos chamam de áreas ou municípios conurbados, onde a urbanização de um entra em outro.
É relativamente fácil de identificar a conurbação na Região Metropolitana Fluminense. De um lado da Baía de Guanabara, tem-se o Rio de Janeiro, seguido de Duque de Caxias, Belford Roxo, Nilópolis, Nova Iguaçu, etc. Do outro lado da Baía de Guanabara, na sequência, entrando um em outro município vemos: Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá, Magé, etc.
Porém, aqui eu invoco, como referenciei acima, sem entrar em tantos detalhes, a geógrafa e professora da USP, Sandra Lencioni. Ela defende uma tese que eu tenho absorvido em boa parte no esforço de compreender os efeitos da economia dentro da relação porto-petróleo, sobre a construção espacial fluminense.
A participação da professora Lencioni, na banca de minha qualificação, no doutorado do PPFH-UERJ, me ajudou a aprofundar essa hipótese e consta do texto preliminar que defendi em agosto do ano passado.
O que era mais intuitivo que empírico, vem ganhando mais força com os novos dados estatísticos levantados, com as pesquisas de campo realizadas e agora, com este estudo mais detalhado e oficial do IBGE, sobre os movimentos dos arranjos populacionais no Brasil.
Assim, é indispensável que possamos compreender que metropolização ou região metropolitana então estamos nos querendo referir. Até aqui tendíamos a crer que a metropolização fosse uma espécie de degrau, ou um passo seguinte da expansão da urbanização, numa visão racional, talvez cartesiana e evolucionista. Quase determinística, como se o tempo fosse inexoravelmente caminhar para esse processo.
Porém, não parece ser esse o processo em curso nesta região do ERJ, que estaria a exigir uma nova forma de análise. A professora Lencioni avança em seus recentes escritos e análises (e eu endosso, pelo menos nesse caso do circuito regional espacial do petróleo) que estaríamos vivendo uma "fase posterior à urbanização", uma espécie de metropolização pós-urbanização. Ou ainda o geógrafo Edward Soja, que defende que a urbanização tende a ser cada vez mais regional.
A singularidade do circuito espacial do petróleo dentro da lógica capitalista e da economia global
Temos no caso do petróleo no ERJ uma singularidade que mostra a forma como o capital fixo se instala sobre o território, impondo uma lógica que supera a dicotomia entre rural e o urbano. A cadeia produtiva do petróleo está demonstrando na prática que seus fluxos dependem de vazios urbanos, como forma de permitir que o todo permita sua estruturação.
Para melhor compreender esse fenômeno posso recorrer a dois bons e atuais exemplos, de como o "Circuito Espacial Porto-Petróleo" necessita de mais áreas vazias (hiatos) para estabelecerem seus fluxos entre extração, circulação e beneficiamento desta mercadoria especial que é o petróleo.
O primeiro é o caso do grave e extenso incêndio que ainda arde nos reservatórios de combustíveis no bairro da Alemoa, junto ao Porto de Santos, em área completamente adensada no meio da metrópole. Porto e polo petroquímico com o tempo se mostram inapropriados para funcionamento naquela área, como já acontece em boa parte do mundo. Outro incêndio em condições similares na China reforçou a impropriedade detsa convivência.
Outro caso aqui na região, é a tentativa do município de Macaé em viabilizar um novo terminal portuário (Terpor) para substituir o Terminal da Petrobras, na área de Imbetiba, já insuficiente para as manobras de apoio às atividades da Baia de Campos.
O problema é que o novo projeto também foi desenhado no meio da área urbana, um dos motivos que ajuda a tornar o atual terminal de Imbetiba saturado, além da dificuldade da movimentação de grandes cargas nas vias de grande acesso. Esforço difícil considerando as exigências de licenciamento que acabam favorecendo o Porto do Açu.
Os dois exemplos demonstram na prática a tendência que altera territorialidades nas áreas onde se estabelece o circuito socioespacial do petróleo (ou petróleo-porto), de repartição e convívio das atividades em áreas urbanizadas.
Como já se sabe, os portos, assim como os polos petroquímicos precisam cada vez mais de áreas e distâncias das zonas urbanizadas. A lógica que rege esse circuito supera os espaços vazios. Ao contrário necessita delas. As absorve como fator positivo e assim determina a organização não de uma cidade, mas, de uma região com seus hiatos. Na prática, ela se mostra como extensiva em áreas para que haja fluidez, promovendo assim um distanciamento entre as bases operacionais das comunidades, de certa forma retomando o conceito das cidades funcionais.
