Os governadores e seus assessores voaram das capitais dos seus estados para escrever uma carta para Temer que segue apenas preocupado em se segurar no cargo.
Os governadores solicitam ao governo federal que o projeto da Ferrovia ligando Vitória ao Rio, articulando diversos portos por este litoral, seja colocado para andar. É uma ferrovia com extensão de 577,8 km (170 km no ES e 407 no ERJ, aproximadamente 1/3 no ES e 2/3 no ERJ) num projeto que demanda investimentos estimados em R$ 7,8 bilhões.
Os arquivos do blog que há dois anos acompanhou em detalhes as três das quatro audiências públicas sobre o assunto, estão tendo nos dois últimos dias, uma imensa quantidade de acessos. Aqueles que desejarem ter acesso às postagens podem clicar aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. [1]
A ferrovia é um modal indispensável ao transporte de cargas e de interligação aos sistemas portuários. Este projeto da Ferrovia Vitória-Rio integra a região Sudeste e articula ainda os outros dois estados da região que é economicamente a mais desenvolvida do país. Por isso o projeto tem potencial enorme interligando portos capixabas, fluminenses e paulistas também às bases produtivas do estado de Minas Gerais.
Minas Gerais já possui ramais ferroviários funcionando para o transporte de minério de ferro que assim chega até os portos de Tubarão no Espírito Santo e Itaguaí, no Sul Fluminense, que por sua vez já está interligado ao maior porto contêinero do país que é o de Santos.
A importância de uma ferrovia em termos econômicos e seus impactos
O traçado referencial da Ferrovia Rio-Vitória atravessa 25 municípios em 577,8 Km prevê um total de 6 túneis, 43 viadutos ferroviários, 130 pontes, 128 viadutos rodoviários, 117 passagens inferiores e 60 passarelas.
a- Audiência Pública sobre ferrovia Vitória-Rio (EF 188) hoje em Campos: mais informações
A ferrovia é uma infraestrutura de transporte que na economia é tratada como Condições Gerais de Produção que permite os empreendimentos se articularem economicamente e se desenvolvam.
Considerando a demanda já existente a movimentação de cargas nesta região Sudeste pode-se afirmar tratar-se de um tipo de empreendimento que cabe ao empreendedor privado realizar em troca da remuneração que a sua utilização trará com esta moderna e ágil logística.
Com a ferrovia os dois estados ampliarão sua integração dentro da região Sudeste e crescerão seus papeis como centro de logística, que complementa a economia de Minas Gerais. Porém, do lado dos cidadãos que moram nestes estados, há que se ter cuidado com os impactos socioambientais decorrentes da sua implantação.
Infelizmente é muito comum a luta dos investidores/implantadores para reduzir os custos dos investimentos com cortes e reduções no projeto. Assim, túneis e viadutos são substituídos por passagens de níveis sempre problemáticas e de riscos para as comunidades. Contornos das áreas urbanas são suprimidas aumentando os riscos, considerando que o transporte cargas em bitola larga é sempre feito em maiores velocidades.
Matéria da FSP em 07/11/2017. [2]. |
De alguma forma tudo isto já consta das postagens anteriores, incluindo aí o pleito de que esta ferrovia não seja apenas para o transporte de cargas, mas atenda também à mobilidade para o transporte de pessoas, assunto que fiz questão de colocar publicamente, nas diversas audiências que fiz parte em 2015. [1-e]
Por que se lembra sempre dos chineses?
Porém, o que cabe perguntar hoje é porque este projeto não interessou aos investidores sejam do Brasil ou do exterior?
Os chineses foram sondados várias vezes e são especialistas (juntos com os russos) em construir ferrovias, que basicamente se trata de duas partes essenciais: as vias (linhas) e o material rodante.
Os chineses têm imenso interesse em negócios no Brasil, como pode ser visto aqui numa matéria de ontem da Folha de São Paulo que fala em investimentos chineses de R$ 35 bilhões no Brasil, valor cinco vezes maior do que o necessário para construir e implantar os 577 km desta ferrovia.
Em diversas partes do mundo, os chineses preferem investir em empreendimentos complementares e que facilite a ligação com suas bases produtoras na Ásia e preferencialmente, que seja complementar à sua economia.
Por isso, no Brasil, a preferência dos chineses é para os negócios em energia (petróleo e energia elétrica) e alimentos (que equivale indiretamente à importação também de água) e de forma complementar e não menos importante, em infraestrutura de transporte (ferrovias e portos).
