Muitas informações importantes que circulam em nichos específicos com o caso do furacão vieram à tona e merecem ser melhor compreendidas, para além dos EUA. Como se sabe, os negócios desta cadeia produtiva se dá cada vez mais em redes globais que envolvem grandes corporações petroleiras, para-petroleiras, fundos financeiros e o poder político.
Em minha pesquisa de doutorado, eu sustentei a tese da crescente relação petróleo-porto (logística). Uma relação transescalar e multidimensional que se dá em redes globais e que geram repercussões e dinâmicas sobre as regiões que são fortemente produtoras/consumidoras. [1]
Assim, o caso do furacão nos EUA reforça esta tese, no que é ainda a maior economia do planeta e que não abre mão de sua segurança energética.
A região de Houston tem dupla importância, não apenas por estar no Golfo do México, onde há produção offshorede petróleo, mas também grande produção de óleo e gás de xisto onshore (no continente) nos campos de Eagle Ford e Corpus Christi (Texas). Nesta mesma área estão importantes terminais portuários que hoje movimentam 6% da demanda mundial de petróleo. [2]
O fato faz com que aquela região abrigue um dos mais importantes circuitos espaciais de produção de petróleo do mundo. Além da produção de petróleo offshore e onshore, a região tem os maiores oleodutos dos EUA (Colonial que abastece a costa leste dos EUA e o Explorer que vai até Chicago) a região possui enorme infraestrutura, ligada ao setor de energia.
Refinaria de petróleo desativada em Corpus Christi. Foto Joe Raedle, AFP, publicada El País, 28 ago. 2017. |
A região abriga além dos pipelines (dutos), ferrovias e os portos, para atender à movimentação de óleo cru e os derivados, após serem processados em refinarias, petroquímicas, indústrias químicas e de plásticos que depois precisam ser distribuídos.
A região da Costa do Golfo do México possui 8,9 milhões de capacidade de refino (5,6 milhões de b/d instalados no Texas e 3,3 milhões de b/d na Lousiania), equivalentes a aproximadamente metade de toda a capacidade de refino americana. [2]
Treze refinarias foram obrigadas a suspender suas atividades em Houston, Galveston e Corpus Christi, inclusive as duas maiores refinarias dos EUA. A maior que é da petroleira saudita Arabian Oil, com capacidade de processar 603.000 barris diários de petróleo, localizada em Port Arthur; e a segunda é a refinaria da ExxonMobil, em Baytown, que processa 560.000 barris por dia.
Na penúltima semana de agosto, antes da chegada do Furacão Harvey, a produção americana de petróleo era de 9,5 milhões de barris por dia, boa parte dela oriunda da extração de xisto. Este volume é relativamente próximo da produção russa e da Arábia Saudita, os três maiores produtores mundiais de petróleo.
As duas tempestades nos EUA atingiram as exportações de petróleo e combustíveis (derivados) que já chegaram ao volume entre 5 e 6 milhões de barris por dia. [2]
Os impactos destas tempestades atingem as diversas etapas da cadeia produtiva: produção (up-stream); logística de transporte do óleo cru; uncionamento interrompido das indústrias de beneficiamento (down-stream) e a distribuição dos combustíveis e derivados, para outras regiões dos EUA e do mundo.
O caso da limitação dos fluxos do Circuito Espacial da Produção de Petróleo da Costa do Golfo do México (Texas e Louisiana) levou à importação, através de tradings europeias, de derivados de petróleo da Europa, onde dezenas de grandes petroleiros foram contratados, às pressas e com custos de fretes majorados em cinco ou seis vezes, por conta da emergência.
Além disso, o Departamento de Energia dos EUA autorizou a liberação de mais de 1 milhão de barris de petróleo de sua Reserva Estratégica de Petróleo (SPR) para ser processado na refinaria da Phillips 66 em Lake Charles. [2]
Este breve panorama sobre o circuito espacial de petróleo na costa leste dos EUA, demonstra o peso da relação global desta cadeia produtiva e sua repercussão sobre o território. Este fenômeno também aponta a expansão das forças produtivas dos EUA - e a importância ampliada nos últimos anos- deste circuito de produção, para a indústria e a economia americana.
