domingo, dezembro 10, 2017

ISS das atividades portuárias: o caso de Santos e do Porto do Açu em SJB

A relação dos portos com as cidades é um tema cada vez mais presente quando se trata de estudos sobre urbanização, desenvolvimento e sobre a economia das cidades.

No passado, as cidades cresciam e se desenvolviam a partir dos portos. Porém, a revolução das tipologias portuárias que acompanha a reestruturação produtiva no mundo, o aumento do comércio mundial e ainda a circulação das mercadorias entre a produção para o consumo, vem gerando mudanças em diversas dimensões. Tratei disto se forma intensa na segunda parte de minha pesquisa de doutorado [1] [2] e [3].

Uma destas dimensões a ser aqui abordada é a relação tributária entre as prefeituras e os complexos portuários, na medida em que estas atividades são consideradas como serviços e assim com impostos que são cobrados pelos municípios sob a forma do ISS: Imposto Sobre Serviços.

Há entre os operadores portuários um desejo latente de que esta atividade deixe de ser considerada como um serviço e passe a ser visto como uma espécie de concessão, onde se cobraria uma espécie de tarifa e não pelos serviços. Evidentemente, que o interesse aí está na redução do imposto cobrado pela atividade econômica.

Na condição como é hoje, os municípios cobram ISS em alíquotas que variam de 2% a 5% sobre estas atividades. Assim como acontece no ICMS, os empreendedores antes de se instalarem costumam fazer pressões sobre o poder político (Estado) para a menor taxação possível com pedidos de isenção e redução fiscal.

Desta forma, os controladores destes projetos também costumam empreender uma guerra fiscal entre os estados e municípios para definir a localização de seus empreendimentos. No caso dos projetos portuários isto é mais difícil, porque um porto marítimo não pode ser instalado em qualquer lugar.

Primeiro precisa ser litoral, depois necessita reunir outras condições de geografia física, como as enseadas e baías com proteção natural, além de profundidade para construção com menores custos dos canais de atracação.

Porém, o desenvolvimento de tecnologias de construção mais recentes têm permitido a que os empreendedores possam projetar e construir terminais portuários, em locais de mar aberto, com o uso de quebra-mares pré-produzidos que substituem as proteções naturais, que abrigam as atividade de atracação e de movimentação de cargas nos píeres.

Ainda assim, não é difícil compreender que um porto não pode ser colocado em qualquer lugar do litoral. Hoje com a mais recente geração de portos (Portos-indústria, ou complexo logístico-industrial, ou MIDAs - Maritime Industrial Development Areas ou Área de de Desenvolvimento Industrial Maritime) a definição sobre a localização, demanda ainda a existência de grandes áreas disponíveis, para serem utilizadas como distrito industrial, além das áreas de armazenagem tudo, junto na retaguarda do litoral onde estarão os terminais de atracação. [2] e [3]

Desta forma, a mais recente geração de portos (tipo MIDAs) são instalados fora das áreas urbanas, de forma a garantir a constituição do complexo industrial-logístico e também a fluidez das cargas materiais e a produtividade da movimentações de cargas e dos portos. O que ajuda a tornar esta nova geração de portos uma espécie de enclaves econômicos. [2] e [4]

Tipologia portuária no Brasil. Cinco gerações de portos desde o século XX. [3]

O caso do Porto do Açu com projeto aprovado em 2007 e construção iniciada em 2008 é um deles. Porém, ainda antes da aprovação de implantação do projeto, seus empreendedores se articularam em 2004, com a Câmara e a Prefeitura de São João da Barra e conseguiram impor a redução da alíquota de ISS. Até então o ISS para estas atividades eram estipuladas na lei municipal (ISSQN) tinham alíquotas de 5%, e com a mudança caíram para a metade, com 2,5% de tributação, como é atualmente.

Na ocasião esta atividade fazia parte da relação de serviços listados na lei municipal, mas ela não era ainda desenvolvida na área do município. Evidente que a redução saiu porque já estava prevista a implantação desta atividade no município.

Como a lei do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) é, obrigatoriamente, assim como o IPTU, reeditadas anualmente. Desta forma, de lá para cá, esta alíquota de apenas 2,5% tem sido sendo mantida por diferentes mandatos e prefeitos.


As reduções tributárias vulnerabilizando os caixas dos municípios
Vive-se numa época de isenções e reduções tributárias de todas as naturezas e em todos os níveis de poder da União até os municípios. Os empreendedores impõem a guerra de lugares, quase sempre em articulação com os governos estaduais, onde costumam começar esta articulação através dos governos estaduais. Só depois descem e sobem a escala, com os governadores servindo de cicerones, depois que a alocação do projeto no estado já está definida.