O circuito espacial do petróleo impõe e amplia hierarquias (não apenas econômica)
Em seus entornos, essa nova regionalidade, em meio a fragmentações e às hierarquias estabelecidas pelo atividade-motor da economia, há até a absorção (talvez incorporação) de outras atividades de naturezas distintas. Assim, “convive bem” com a economia informal, com as atividades rurais, sem que com a essência se modifique. Sem que a hierarquia do seu centro dinâmico se perca, mas permitindo que haja “oxigênio e espaço” para concessão de atividades periféricas e que se tornem espécies de prestadores de serviços numa espécie de circuito inferior da economia (Santos, M. 1998 e 2008).
Os hiatos espaciais, ou os vazios se tornam aquilo que a professora Lencioni chama da “percepção das ausências”. Ela inclusive lembra que a análise socioespacial tem com fundamento não apenas a percepção da presença, mas também da ausência. Neste processo, é importante ter presente a noção de totalidade, inclusive na análise espacial, incluindo seus significados simbólicos (Bourdieu,1989).
O assunto é amplo, complexo, porém interessante de ser observado, não como "adendo", mas como síntese analítica da realidade que parece não se mostrar clara para a maioria da população.
Já foi citado antes, mas convém “gramsciniamente” repetir que ao se fazer a análise sobre a queda das receitas dos royalties nos municípios petrorrentistas, é imprescindível, para melhor compreensão e diagnóstico desse quadro, separar a economia do petróleo da economia dos royalties, porque mesmo distintas, existe da segunda (a economia dos royalties) uma relação biunívoca, de dependência, em relação à primeira (economia do petróleo), sem que o inverso seja verdadeiro.
Ainda sobre essa que seria uma nova forma de enxergar a concepção de metrópole, há que se registrar a presença de uma lógica, que não é da racionalidade cartesiana, mas dos movimentos do modo capitalista de produção (incluindo as ações e interesses dos agentes financeiros), que atuam não mais sobre os lugares, mas sobre as regiões.
Nesta cadeia produtiva, as suas ações são supramunicipais, ou infrarreginais (Brandão, C. 2012), enquanto o Estado e as gestões públicas continuam presas a estruturas administrativas setoriais, limitadas às áreas, sem integração e/ou colaboração, portanto insuficientes para as demandas da sociedade regional contemporânea.
O fato inclusive facilita e muito as ações corporativas no circuito superior da economia, que assim se articula com ainda mais poderes de escolhas e negociação. Dessa forma como as corporações necessitam desobstruir seus fluxos, elas trabalham mais a nível regional que local. Por isso, uma articulação regional dos poderes seria tão importante para ordenar a ocupação territorial segundo interesses que sejam das comunidades e não apenas os corporativos, mesmo que estatais (economia mista), que agem quase sempre tal qual o setor produtivo privado.
Essa nova regionalidade além de ser fato aponta riscos, muito antes de eventuais comemorações
Evidentemente, que eu vejo, mais problemas e riscos, do que oportunidades para uma "vida adequada" entre pessoas e comunidades nesses lugares, que hoje vivem uma completa transformação territorial. Porém negar essa nova regionalidade é - na prática - continuar permitindo que a maioria das ações se viabilize pelos interesses das corporações e não fruto de acordo dessas com as comunidades, onde se fixam e se articulam,
Sendo breve (sic), para encerrar, não se pode deixar de relembrar os riscos da maldição mineral, com o aniquilamento das demais atividades e dinâmicas econômicas e sociais no interior desse que chamo de circuito espacial regional do petróleo. Além do mais, a maioria dos poços e campos da nossa petrolífera, até que se confirme a existência de uma outra mais abaixo do pré-sal, está madura com os campos em declínio de produção, quando comparados às bacias de Santos e do ES.
Para fechar, a identificação de uma nova centralidade de Macaé como polo de ensino superior
Fechando, sem querer esgotar o assunto - que é ainda bem mais amplo - eu chamo ainda atenção para a "nova centralidade" que o município de Macaé passou a ganhar, quase que equidistantes dos demais pontos dos arranjos populacionais citados, tanto no deslocamento para trabalho (grande maioria) como também, agora para os estudos.
Nesse sentido, o estudo do IBGE traz uma outra novidade, a do fortalecimento de Macaé como base de estudos na área técnica e de nível superior, antes mito polarizada por Campos. Campos continua como um forte polo, com cerca de doze instituições e um número entre 25 mil e 30 mil estudantes nos cursos técnicos e de nível superior.
