Há algum tempo eu passei a ficar cada vez mais avesso a
entrevistas para a mídia comercial. Os roteiros e pautas deles partem, na maioria das vezes, de uma
narrativa já decidida.
Assim, os repórteres e jornalistas muitas vezes procuram as pessoas que chamam tecnicamente de "especialistas" para que eles possam entrar e dar veracidade à narrativa principal. O caso tende a ser ainda pior quando se trata de televisão.
Assim, os repórteres e jornalistas muitas vezes procuram as pessoas que chamam tecnicamente de "especialistas" para que eles possam entrar e dar veracidade à narrativa principal. O caso tende a ser ainda pior quando se trata de televisão.
Eu já cheguei a brincar com jornalistas mais conhecidos, perguntando
a eles o argumento principal da matéria e onde pensam que se encaixaria a minha
fala. Não é difícil perceber que de tudo que você fala é retirado alguns
segundos para se encaixar na narrativa e no roteiro da matéria já definido. O trecho de sua fala é um detalhe que não tem a ver com o contraditório, que seria bem-vindo.
Por conta disso, eu venho negando atender a algumas solicitações de entrevistas, mesmo sabendo que isto é muito mal interpretado, até porque, mais do que os jornalistas, a mídia não absorve essa negativa. Para ela seria uma espécie de pouco caso, que para eles seria inconcebível, diante do que consideram a visibilidade oferecida.
Pois bem, considerando minha conhecida posição e estudos na áreas dos royalties do petróleo, eu fui procurado há quase dois meses pela InterTV que dizia estar com uma pauta para uma longa série de matérias semanais sobre a questão do setor de petróleo e uso dos royalties que envolvem estas regiões do interior do ERJ (Baixadas Litorânea e Norte Fluminense).
Ouvi os argumentos e questionei algumas linhas entre estas a ideia de que a crise dos royalties teria a ver diretamente com a questão da Operação Lava Jato, sem considerar, por exemplo, a fase de colapso do ciclo de preços do petróleo que oferece mais justificativas pelas dispensas e crises com a receita dos royalties em todo o mundo do que os desvios.
Os desvios têm que ser apurados os responsáveis punidos, mas é preciso saber que no todo do setor e da própria Petrobras, eles possuem um peso relativamente limitado sobre os efeitos da redução dos efetivos embarcados e sobre a redução da produção dos campos maduros da Bacia de Campos.
Tentei ainda explicar que não é correto jogar no mesmo bolo todos os municípios sem considerar a diferença entre os municípios que vivem da Economia do Petróleo (indústria e serviços deste setor) e aqueles – maioria – dos município petrorrentistas que sobrevivem da renda dos royalties do petróleo.
Assim, eu percebi que os argumentos não eram considerados numa pauta que parecia ter endereço e direção definidas. Parece querer apoiar os cortes de gastos, os ajustes fiscais com investimentos socais e incentivar posição de privatização e entrega dos ativos da Petrobras. Nesta linha apoiar a redução dos royalties e a venda dos campos maduros da Bacia de Campos.
Ainda assim, ao ser contatado há duas semanas, eu voltei a dizer que tinha visto algumas matérias e que discordava de suas linhas principais. Desta forma, para novamente não parecer intransigente, eu disse que iria pensar se aceitaria falar. Para isso, questionei primeiro sobre qual seria a pergunta, ou as perguntas.
Então as perguntas me foram apresentadas. Eram duas indagações simples. Pedi que me ligassem no dia seguinte que eu iria pensar se atenderia a reportagem.
Pensando que eu estaria sendo intransigente, eu acabei aceitando falar.
Neste relato é bom deixar claro que a mídia comercial tem todo o direito de construir as suas matérias livremente, sem tutelas. De ouvir diferentes opiniões. Mas, também é importante realçar o questionamento que faço, que na maioria das vezes, as narrativas do que entendem ser a notícia, já sai pronta da editoria do veículo de comunicação.
Na maioria das vezes, as falas dos entrevistados visam encaixar no roteiro e na narrativa já pré-concebida antes até da opinião destes. Normalmente, no caso da TV, os tempos são muito curtos. São raros os casos em que a matéria comporte mais de uma resposta do entrevistado, ou mesmo o tempo de uma resposta inteira, sem cortes. Se a sua reposta não cabe na narrativa, você percebe que é comum que sejam feitas mais perguntas até que seja identificado um trecho de sua fala que possa interessar na narrativa montada.
