segunda-feira, outubro 16, 2017

Brasil exporta hoje quase metade de toda sua produção de petróleo bruto: país deixou de controlar setor de refino e distribuição de combustíveis, os mais lucrativos da cadeia produtiva

Entre janeiro e agosto deste ano, o Brasil exportou na média, 1,146 milhão de barris de óleo cru por dia. O total da produção de óleo (só de óleo, sem o gás equivalente) no mês de agosto foi de 2,576 milhões de barris segundo boletim mensal de produção da ANP [1]. Assim, hoje, o país está exportando 44,4% de toda a sua produção de petróleo.

A exportação neste período foi de 278 milhões de barris e trouxe divisas equivalentes a US$ 11,9 bilhões ao país, o que permite calcular que o preço médio do barril vendido foi de US$42,8. A ampliação da exportação de óleo cru extraído no Brasil começou no final do ano passado, mas é este ano que ele ganhou este patamar que se aproxima da metade de toda a produção nacional.

Navio petroleiro da Petrobras que atende exportação
de óleo cru e importação de combustíveis e derivados
O petróleo bruto exportado do Brasil entre este ano (Jan-Ago) 80% é proveniente do litoral fluminense e da Bacia de Campos. As diversas petroleiras estrangeiras que atuam no Brasil têm solicitado autorização da ANP e Receita Federal para exportar o óleo que elas produzem no Brasil. [2]

A Shell que hoje é segunda maior produtora de petróleo país com 320 mil barris de óleo por dia (10% de sua produção mundial) recebeu em setembro aval da Receita Federal para usar procedimentos simplificados na exportação do óleo produzido no campo de Lula, no pré-sal da Bacia de Santos.

A chinesa CNODC, por exemplo, já recebeu autorização para enviar para fora do país o óleo que será produzido durante o teste de longa duração (TLD) de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, previsto para começar antes do fim deste ano. 

Para aproveitar o movimento de exportação brasileira de óleo cru, a também chinesa Sinopec, que atua no país por meio da joint venture Repsol Sinopec, vende a produção nacional para empresas de trading, que negociam o energético em diversos países. O óleo da petroleira no país vem dos campos de Lapa e Sapinhoá, na Bacia de Santos, e Albacora Leste, em Campos.

Segundo matéria da revista Brasil Energia [2], as petroleiras e o governo brasileiro já concordam que a tendência do Brasil é se consolidar como exportador líquido de petróleo e importador líquido de derivados nos próximos anos. O que confirma as nossas análises de desintegração da estatal de petróleo deixando a tarefa mais custosa de exploração/perfuração para elas.

Este é o jogo das petroleiras privadas. Elas procuram pouco petróleo. Por isso 90% das reservas mundiais estão nas mãos da petroleiras estatais (NOCs - National Oil Corporations). As petroleiras provadas (IOCs - International Oil Corporations) ajudam a mudar o regime capturar o poder político dos estados-nações onde estão estas reservas, e assim chegarem "legalmente" estas reservas.

É certo que os US$ 11,9 bilhões arrecadados com a venda do óleo cru não banca os gastos com o volume quase equivalente ao que o Brasil importa de combustíveis e outros derivados de petróleo [3], apesar do nosso parque de refino estar hoje trabalhando com cerca de 30% de sua capacidade ociosa, equivalente a cerca de 700 mil barris por dia. Há quatro/cinco anos atrás, as nossas refinarias trabalhavam com até 95% de suas capacidades instaladas.

É certo que uma parte do óleo exportado (mais pesado) precisa de refinarias adequadas a ela. Porém, reduzir tanto o processamento em nossas refinarias aumenta o custo médio do que aqui é produzido, além de levar divisas ao exterior com o uso menor de nossa base industrial.

A China segue sendo a maior importadora do óleo cru ficando com 43% de tudo que exportamos, equivalentes a 497 mil barris por dia. Os EUA é nosso segundo maior importador de óleo que é processado nas refinarias na região do Texas e do Golfo do México que processa óleo pesado. Outras 15 nações adquirem nosso petróleo.

