Kjetil Solbraekke representante no Brasil da conceituada
consultoria norueguesa em petróleo e gás, Rystad Energy, enviou ao blog uma
breve análise sobre o que chamou do “deslocamento dos fluxos de gás natural na
América do Sul” no qual faz uma análise do quadro atual e também uma estimativa
do setor para os próximos cinco anos. A seguir o blog resume este artigo e acrescenta
algumas outras questões relativas à questão.
Para Kjetil, no próximo período de 5 anos, os países exportadores
de GN na América Latina estão enfrentando a produção em declínio, enquanto o
Brasil está aumentando sua produção de gás de forma significativa.
Solbraekke considera que o mercado de gás natural (GN) na
América do Sul é um pouco diferente dos outros mercados ao redor do mundo. A produção
total de gás da região Sul é notavelmente estável ao longo do período de 2010 a
2022, e estima-se que continue estável também após 2022 também.
Além disso, Kjetil considera que no todo a região parece
continuar a depender de importação de gás natural, no entanto, os diferentes
países estão enfrentando desafios e oportunidades com uma significativa mudança
de composição da produção.
A produção
de Trinidad e Tobago e da Bolívia decrescem, o primeiro de forma mais
significativa. A produção de GN na Argentina se estabilizou e começa, uma ainda
ligeira redução. Na Bolívia não há planejamento, segundo Kjetil, para o desenvolvimento
e descobertas de novos campos de GN. A previsão é que nos próximos anos a
redução fique entre 6% e 7%.
A produção de GN na Argentina em Vaca Muerta, região de
xisto e tight gas pode atender a parte da redução da produção da Bolívia,
mas tem limitações. Primeiro porque compensará a produção de gás convencional que
está em declínio. Em segundo lugar porque o desenvolvimento da produção de gás
de Vaca Muerta leva tempo e falta de equipamentos e infra-estrutura (estradas,
trilhos e tubulação para especialmente água, etc.). A produção de gás no Chile
é bastante limitada.
Aí o representante da Rystad Energy no Brasil Kjetil
Solbraekke diz que por tudo isto, no que diz respeito a produção de gás natural
na América Latina há que se “observar o Brasil e os volumes significativos
esperados a ser produzido associado com os volumes de petróleo dos campos do
pré-sal. No gráfico abaixo Kjetil apresenta a produção de gás no Brasil
dividido pelo gás dos campos do pré-sal e do restante das bacias. A evolução das curvas mostra que até 2022 (daqui a 5 anos) a produção de GN nas reservas do pré-sal já terá ultrapassado a produção de outras reservas.
Kjetil Solbraekke diz textualmente que “o Brasil deverá quase duplicar a sua produção de gás ao longo dos próximos 5 anos, e acreditamos que esta tendência tem a chance de ser prolongada por mais alguns anos. O gás do pré-sal está associado gás, o que significa que se trata de uma parte fixa do óleo a ser produzido a partir dos mesmos campos. O gás pode ser re-injetado em alguns reservatórios durante algum tempo e irá também ser usado como combustível para os diversos FPSO produzindo no pré-sal. No entanto, o gás do pré-sal representa uma enorme oportunidade econômica para o Brasil e deve ser recolhida e disponibilizada comercialmente no mercado”.
Kjetil lembra que a demanda de GN no Brasil tem aumentado
ano a ano, até a crise econômica atingir a economia em 2015. Parte do aumento
significativo do consumo de GN no Brasil na última década esteve ligado ao fato
de que as usinas hidrelétricas tiveram redução da produção e foram substituídos
por plantas termoelétricas.
O gráfico abaixo ilustra este processo de forma
muito clara, onde os reservatórios das hidrelétricas ainda estão abaixo de 50%. O peso da hidroeletricidade na matriz energética brasileira vem caindo e o gás natural tende a aumentar.
A demanda de gás no Brasil é de aproximadamente 50% para industrial, 40% para o consumo de energia e o restante para Residencial e outros.
O aumento da produção de gás nos campos do pré-sal associado
à produção de óleo demandará meios de escoamento (gasodutos) e reservatórios
para armazenamento que precisam ser viabilizados.
Em relação ao que Kjetil disse, eu acrescento alguns dados e
análises sobre este setor que descrevi, num dos capítulos de minha tese de
doutoramento defendida em março último no PPFH-UERJ. Sobre o tema
incorporei importantes contribuições do economista e professor da UFBA, Sérgio
Gabrielli, que foi presidente da Petrobras entre os anos de 2005 e 2012.
O gás natural (GN) muito mais que o petróleo, depende dos
modais de transporte para viabilizar sua produção. O GN é essencialmente uma
indústria de rede. O GN também sofre o efeito cíclico que atinge o setor de
petróleo em diferentes dimensões e este fato mexe tanto com os preços quanto
com a demanda.
Vale ainda realçar que o parque de geração termoelétrica no
Brasil desempenha o que Gabrielli chamou de “papel chave no equilíbrio do
sistema”, em relação às condições hidrológicas, onde os períodos de seca são
minimizados om maior geração térmica.
Assim, os ciclos de demanda de gás têm grande relações com o
regime esperado de chuvas e a poupança de água nos reservatórios das usinas
hidroelétricas. Este fato reforça a importância e complementariedade do uso
deste insumo dentro da matriz energética brasileira.