Editores, nestes casos, atuam quase como se fossem uma espécie de juízes e não de investigadores da informação. Assim, ao editarem as reportagens, eles arbitram a opinião que merece mais ou menos destaque e, principalmente, a que se encaixa na narrativa montada ainda antes de ouvir aqueles que chamam de especialistas, sem o qual a matéria ficaria capenga, dentro das técnicas jornalísticas ensinadas nas escolas de comunicação que exige o personagem e o especialista.
Os "especialistas" escolhidos conforme a direção da matéria - e os interesses nela embutidos - ajudarão a compor a narrativa que se pretende veicular. Como exemplo, ou hipótese a narrativa que descreve o mau do uso dos royalties pode induzir à justificativa da redução dos seus percentuais, como poderia ser a de sugerir uma maior participação na gestão.
A matéria muitas vezes até pode ouvir "especialistas" com posições distintas, para conferir credibilidade mostrando um aparente contraditório, mas a narrativa nunca deixa de acentuar a essência do que foi arbitrado como opinião a ser realçada.
Pois bem, tendo aceitado falar - para não parecer intransigente - mesmo com os receios que venho nutrindo há algum tempo, logo após a entrevista, feita num bate-pronto, com resposta direta e numa única vez ao jornalista, eu resolvi, no momento logo a seguir, por conta de lembrar perfeitamente o que havia falado, eu sentei fiz as anotações num papel daquilo que havia respondido.
Intuía que sendo uma série de matérias semanais, a que iria ao ar com a minha fala iria também trazer a opinião de outras pessoas, mas eu queria ver se o sentido geral da matéria eram as duas perguntas, ou se as respostas iriam cair numa história (narrativa) já montada.
Assim, eu vou pedir que você mesmo possa ver a matéria da InterTV que foi ao ar no RJ InterTV da 2ª edição (noite) da segunda-feira, 25 de setembro de 2017. Trata-se de série 'Petróleo: Riqueza Explorada' cujas matérias vão ar nas segundas-feiras. Esta que me refiro foi ao ar no dia 25 set. 2017 com o tema "o futuro dos municípios da Bacia de Campos sem os royalties" e teve quase oito minutos de duração. Confira no link do G1 abaixo.
https://g1.globo.com/rj/regiao-dos-lagos/noticia/serie-petroleo-riqueza-explorada-fala-sobre-o-futuro-dos-municipios-sem-os-royalties-do-petroleo.ghtml
Agora, se tiver tempo e interesse, leia abaixo as anotações que registrei das minhas respostas às duas perguntas feitas pelo jornalismo da InterTV. Eles foram colocados sob a forma de itens, embora tenham feito parte da opinião respondida direta e de forma verbal, para melhor compreensão de quem está agora lendo:
1 - Como viver sem os royalties?
a- Os royalties viciam.
É como a mesada dos pais ao final do
mês. Adiante as nossas cidades viverão como um ex-rico que já teve dinheiro
e gastou tudo de forma perdulária.
b - Os royalties são frutos da renda da extração mineral que acaba. Esta renda em qualquer lugar do mundo é disputada entre as empresas que atuam na cadeia produtiva e os governos, por ser um bem finito e de todos.
c - O caso do uso dos royalties nos municípios petrorrentistas chamam mais a atenção porque esta renda proporcionalmente é maior nas cidades do que nos estados e no país.
d - É preciso ainda lembrar que existe um ciclo na extração do petróleo (ciclo petro-econômico), que gera períodos de preços maiores (ex. entre 2010 e 2013, único na história) e de colapsos como se vive desde o o2º semestre de 2014. Nesta fase de baixa, a crise se dá em todas as nações e regiões que são produtoras, porque os investimentos se reduzem.
e - Assim, precisamos nos perguntar para
que existem os governos das cidades? Para pensar solução para a vida das
pessoas que ali moram. Mas a realidade é que as gestões estão sempre muito focadas em seus projetos de manutenção do
poder e não em Políticas Públicas.
