sábado, agosto 05, 2017

Os fundos soberanos e o movimento do capital também na área de eventos: o caso da transferência de Neymar para o PSG

Em minha pesquisa de doutorado, eu tratei dos fundos soberanos que têm origem na extração de petróleo, esta mercadoria especial. Num dos subcapítulos (PESSANHA, 2017, P.86-90) [1], eu descrevi como a renda petrolífera gera um movimento do capital entre a produção material - onde acontece o ciclo de reprodução social - e o andar das altas finanças, quando a renda ganha a forma financeirizada.

Os fundos soberanos, são uma espécie de poupança (excedentes econômicos) constituídos das rendas de diversas áreas. Em especial as extrativas, no qual o petróleo foi sempre a mais pujante desde a segunda metade do século passado, em compasso paralelo ao desenvolvimento do capitalismo pós guerra.

Esses fundos ainda hoje em sua maioria são públicos (estatais) e são também conhecidos como FSI (Fundos soberanos de Investimentos) ou Fundos Soberanos de Riqueza (FSR ou em inglês, Sovereign Wealth Funds -SWF)

Nesta parte da pesquisa, eu descrevo, mesmo que de forma resumida, a constituição dos primeiros fundos soberanos, ainda na década de 50, como foi o caso do KIA, do Kuwait (Kuwait Investment Authority) constituído em 1953.

Entre outras informações, eu também apresento os dados dos dez maiores fundos soberanos do mundo, com dados do ano de criação, os países de origem, as fontes dos recursos e o volume de ativos, com informações extraídas de diversas fontes, mas em especial o jornal espanhol El País, em 26 abr. 2016. Abaixo a tabela:

Fonte: Tese de doutorado do blogueiro (p.89) cujo título é "A relação transescalar e multidimensional "Petróleo-Porto"        como produtora de novas territorialidades", defendida em 9 de março 2017, no PPFH-UERJ.

























Na tabela dos dez maiores fundos soberano do mundo, eu destaquei o que estava em 2016, em nono lugar: QIA (Qatar Investment Authority). Um  fundo controlado pelo governo do Qatar, criado em 2005 com recursos oriundos da renda do petróleo e que ganhou musculatura e volume de ativos com a fase de boom do ciclo do petróleo, em especial entre 2010 e 2014.

Em 2016, o QIA possuía ativos de US$ 256 bilhões. Segundo a Bloomberg, em janeiro deste ano (2017), o QIA já possuía ativo no valor de US$ 335 bilhões. Como é comum nestes casos, os fundos soberanos possuem fundos-filhotes, com objetivos setoriais e que são instalados em outros países, onde os impostos são menores, Suíça, Irlanda, etc. Assim, o QIA criou o Qatar Sports Investments (QSI), com sede em Doha, na Suíça, para investimentos na área de eventos, esportes e lazer.

Pois, bem, é exatamente o QIA/QSI quem bancou a transferência do jogador Neymar do Barcelona, para o clube francês PSG. Ao investigar este processo, é interessante observar que o QIA é também proprietário da empresa de aviação Qatar Airways que é o principal patrocinador do Barcelona. Então, no caso pode-se considerar que a título de propriedade e direito de passes, seria uma transferência quase que interna dentro do capital, dos donos dos fundos.

O QSI/QIA dirige diretamente o clube PSG através do Nasser al Khelaifi, oriundo da família catariana Al Thani. Antes da ida de Neymar par ao PSG este já arrecadava € 542 milhões. O QSI/QIA também é dono do canal esportivo BeIN que tem os direitos sobre o campeonato francês que agora terá ainda maior valor após ser efetivada a maior transação do futebol mundial com a transferência de Neymar.

Enfim, as questões futebolísticas e esportivas decorrentes deste processo serão - e já estão sendo - bastante debatidas pelos colunistas esportivos, com análises mais ou menos aprofundadas sobre as relações já comuns no futebol entre os donos dos dinheiros que agora são os donos diretos dos clubes e os craques bons de bola.

Porém, o que quero aqui chamar a atenção é como um setor (uma fração do capital) onde se gera a renda da extração do petróleo, permite em sua dinâmica capitalista, o movimento em direção a outras frações do capital, incluindo aí o setor de eventos (área de serviços) que é hoje quase tão bem remunerada (reproduzindo e ampliando os capitais) na sociedade contemporânea globalizada, como é o caso do futebol, Copa do Mundo, Champions League, etc., Olimpíadas, etc.

Assim, é possível afirmar que trata-se de um movimento do capital entre suas frações. Ela nasce de uma base material extrativa e se transforma em capital financeiro, permitindo neste movimento de enorme fluidez - sobre as fronteiras desreguladas dos Estados-nações e com o uso fácil do sistema financeiro infodigitalizado e mundializado - o acesso a outras frações do capital (eventos, produção imobiliária, etc.) na busca de maiores lucros e novas acumulações.

Observemos ainda, para finalizar esta breve reflexão, o quanto é irrisória (e paradoxalmente extraordinária) a quantia usada na transferência e no pagamento dos salários e outros gastos do caso Neymar, diante do porte e do volume do fundo de ativos do fundo soberano QIA.

Todo este valor investido em Neymar, cerca de R$ 1,7 bilhões (US$ 550 milhões) equivalem , a cerca de 0,16% do atual volume de ativos do fundo soberano QIA.

Antes do caso Neymar, o assunto sobre este movimento das frações do capital que possuem origem em atividades extrativas já me chamam a atenção. Por conta disso, estou trabalhando num estudo (e publicação de artigo) que aprofunda a investigação e a análise deste movimento de algumas frações do capital, no esforço de compreender como, de forma transescalar, este processo tem rebatimento sobre o Brasil, em diferentes dimensões e aspectos, inclusive das relações entre o poder econômico (fundos financeiros) e o poder político e o Estado.

[1] Fonte: Tese do Autor defendida no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”.

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