Porém, como se vê na tabela acima que nos três arranjos populacionais (ou quatro se incluirmos Campos-SJB/Açu) o município de Macaé é o que registra o maior percentual de deslocamentos diários entre as populações para estudos: 26% de todo o movimento de 9,4 mil pessoas no percurso na ligação com a Baixada Litorânea (Cabo Frio).
Numa primeira leitura desse outro fenômeno, o caso pode estar apontando para a hipótese de que aos poucos, foi se ampliando a capilaridade da oferta de cursos técnicos e de nível superior na região para outros polos microrregionais, além de Campos, com sua pujança de 12 instituições e um universo de cerca de 30 mil alunos, incluindo a pós-graduação. A capilaridade da rede de ensino e pesquisa parece muito positiva, mesmo que hegemonicamente vinculada às redes privadas e a setores específicos de interesse da produção e da cadeia produtiva que, como já falamos, mesmo que indiretamente, exerce seu poder hierárquico.
Diante da realidade e da interpretação sobre a nossa nova regionalidade convido para o debate
Enfim, são muitas as observações, diagnósticos e análises a serem feitas. As hipóteses que divido aqui no blog, possuem a função de ampliar o espaço de debate e discussão, para além da vida acadêmica, na medida que a leitura possa permitir que a sociedade e seus diversos agentes se manifestem e atuem nessa nova realidade que os fatos estão a nos mostrar.
Entendo, que este possa ser um momento especial, que torna necessário saltar alguns paradigmas para alcançar uma interpretação mais próxima do fenômeno, sempre calcado e calçado na materialidade, que estamos tentando interpretar, para a partir daí seguir para as ações e propostas. A conferir!
2 comentários:
Bom texto. Olá Roberto Moraes. Meu nome é Paulo Roberto Araujo, sou historiador (UFRJ/IFCS)e estou estudando sobre a evolução urbana na Região dos Lagos. concordo com os argumentos de sua postagem, no sentido de que o que vem acontecendo, a meu ver, é uma expansão da RMRJ. A economia do petróleo é um fator importante, mas outros fatores também atuam neste processo. tomando como o exemplo o caso de Araruama, percebo que o movimento pendular ocorre de forma intnesa, também, entre este município e o Rio de Janeiro-Niterói.
Ao mesmo tempo, o movimento pendular entre as cidades próximas a Cabo Frio, Arraial do cabo, São Pedro da Aldeia, Iguaba e Araruama também é intenso. consultei também os dados do IBGE, mas ainda não os organizei de maneira sitemática. Penso em utilizar os microdados também dos censos anteriores a 2010, para acompanhar a evolução deste fenômeno. Tenho utilizado o trabalho de Andre Urani, que desenvolveu a tese de uma megalópole extendida de Campos á Campinas.
Caso interesse para maiores contatos; robertoaraujo.techne@gmail.com . Abraços
Prazer em conhecê-lo Roberto.
Bom que possamos trocar informações. O fluxo de pessoas no ERJ cresce significativamente. Conheço o texto do Urani, mas tenho preferido a análise da professora Sandra Lencioni que cito aqui. Em especial ao artigo que está publicado no livro "Desafios da metropolização do Espaço" de 2015 cujo título é "Metropolização do espaço e a constituição de megarregiões".
Há outros pesquisadores em Cabo Frio, Macaé e Campos estudando o assunto sobre o movimento pendular entre estas regiões. Em minha tese defendida agora em março eu trato um pouco das novas territorialidades geradas pelo Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties (CEPR-RJ). Mas sem querer atribuir a ele a exclusividade de toda esta dinâmica econômica-sócio-espacial no território fluminense.
Eu tenho defendido que ela ajuda a definir um processo de urbanização mais regional. A partir disto, tenho defendido uma articulação supra-municipal e menos citadina para enfrentar os problemas de infraestrutura que exigem abordagem e ações menos locais e mais integradas. O ERJ tem sofrido muito por este estímulo permanente à disputa (concorrência) entre as cidades, quando elas podiam atuar de forma complementar.
Também estou à disposição. Mesmo tendo fechado o doutorado, eu sigo na pesquisa e assim vivo com um pé no Rio e outro em Campos. O meu email está no blog: robertomoraespessanha@gmail.com.
Obrigado pelo contato e vamos manter a comunicação.
Abs.
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