Assim, torna-se muito importante proceder o aproveitamento
do GN extraído nos campos offshore como fonte de energia, para um denso consumo
na geração de energia e em projetos industriais, especialmente no litoral, com o
cuidado de se ter um planejamento para que o Brasil não venha a ficar
dependente da importação de GNL para cobrir o déficit futuro da demanda e da
oferta de gás no país.
Kjetil, representante da Rystad Energy no Brasil lembra
ainda que o mercado de gás na região sul da América do Sul vai passar por
alguns anos muito interessantes. Por isto, defende que seria interessante a
organização de um plano estratégico de longo prazo e de cooperação entre os
países latinos considerando que um planejamento integrado ajudaria a trazer a
melhor solução para todos: “a região se beneficiaria com arranjos mais flexíveis
para comercialização de gás entre os países”.
E nesta linha, ele destaca mais uma vez o papel destacado do
Brasil que com sua capacidade de produção de GN ampliada, não só se torne autossuficiente
em gás como pode passar a exportador.
Ainda sobre a estimativa de aumento da produção e GN no
Brasil e de redução da capacidade boliviana no continente, deve-se registrar a
importância sobre o encerramento do contrato de fornecimento de gás da Bolívia para
o Brasil em 2019, cuja prorrogação e bases ainda não foram definidas pelas
partes. Na hipótese do encerramento, a Bolívia teria maior disponibilidade de
gás para fornecer a outros países, ou para destinar para uso interno como vem sendo
planejando.
Este contrato de fornecimento de gás da Bolívia ao Brasil viabilizou
a construção do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) que iniciou sua operação em 1999.
Um gasoduto que possui cerca de 3.150 km de extensão e travessa 136 municípios
só no Brasil. Hoje este ramal de gasoduto abastece parte de SP (maior mercado
de gás natural do país), e integralmente os estados de MS, PR, SC e RS. Outro
ramal atende Cuiabá, conforme o mapa abaixo.
Os volumes de gás fornecidos pela Bolívia ao Brasil vem caindo desde 2014, porém, 80% do volume contratado tem que ser pago, independente do consumo. Sobre a produção de GN na América do Sul, comparativamente vale ainda dizer que, hoje a produção de GN do Brasil, já é o dobro da Bolívia e próximo da metade da Argentina. Em 2022, a provisão é que a produção de GN no Brasil já seja equivalente a da Argentina, onde a produção de GN é bem maior do que a de petróleo quase o triplo.
Os volumes de gás fornecidos pela Bolívia ao Brasil vem caindo desde 2014, porém, 80% do volume contratado tem que ser pago, independente do consumo. Sobre a produção de GN na América do Sul, comparativamente vale ainda dizer que, hoje a produção de GN do Brasil, já é o dobro da Bolívia e próximo da metade da Argentina. Em 2022, a provisão é que a produção de GN no Brasil já seja equivalente a da Argentina, onde a produção de GN é bem maior do que a de petróleo quase o triplo.
Por fim, vale também registrar o interesse que a petroleira
anglo-holandesa Shell que comprou a petroleira inglesa BG por cerca de US$ 60
bilhões, especialmente, por conta dos ativos relacionados à produção de GN que
esta possuía na área do pré-sal no país.
A Shell tem como uma de suas principais estratégias e nível
mundial a ampliação da produção e comercialização do GN considerando o fato de
se tratar de uma matriz mais limpa em termos ambientais.
PS.: Sobre o assunto, vale conferir artigo deste blogueiro, publicado
neste espaço, no dia 11 de julho de 2016: “A ampliação do poderestratégico e geopolítico do Gás Natural (GNL) na matriz energética mundial”.
Link: http://www.robertomoraes.com.br/2016/07/a-ampliacao-do-poder-estrategico-e.html.
2 comentários:
Robert Moraes,
Considerando o encerramento do contrato com a Bolivia em 2019, você acha viável que o suprimento de gás para os atuais consumidores (SP, MS, RG, etc) passe a ser feito com GN das bacias de Campos e de Santos?
Caso seja possível, imagino que os investimentos (basicamente interligações de gasodutos?) já teriam que começar logo. Ou não?
Sim. O planejamento do uso do gás das bacias produtoras do Brasil é urgente diante do potencial que se está confirmando na Bacia de Santos e e em especial das reservas da camada do pré-sal.
Como deixei claro em meu texto "O gás natural (GN) muito mais que o petróleo, depende dos modais de transporte para viabilizar sua produção. O GN é essencialmente uma indústria de rede".
Assim, é urgente este trabalho que infelizmente parece nublado diante do esforço de dilapidação do potencial da Petrobras, embora se pudesse conviver neste projeto, complementarmente, com outros atores.
Ainda não tenho como opinar se o contrato com a Bolívia poderia ser suspenso ou apenas alterado o volume e os custos do fornecimento do gás boliviano que poderia atender à parte da Região Centro-oeste, deixando o gás do litoral para tender demandas de geração de energia elétrica e indústrias nas regiões com densidade populacional e econômica mais forte no Sudeste e Sul brasileiro.
Os pipelines têm a vantagem de poder levar gás em diferentes direções e assim, na medida que se amplie a produção no litoral outros ramais para outros estados brasileiros poderiam ser supridos.
Há que se ter cuidado com o controle de quem vai deter os ramais de transporte de gás e petróleo, antes controlado exclusivamente pela Petrobras.
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