O Brasil tem 18 refinarias, sendo 11 da Petrobras e um capacidade de refino em torno de 2,4 milhões de barris de petróleo por dia. É fato que esta decisão da atual diretoria tem relação com sua estratégia de venda de ativos por partes da holding Petrobras, entre elas algumas refinarias e a distribuidora BR que atende na venda dos combustíveis ao consumidor final.

Vale observar como uma decisão leva a outra. O fato da Petrobras estar sendo desintegrada, ou seja deixando de ser uma empresa de petróleo com atuação do poço ao posto, em toda a cadeia produtiva, reduz a capacidade da empresa decidir políticas que proteja a mesma das oscilações do mercado internacional, incluindo as tradings que atuam no comércio de óleo cru e derivados.

Assim, é inimaginável que quando o petróleo estava acima de US$ 100 o barril, a nossa gasolina estivesse a pouco mais de R$ 3,00 por litro, e hoje, com o barril na casa dos R$ 50, o litro da gasolinha esteja quase 50% acima deste valor.

Desta forma, não é difícil observar que a Petrobras deixou de ter o controle do comércio de derivados no país e assim passou a seguir as linhas das grandes corporações, no caso em específico, as tradings.

Algumas vezes eu comentei aqui [4] a declaração de John Abbott, diretor da área de abastecimento e refino da Shell de que “as grandes petroleiras devem ter presença em toda a cadeia de negócios, da plataforma de perfuração à bomba de gasolina... Em uma empresa integrada de petróleo, você aprende que o valor pode deslocar-se para cima e para baixo ao longo da cadeia... O 'downstream' é um motor constante de dinheiro para pagar dívidas, pagar dividendos e financiar o crescimento."

Pois bem, enquanto isto, a atual diretoria comandada pelo  Parente faz exatamente o inverso, desintegrando e desverticalizando a empresa, além de tornando-a menor, também na área de exploração e produção, com venda dos campos da Bacia de Campos e Santos.

Isto é quase pior que a privatização completa, porque ao se concentrar na perfuração para achar petróleo (a atividade mais cara e de maior risco) e depois entregar de bandeja a “joia da coroa” é crime de lesa pátria tão ou mais grave do que aquilo que fizeram com a venda lucrativa Vale do Rio Doce.

Volto a dizer, o golpe planejado e em curso no Brasil, faz com que o país tenha passado a ser no mundo o maior “case” (ou laboratório) do ultraliberalismo de mercado com a captura por completo do poder político. Sem dúvida o exercício de um liberalismo ainda mais exacerbado que o laboratório dos “Chicago-boys” no Chile na década de 70.

Nunca foi tão necessário debater isto com os brasileiros. Em algum momento vamos exigir um referendo revogatório destes descalabros punindo severamente todos estes entreguistas.

PS.: Atualizado ás 14:43: para breve acréscimo no texto.


Referências:
[1] Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural da ANP, agosto de 1017. Disponível em: ehttp://www.anp.gov.br/wwwanp/images/publicacoes/boletins-anp/Boletim_Mensal-Producao_Petroleo_Gas_Natural/Boletim-Producao_agosto-2017.pdf

[2] Matéria da jornalista Gabriela Medeiros em 10 out. 2017 da revista Brasil Energia Online “Para onde vai o óleo do Brasil?”.  Disponível em: http://brasilenergiaog.editorabrasilenergia.com/cadun/login?url_retorno=/news/oleo/logistica-e-comercializacao/2017/10/para-onde-vai-o-oleo-do-brasil-450524.html

[3] O volume de combustíveis e derivados importados e os valores pagos pelo país, ainda estão sendo estratificados dos dados agregados, divulgados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

[4] Nota no blog sobre a John Abbott, diretor da área de abastecimento e refino da Shell, publicada no Valor em 31/07/2016, P. B3, a partir de matéria do Financial Times: http://www.robertomoraes.com.br/2017/01/diretor-da-shell-realca-importancia-de.html

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