Os EUA se tornaram, desde 2011, um exportador líquido de produtos refinados. 17% da gasolina e 39% do diesel produzidos na região dos Texas e Louisiana (Golfo do México) são exportados.
As exportações americanas de gasolina, dispararam 33% em 2016, tendo o Brasil como importador, no mesmo momento em que a Petrobras passou a exportar mais óleo cru e importar derivados, com os EUA sendo seu fornecedor. [2]
Simultaneamente a estes fatos, as refinarias brasileiras reduziram o seu nível de utilização que antes estava acima de 90% para um volume próximo a 70% nos dias atuais. Esta realidade ajuda a explicar a relação direta e rápida, entre o furacão nos EUA e os preços dos combustíveis no Brasil.
Assim, não é difícil compreender como os EUA voltou a jogar peso no petróleo-energia, dentro de sua estratégia econômica e de disputa por hegemonia, considerando que a Rússia e a China tendem a se complementar, na relação entre fornecimento e consumo.
Os gasodutos e oleodutos em paralelo à Rota da Seda são exemplos. Aos EUA também não interessava a crescente relação do Brasil com estes dois importantes polos que envolve o setor através dos Brics. Assim, a produção e beneficiamento de petróleo na América (que envolve ainda o México, Brasil e Venezuela) precisavam ser “controlados”.
Desta forma, o Furacão Harvey traz à tona os movimentos e os elos que incorporam circuitos espaciais de produção do setor petróleo, em diferentes nações, numa uma cadeia energética global que é transescalar e age de forma de transfronteiriça, a partir do controle político dos Estados-nações.
O caso do petróleo (como uma fração do capital) serve ainda para reforçar a tese de que é preciso pensar e o analisar o capitalismo contemporâneo em sua natureza global e transescalar. Há no caso uma clara lógica capitalista de poder, que age de forma interestatal, buscando concentração, hierarquização e hegemonia.
O setor petróleo serve ainda para demonstrar como o capitalismo contemporâneo segue buscando novas bases materiais para o seu movimento de acumulação, misturando as fases do período extrativista, mercantil, industrial e financeiro, cujos espaços de exploração não param de ser ampliados.
A despeito de bases produtivas privadas e/ou estatais, o setor petróleo (energia) com o nível de concentração que atua, em termos globais, segue tendo base monopolista, controlado pelas grandes corporações e fundos financeiros, mas sempre, em articulação direta com o poder global do estado hegemônico.
Fontes:
[1] Tese de doutorado do blogueiro (p.85): "A relação transescalar e multidimensional "Petróleo-Porto" como produtora de novas territorialidades". Março 2017, PPFH-UERJ.
[2] Dow Jones Newswires, Financial Times e El País entre 28 ago e 01 set de 2017.
A região da Costa do Golfo do México possui 8,9 milhões de capacidade de refino (5,6 milhões de b/d instalados no Texas e 3,3 milhões de b/d na Lousiania), equivalentes a aproximadamente metade de toda a capacidade de refino americana. [2]
Treze refinarias foram obrigadas a suspender suas atividades em Houston, Galveston e Corpus Christi, inclusive as duas maiores refinarias dos EUA. A maior que é da petroleira saudita Arabian Oil, com capacidade de processar 603.000 barris diários de petróleo, localizada em Port Arthur; e a segunda é a refinaria da ExxonMobil, em Baytown, que processa 560.000 barris por dia.
Na penúltima semana de agosto, antes da chegada do Furacão Harvey, a produção americana de petróleo era de 9,5 milhões de barris por dia, boa parte dela oriunda da extração de xisto. Este volume é relativamente próximo da produção russa e da Arábia Saudita, os três maiores produtores mundiais de petróleo.
As duas tempestades nos EUA atingiram as exportações de petróleo e combustíveis (derivados) que já chegaram ao volume entre 5 e 6 milhões de barris por dia. [2]
Os impactos destas tempestades atingem as diversas etapas da cadeia produtiva: produção (up-stream); logística de transporte do óleo cru; uncionamento interrompido das indústrias de beneficiamento (down-stream) e a distribuição dos combustíveis e derivados, para outras regiões dos EUA e do mundo.