Este tipo de investimentos permitem ganhos nos serviços de logística barateando os custos para levar os produtos comprados para a China. Os casos de investimentos do infográfico ao lado da matéria da FSP, ontem [2] reforça esta interpretação.
Na Europa é comum ver as empresas chinesas possuírem os navios que transportam produtos e levam importações. Estas são vinculadas a outras corporações chinesas que são concessionários dos terminais portuários que fazem este desembaraço logístico. Ainda articulado aos terminais portuários os chineses costumam implantar grandes galpões de logística (ZAL- Zona de Apoio Logístico) junto à retroárea. Nos ZALs, eles além de armazenam e montarem a logística de distribuição dos produtos trazidos da China, algumas vezes, eles também complementam com a etapa final da fabricação dos itens exportados desde à Ásia, o que demonstra a sofisticação e complexidade da reestruturação produtiva no mundo contemporâneo.
Por que o Porto do Açu parece atrair pouco os chineses?
Por tudo isto, para o Porto do Açu, a ferrovia Vitória-Rio teria enorme potencial para agradar aos chineses, mas eles não abrem mão de possuírem também o controle sobre terminais portuários. É com esta integração intermodal entre seus negócios (bases) no Brasil e a interligação com os seus portos na China que eles ampliam a escala dos seus ganhos.
Diante desta realidade, não é difícil compreender que neste caso parece haver aí várias questões que embaralham os interesses dos chineses, que estão muito mais articulados em bases no Centro-oeste e no Sul do Brasil.
Além disso, o fato do Porto do Açu ser hoje controlado majoritariamente (hoje quase totalmente) por um fundo americano, o EIG Global Energy Partners pode ser um problema a mais considerando as dificuldades criadas pelo Trump.
Ainda há que ser considerado que, observando outros empreendimentos hoje instalados junto ao porto permite que se veja no mesmo quase um condado em terras brazilis.
No Açu está o grupo americano Edison Chouest com uma base de apoio às operações de exploração de petróleo offshore que tende à Petrobras, mas também à petroleira também americana Chevron e possivelmente, adiante também à Esso que ganhou o direito, no último leilão para explorar áreas na Bacia de Campos.
A Edison Chouest também opera no Brasil a empresa de afretamentos marítimo Bram Offshore que possui dezenas de contratos de embarcações no Brasil. Além destas há ainda a FMC-Technip surgida da recente fusão da americana FMC com a francesa Technip que no Açu fabrica tubos flexíveis usados na exploração de petróleo offshore.
Por tudo isto, há que considerar que hoje, o investimento chinês na ferrovia Vitória-Minas, a despeito das questões geopolíticas, agrega mais valor e condições gerais de produção aos interesses comerciais americanos que chineses.
Este tipo de negócio imbricado vai muito para além de "cartas e voluntarismos"
Não se pode entender esta questão - que não depende de "missivas" - sem ligar as diversas pontas da economia globalizada feita por interesses de capitais que só aporta no território, com a implantação de infraestruturas, quando esta está articulada à sua produção material e a uma maior rentabilidade dos seus negócios.
Na outra ponta da ferrovia, há que se saber que do lado do Espírito Santo, com o ramal de aproximadamente 140 km de Vitória até Presidente Kennedy, onde está em fase final de licenciamento o projeto do Porto Central, há uma tratativa feita com a empresa Vale.
A Vale hoje possui a concessão da ferrovia Vitória-Minas que liga Belo Horizonte e o Quadrilátero Ferrífero ao Porto de Tubarão em Vitória, ES. Esta concessão está próxima de se encerrar e a Vale tem interesse em ampliar por mais algumas décadas seu contrato junto à ANTT.
Uma das hipóteses discutidas pelo governo capixaba junto à União e à ANTT é a de negociar com a Vale mais 40 anos de concessão, para ter em contrapartida, a construção da parte da ferrovia que fica no Espírito Santo, interligando assim, o Porto de Tubarão ao sul do estado, onde se planeja o Porto Central.
Estima-se que este trecho tenha um custo entre R$ 1,5 bilhão e R$ 2 bilhões, valor perfeitamente absorvível por uma empresa do porte da Vale. Assim, a mineradora ampliaria o prazo de concessão da Vitória-Minas que o que mais lhe interessa, o mesmo tempo ganharia um novo ramal ferroviário, que pode vir a agregar outros valores e resultados, para além do atual uso do Porto Tubarão.