2 - O que será do futuro?
a - Esta é uma pergunta de resposta difícil. Os professores/pesquisadores são estudiosos, mas não são
adivinhadores, não são futurologistas
b - O futuro dependerá das nossas escolhas hoje.
c - Vale lembrar que uma cidade é parte de um estado e de um país e quando a crise é geral maior é o problema. Sempre será assim, a crise atinge a todos, mas há saídas regionalmente.
d - Se continuarmos nesta atual toada de maus gastos (a região gastou mais de R$ 30 bi na última década com resultados questionáveis), o quadro poderá piorar. A perspectiva é que os royalties do petróleo daqui a uma década seja pelo menos 4 vezes menor do que é hoje na região da Bacia de Campos.
d- É preciso que os municípios colaborem entre si e não continuem concorrendo um com o outro. Um defende que se abaixe o % de royalties, outro não (os royalties poderiam ser regionais e não por cidades, mas fogem deste debate). Um luta por um porto o outro é contra e por aí segue a disputa.
f- Os maiores problemas da população (educação/ saúde/ transportes, água-esgoto/segurança) seriam mais fáceis de serem resolvidos se as cidades (e os prefeitos) pensassem e atuassem de forma conjunta para resolvê-los. Por exemplo, através de consórcios. As melhores alternativas serão sempre mais regionais que locais.
g- Os governos precisam ser menos autoritários (donos dos dinheiros) e
tecnocráticos e se abrirem mais à
participação cidadã da população. As pessoas têm muito a dizer e dividir com
os gestores as saídas.
Eu penso que esta postagem pode ajudar que as pessoas reflitam sobre outras matérias que elas veem na televisão e leem nos jornais, onde as opiniões dos especialistas, quase sempre servem de recheio a um notícia ou uma ideia produzida de forma pré-concebida. Evidente que isto não acontece em todos os casos, mas quem sabe na maioria, sem levar em conta a opinião das pessoas e uma leitura que poderia ser mais ampla dos fatos e das interpretações deles.
Além disso, como é tema sobre o uso dos royalties e como viver sem eles no futuro continuará por muito tempo sendo pauta em nossa região, eu imagino que deixar registrado os pontos que eu listei de forma integral nas duas respostas tenha algum interesse.
Enfim, desculpe pela exposição longa para trazer um tema que deveria interessar mais à cidadania que aos jornalistas em si. Refletir sobre isso é indispensável numa sociedade em que a produção de informações e notícias, muitas vezes são valoradas pelo poder e tamanho da mídia.
Trata-se de uma respeitos crítica sim sobre a forma de atuação da mídia. A opinião sobre este caso em si e sobre este tipo de problema serão sempre suas. E eu sempre repeitarei o contraditório, sem que isto me impeça de questioná-lo.
3 comentários:
Já até me acostumei com esse tipo de coisa, o que me incomodou mais na matéria foi terem construído toda a argumentação sobre a ineficiência dos Municípios na cobrança dos tributos mubicipais citando exclusivamente o caso do IPTU em Cabo Frio, sequer dados sobre a fatia das receitas previstas nos orçamentos desses entes que os roulyalties representam foi mostrado nessa matéria.
Com todo respeito, creio que falharam em seu dever de informar.
Sim George. Concordo. Sobre as receitas a informação é fragmentada e insuficiente, porque mistura os municípios que mesmo sendo petrorrentistas possuem situações distintas.
E sobre a questão da dependência da renda petrolífera e o futuro a questão vai muito para além da tributação da propriedade (necessária se progressiva e socialmente justo), mas também sobre os serviços onde há muita isenções, como também ocorre no cado do ICMS (que é um imposto estadual, mas que em parte retorna ao município como quota-parte conforme sua dinâmica econômica).
Neste ponto há que se tratar da diversificação econômica baseada nas economias locais e na necessidade de um esforço de integração e cooperação entre os municípios, que foi a parte do que eu falei que escolheram incluir, só que ficou com uma argumentação fragmentada e quase sem sentido na narrativa principal que escolheram.
Concordo com você, George, e quando vc não encaixa suas respostas no "perfil" por eles esperado, eles acabam te excluindo do rol de "profissionais" a quem eles entrevistam.
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