Além das isenções e reduções tributárias que é uma das razões da grave crise financeira do ERJ, os perdões tributários e os "refis" das dívidas se tornaram uma constante, pressionando os caixas das administrações públicas e gerando reduções nas receitas e na quantidade e qualidade da prestação de serviços públicos aos cidadãos.

Assim, as administrações passam a reduzir direitos sociais mínimos - antes conquistados - para reduzir os déficits orçamentários dos municípios, estados e da União. É o cidadão pagando a conta e bancando a implantação de empreendimentos dos quais não se tornam sócios e muitas vezes ainda sofrem as consequências dos seus impactos sócio-ambientais-territoriais.


O município de Santos está aumentando sua alíquota de 2,5% para 5%
Voltando ao caso da tributação das atividades portuárias, diante da necessidade da crise econômica nacional e da redução de receitas dos municípios brasileiros, está em curso, atualmente, a ideia da revisão destes incentivos que permitiram a redução destas alíquotas de ISS das atividades portuárias em vários municípios onde existem estas instalações. 

As atividades portuárias são atividades econômicas importantes, mas também impactam os municípios e regiões, demandando a construção e manutenção de vias e outros equipamentos públicos (chamados de Condições Gerais de Produção) que são sustentados por estes caixas.

Além disso, os controladores destes portos-indústrias são sempre grandes corporações. São fundos financeiros que possuem altíssimos faturamentos e lucros e, portanto, com capacidade suficiente para honrar os tributos em pequenos percentuais, em oposição à vulnerabilidade social dos cidadãos, de onde, ao cabo é de onde este dinheiro acaba sendo subtraído. Sem eles todo aquele discurso da sustentabilidade social e ambiental vendidos pelos empreendedores se tornam contraditórios e falsos.

Assim, é o caso do município de Santos, onde está instalado o maior porto da América Latina, em quantidade de terminais (47) e também em capacidade de movimentação de cargas, especialmente os contêineres, onde são transportadas as cargas de maior valor agregado.

A Câmara de Vereadores de Santos aprovou nesta última sexta-feira (8 out. 2017) [5], o reajuste da alíquota de ISS, elevando-a de 3% para 5%, depois de um período de resistência dos empreendedores que chegaram a propor, em negociação, um percentual intermediário de 4%.

O debate, como sempre, foi sobre o risco deste aumento tributário afetar a competitividade do Porto de Santos diante de outros complexos portuários no país. O argumento contra o reajuste foi defendido por cinco entidades ligadas aos operadores portuários se reuniram com o prefeito de Santos para discutir a questão. Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), Associação Comercial de Santos (ACS), Associação Brasileira dos Terminais Retroportuários e das Empresas Transportadoras de Contêineres (ABTTC), Associação das Empresas do Distrito Industrial e Portuário da Alemoa (AMA) e Associação Brasileira de Terminais de Líquidos (ABTL), mas até aqui não teve sucesso.

De outro lado, a Prefeitura de Santos alegou que o reajuste será utilizado para pagamento de um empréstimo de R$ 290 milhões que vai custear obras na entrada da Cidade, favorecendo o acesso de cargas ao cais santista. 

A Prefeitura de Santos também apontou a necessidade de manutenção de serviços de saúde e educação, que foram impactados pela crise e, inclusive, pela alta na procura, por conta do grande número de demissões de trabalhadores do setor portuário nos últimos anos.  [5]

Além disso, a Câmara de Vereadores de Santos também sustentou que a alta do ISS é uma questão de justiça tributária e social e na verdade a correção na prática faz uma equiparação à alíquota que já é praticada em outras cidades portuárias brasileiras, como: Rio de Janeiro, Itaguaí (RJ), São Sebastião, Cubatão, Suape (PE), Vitória (ES) e Fortaleza (CE) que já recolhem 5%, a título de ISS.


Sobre a receita de ISS total e das atividades portuárias em São João da Barra
É certo que este quadro geral impõe que, no mínimo, o debate sobre a justiça tributária e as necessidades dos cidadãos diante dos impactos e dos aumentos das demandas pela instalação do empreendimento sejam reavaliadas. Além disso, apenas 2,5% de alíquota do ISS, talvez seja único em todo o país. Entre 2,5% e 5% há uma margem de reajuste que é quase que inquestionável.

Vale observar ainda a receita de ISS que o município de SJB vem arrecadando nos últimos anos muito influenciada também pelos serviços relacionados às obras de instalação de alguns dos empreendimentos junto ao Porto do Açu. Veja abaixo a evolução da receita de ISS em SJB, no período entre 2011 e 2016:








Como é possível observar houve uma grande evolução da receita entre 2011 e 2014, quando o porto entrou em atividade, com redução das obras de implantação. Em 2015 houve ligeiro decréscimo e em 2016 uma queda de quase 50% da receita.