Os interesses comunitários nestes grandes projetos exigem ordenamento territorial
Enfim, considerando os interesses capitalistas e a forma como o capital se movimenta em seu processo de formação de valor - e aumento de rentabilidade - há que se entender que, mesmo diante de um Brasil pós-golpe - e entregue completamente ao mercado-, a implantação de infraestrutura vai muito para além de desejos voluntaristas de quem não consegue ligar as várias pontas de interesses.
Pior, é que muitas das pessoas e autoridades que se envolvem nestas questões, quase nunca observam, onde em tudo isto, estão os interesses das comunidades envolvidas. Os interesses destas comunidades regionais devem ir muito para além da geração de empregos, pois estes são decorrência da rentabilidade antes apurada pelos investidores, sendo portanto consequência para eles.
Grandes Projetos de Investimentos (GPI) carecem de um plano de ordenamento territorial que leve em conta as pessoas e a vida em comunidade. Assim, os gestores locais, regionais e estaduais precisam ter uma visão mais ampla como gestor estatal para mediar os interesses entre os interesses da população e os lucros dos investidores.
Abaixo o blog republica uma lista de estações previstas no projeto da ferrovia Vitória-Rio em seus quase seiscentos quilômetros de extensão. Com esta postagem estimulamos o debate para além dos interesses econômicos que movem estes projetos.
Referências:
[1] Matéria mais recentes do Blog do Roberto Moraes sobre as audiências públicas e do projeto da ANTT da nova Ferrovia Vitória-Rio.
Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/audiencia-publica-sobre-ferrovia.html
b - Mais sobre a Audiência pública da ANTT sobre a Ferrovia Vitória-Rio (EF-118). Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/mais-sobre-audiencia-publica-da-antt.html
c - Traçado e alguns detalhes do projeto da Ferrovia Vitória-Rio. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/tracado-e-alguns-detalhes-do-projeto-da.html
d - Mais sobre o traçado da Ferrovia Vitória-Rio (EF-118) em SFI, SJB e Campos. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/mais-sobre-o-tracado-da-ferrovia.html
e - O transporte regional de passageiros na ferrovia é viável técnica e economicamente - só não existirá por desmobilização comunitária e política. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/o-transporte-regional-de-passageiros-na.html
f - Sobre o interesse dos chineses no projeto da ferrovia Peru-Açu. Disponível em:
http://www.robertomoraes.com.br/2015/07/sobre-o-interesse-dos-chineses-no.html
[2] Matéria da Folha de São Paulo em 07 nov. 2017. HIRATA, Taís. China investe R$ 35 bi no país e consultores preveem mais aportes. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1933341-china-investiu-r-35-bi-no-pais-e-consultores-preveem-mais-aportes.shtml
Anexo:
Quadro das Estações ferroviárias previstas no projeto no trajeto Vitória-Rio:
Localização das Estações segundo o Estudo da Sysfer - ANTT - Distância aproximada entre as estações: 25 quilômetros. |
3 comentários:
Em geral, historicamente, ferrovias são deficitárias. Dependem de subsídios governamentais para sobreviverem.
Em verdade, para ser viável economicamente, para existir proporcionando lucros, ferrovias dependem de grande escala de volumes.
Na condições atuais da economia brasileira, muito vulneravel, face à qualidade (má qualidade) dos políticos que o povo vem elegendo, será muito difícil se obter a escala de volume necessária para a viabilização da ferrovia. Terá que haver uma afinidade e conciliação de vários players interessados. O tempo dirá.
Subsídios nas tetas da viúva, enquanto corta direitos sociais?
O capitalismo não teria chegado onde chegou sem o Estado.
Então o setor precisa de políticos melhores para ajudar o capitalismo a ganhar dinheiro. Seria isto?
O tempo diz tudo. Mas sempre será tarde.
Os interesses já estarão se movimentando noutra direção, cooptando outros políticos que adiante serão novamente descartados e chamados de ruins, para se cooptar outros.
E o jogo estará indo adiante buscando ganhos em escala, subsídios, desonerações, incentivos, financiamentos baratos, licenciamentos sem contrapartidas, etc.
E tem mais. Só querem transportar cargas. Nesta lógica as pessoas sempre atrapalham.
Olá Professor Roberto Moraes!
Você tem alguma informação a respeito dessa força sindical, que se instalou na Praia do Açú em São João da Barra, para recolher currículos para a empresa Andrade Gutierez? Quais os reias interesses políticos do grupo que compõem o sindicato e porque não do próprio uso do nome da empresa Abdrade Gutierez, que foi uma das empresas mais afetadas pala operação Lava Jato. Ficamos no aguardo de novos fatos, e informações!
Trazer novamente o nome dessa empresa ao cenário de construções e obras não deve ser por acaso...
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