O caso da limitação dos fluxos do Circuito Espacial da Produção de Petróleo da Costa do Golfo do México (Texas e Louisiana) levou à importação, através de tradings europeias, de derivados de petróleo da Europa, onde dezenas de grandes petroleiros foram contratados, às pressas e com custos de fretes majorados em cinco ou seis vezes, por conta da emergência.
Além disso, o Departamento de Energia dos EUA autorizou a liberação de mais de 1 milhão de barris de petróleo de sua Reserva Estratégica de Petróleo (SPR) para ser processado na refinaria da Phillips 66 em Lake Charles. [2]
Este breve panorama sobre o circuito espacial de petróleo na costa leste dos EUA, demonstra o peso da relação global desta cadeia produtiva e sua repercussão sobre o território. Este fenômeno também aponta a expansão das forças produtivas dos EUA - e a importância ampliada nos últimos anos- deste circuito de produção, para a indústria e a economia americana.
Os EUA se tornaram, desde 2011, um exportador líquido de produtos refinados. 17% da gasolina e 39% do diesel produzidos na região dos Texas e Louisiana (Golfo do México) são exportados.
As exportações americanas de gasolina, dispararam 33% em 2016, tendo o Brasil como importador, no mesmo momento em que a Petrobras passou a exportar mais óleo cru e importar derivados, com os EUA sendo seu fornecedor. [2]
Simultaneamente a estes fatos, as refinarias brasileiras reduziram o seu nível de utilização que antes estava acima de 90% para um volume próximo a 70% nos dias atuais. Esta realidade ajuda a explicar a relação direta e rápida, entre o furacão nos EUA e os preços dos combustíveis no Brasil.
Assim, não é difícil compreender como os EUA voltou a jogar peso no petróleo-energia, dentro de sua estratégia econômica e de disputa por hegemonia, considerando que a Rússia e a China tendem a se complementar, na relação entre fornecimento e consumo.
Os gasodutos e oleodutos em paralelo à Rota da Seda são exemplos. Aos EUA também não interessava a crescente relação do Brasil com estes dois importantes polos que envolve o setor através dos Brics. Assim, a produção e beneficiamento de petróleo na América (que envolve ainda o México, Brasil e Venezuela) precisavam ser “controlados”.
Desta forma, o Furacão Harvey traz à tona os movimentos e os elos que incorporam circuitos espaciais de produção do setor petróleo, em diferentes nações, numa uma cadeia energética global que é transescalar e age de forma de transfronteiriça, a partir do controle político dos Estados-nações.
O caso do petróleo (como uma fração do capital) serve ainda para reforçar a tese de que é preciso pensar e o analisar o capitalismo contemporâneo em sua natureza global e transescalar. Há no caso uma clara lógica capitalista de poder, que age de forma interestatal, buscando concentração, hierarquização e hegemonia.
O setor petróleo serve ainda para demonstrar como o capitalismo contemporâneo segue buscando novas bases materiais para o seu movimento de acumulação, misturando as fases do período extrativista, mercantil, industrial e financeiro, cujos espaços de exploração não param de ser ampliados.
A despeito de bases produtivas privadas e/ou estatais, o setor petróleo (energia) com o nível de concentração que atua, em termos globais, segue tendo base monopolista, controlado pelas grandes corporações e fundos financeiros, mas sempre, em articulação direta com o poder global do estado hegemônico.
Fontes:
[1] Tese de doutorado do blogueiro (p.85): "A relação transescalar e multidimensional "Petróleo-Porto" como produtora de novas territorialidades". Março 2017, PPFH-UERJ.
[2] Dow Jones Newswires, Financial Times e El País entre 28 ago e 01 set de 2017.
Um comentário:
Professor, concordo que é preciso pensar e o analisar o capitalismo contemporâneo "em sua natureza global e transescalar", que busca poder, agindo "de forma interestatal", concentrando, hierarquizando e construindo hegemonia... Concordo.
O mundo é complexo. Esta política do petróleo não é para amadores.
O que nos resta? (por favor, só não diga que a solução é o Lula)
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