Vale ainda registrar que segundo a própria Prumo Logística Global S.A. controladora do Porto do Açu, as atividades ligadas ao complexo logístico portuário do Açu são responsáveis por cerca de 60% do total arrecadado de ISS pelo município, através de 3 atividades, em especial: exportação de minério (Ferroport); serviços portuários (Porto do Açu) e transbordo de petróleo (Açu Petróleo).

Empresas no Porto do Açu. Apresentação corporativa, outubro 2017.[8]
Segundo número da própria Prumo, em 2014 estas só três atividades do Porto do Açu gerou receitas de ISS no valor de R$ 38,2 milhões. Já em 2016 estas receitas das três atividades caíram para R$ 26,4 milhões, mantendo o percentual da arrecadação de ISS diretamente através do porto na faixa dos 60%. Indiretamente é possível que este percentual seja próximo dos 80%. [6]

O ISS foi responsável por cerca de 17% de todas as receitas realizadas pelo município de São João da Barra em 2016 que chegou a R$ 255,8 milhões. A receita dos royalties em 2016 mesmo com grande redução foi a maior receita do município com 89,9 milhões (35%), quando em 2011 chegou a ser de 72% de toda a arrecadação. [7]

Diante desta realidade, não há como fugir a este debate. É certo que as reações e ameaças dos empreendedores serão grandes. As cooptações também. Porém, não há como fingir que esta questão não é importante par ao município e para a região.

A disputa entre as corporações e as gestões públicas pelas rendas geradas pelas riquezas materiais que passam pelo município sempre foi e continuará grande. Mas não é razoável que os municípios tenham que suprir as demandas das populações ignorando os faturamentos e lucros de quem opera em seu território.

O blog com estes dados e informações colabora para esclarecer informações e sugerir tanto o debate quanto a tomada de decisões pro parte do poder público a nível tanto no Executivo quanto no Legislativo.


Referências:
[1] Tese do autor defendida em mar. 2017, no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Para melhor compreensão das questões portuárias ver a 2ª parte da tese: "A inter-relação petróleo-porto como parte das articulações dos poderes econômicos e políticos na economia global (P.232-374). Disponível na Rede de Pesquisa em Políticas Públicas (RPP)-UFRJ: http://www.rpp.ufrj.br/library/view/a-relacao-transescalar-e-multidimensional-petroleo-porto-como-produtora-de-novas-territorialidades

[2] Entrevista do blogueiro ao Instituto Humanitas Unisinos, Revista IHU On-line em 11 dez. 2015.
Infraestrutura logística portuária: O Estado cooptado pelo setor privado e a população à mercê do capital. Entrevista especial com Roberto Moraes Pessanha. FACHIN, Patricia e CHAVES, Leslie. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/550047-infraestrutura-logistica-portuaria-o-estado-cooptado-pelo-setor-privado-e-a-populacao-a-merce-do-capital-entrevista-especial-com-roberto-moraes-pessanha

[3] Artigo "O MIDAs numa conjuntura de crescimento do Brasil e crise econômica mundial: os portos transformados em complexos logísticos-industriais. Apresentado no 2º CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades, de 8 a 11 out. 2013 e publicado nos anais ISBN: 978-85-99703-74-8. Belo Horizonte, 2013. Autores: Roberto Moraes Pessanha - PESSANHA, R. M. et. ali. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/310107114/MIDAS-como-oportunidade-e-ameacas-para-os-impasses-da-logistica-numa-conjuntura-de-paradoxal-crescimento-do-Brasil-e-crise-economica-mundial-O-caso

[4] Postagem no blog em 23 out. 2017. Porto do Açu reforça-se cada vez mais como um enclave econômico. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/10/porto-do-acu-reforca-se-cada-vez-mais.html 

[5] Reportagem do jornal A Tribuna de Santos em 9 dez. 2017. Câmara de Santos aprova aumento de 5% no ISS sobre atividades portuárias - Projeto foi aprovado pela segunda vez e de forma definitiva; texto segue para a sanção do prefeito. Disponível em: http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/porto&mar/camara-de-santos-aprova-aumento-de-5-no-iss-sobre-atividades-portuarias-1/?cHash=ba0cd9542fd34a3c273dc8f1624ca6c4

[6] Postagem no blog em 9 abr. 2017. ISS pago pelo Porto do Açu cai em 2016, a quase metade do que foi em 2014. Dispinível em: http://www.robertomoraes.com.br/2017/04/iss-pago-pelo-porto-do-acu-cai-em-2016.html

[7] TCE-RJ. Demonstrativos de Receitas de Impostos da PMSJB em 2016. Relatório de Orçamento Fiscal e Seguridade. TCE-RJ.   

[8] Apresentação corporativa do Porto do Açu em 30 outubro 2017. Slide 6/26.

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