No final de 2017, um grande número dos moradores da ilha de São Francisco do Sul – litoral norte de Santa Catarina, mais de 50 mil habitantes e cerca de 200 mil visitantes no verão – foi surpreendido com alguns mimos. Partiram da empresa WorldPort. O mais vistoso, um cartão para compras de até mil reais no Supermercado Litoral. Prêmio de um suposto concurso de decoração das casas. Teve até patrocínios de competições esportivas entre outros brindes.
Tudo para “seduzir” – cooptar? – apoios ao seu projeto de construção de um mega porto em uma cidade que hoje, apesar da população relativamente pequena, vive problemas crônicos. A começar pelo acesso via BR 280 (São Francisco do Sul – Dionísio Cerqueira, município na divisa com a Argentina), de mão única, sempre engarrafada.
O Porto Brasil Sul, com oito berços de atracação de navios e sete terminais – para containers, granéis sólidos, granéis líquidos, carga geral, veículos, fertilizantes e gás -, divide opiniões na cidade.
Apesar de todo o esforço de “sedução” da WorldPort, um grupo resiste à ideia, por enxergar no empreendimento um manancial de problemas para a ilha. Entre eles o atual prefeito, Renato Gama Lobo (PSD). Em audiência pública, no dia 28 de novembro, ele mandou emissário com uma carta na qual expôs os motivos pelo quais acha que o empreendimento deve ser questionado:
“Não estamos, simplesmente, discutindo a criação ou não de empregos. Se fosse somente isso, obviamente que eu seria o primeiro a defendê-lo. Estamos discutindo saúde, segurança, bem-estar, atividades sociais, econômicas, a biodiversidade, as condições estéticas, sanitárias, a qualidade de recursos ambientais, a água. Enfim, a vida. Sendo mais claro. A vida de pescadores e seus familiares; a vida de espécies de animais como peixes, garças, macacos, pássaros. A vida de toda a biodiversidade que envolve a Baía da Babitonga. Estamos discutindo toda a vida de São Francisco do Sul e seus cidadãos.“, expôs na carta, cuja íntegra poder ser vista aqui.
Na reunião, o diretor da WorldPort falou muito das vantagens que a ilha oferece para a construção deste porto, com oito berços para navios. Destacou que será um porto distribuidor, recebendo mercadorias principalmente da Ásia (vindas pelo oceano Pacífico). Dali seguirão em navios menores para outros portos nacionais e internacionais. Pelas suas palavras, ele ajudará a reduzir as despesas com infraestrutura marítima. O projeto, como explicou Barbosa, tem uma visão de futuro da economia brasileira: “Nosso projeto é uma visão do futuro, uma proposta diferente“.
Deixou, porém, de abordar uma questão básica: a importância e/ou necessidade desta construção, que afetará o meio ambiente de forma permanente, como o representante da Tetra Tech, Affonso Novello admitiu na audiência pública – “será um impacto de alta significância, não mitigável, permanente“.
O que ficou claro na audiência é que a importância do porto é grande para a empresa. Trará altos rendimentos. Poderá, sem dúvida, ajudar a economia brasileira. Mas isto não se mostrou como o essencial, o imprescindível, para que a obra seja feita, diante de todos os problemas que ela causará. Que não serão poucos.
Explicações falhas – Muito embora, Barbosa tenha dito que após “mais de 174 reuniões com representantes de associações, dos legislativos, tanto municipal como estadual, com empresários, moradores“, sabe hoje que “o povo francisquenses almeja grandes sonhos e quer sempre o melhor“, não conseguiu, pelo menos para quem era de fora, naquela reunião, demonstrar que a construção do porto será de fato o melhor para a ilha.
Principalmente em uma região – a Baía de Babitonga – que já possui portos, inclusive um em São Francisco do Sul com capacidade de ampliação – e terminais marítimos. Haverá demanda para tudo isso?
No encontro, onde não faltou ampla distribuição de lanche, devorado rapidamente por aqueles que nitidamente estavam ali como claque arregimentada, surgiram as promessas, que lembravam políticos em campanha.
Se no Protocolo de Intenções, como lembrou Almeida, a empresa cobrava do governo a duplicação da rodovia, pedia fornecimento de água – em uma cidade que vive restrições no fornecimento durante o verão -, reivindicava financiamento público para tocar o empreendimento, além de subsídios fiscais, na audiência pública a posição da WorldPort mudou. Foi quando o diretor do empreendimento passou às promessas, como demonstra o vídeo abaixo:
Promessas vagas – Estrada de acesso? “Nós faremos, independentemente do governo”. Água? “Nos abasteceremos com caminhões pipas na fase de implantação e com poços profundos quando da entrada em funcionamento do porto. Havendo sobra, repassaremos à cidade quando necessário”. Financiamentos? “Não teremos necessidade, os empreendedores bancarão sozinhos”. Incentivos? “Não recorreremos a eles”.
Na plateia, as claques na defesa do porto estavam muito melhor estruturadas com cartazes impresso, camisetas com logomarca do Porto Brasil Sul. Até ONGs se apresentaram nessa defesa. O lanche foi rapidamente devorado (Fotos: Marcelo Auler)
As promessas apareceram sem muitos detalhamentos. Barbosa embaraçou-se, por exemplo, quando um morador quis saber como ele duplicaria os acesso da cidade – na verdade ele falou em construir “os acessos do porto dedicados”, não ficando claro se serão exclusivos aos usuários da área portuária ou abertos a toda a população – se para isso serão necessárias desapropriações que não cabem à empresa realizar. Falou então em trabalho conjunto com o governo, em uma época em que se cortam investimentos sejam municipais, estaduais e, principalmente, federais.
Também deixou sem resposta quando um cidadão quis saber ao certo quem são os empreendedores. De forma rude, já sem esconder sua insatisfação com as cobranças, deixou-o sem resposta.
Outro ponto não explicitado, lembrado pelo prefeito em sua carta e pelo biólogo e diretor de escola Marcelo J. Miranda, são as consequências sociais que o empreendimento provocará na ilha. O diretor da WorldPort lembrava sempre os três mil empregos a serem criados, que beneficiarão principalmente os francisquenses. Uma promessa que facilmente cai no esquecimento, como outros investimentos.
Impacto social – De forma mais clara ainda que o próprio prefeito que ressaltou a necessidade de discutirem as influências na “saúde, segurança, bem-estar, atividades sociais, econômicas, a biodiversidade, as condições estéticas, sanitárias, a qualidade de recursos ambientais, a água“, o biólogo tocou em um ponto fundamental para rebater a tese da geração de empregos, que não deixa de ser um atrativo, principalmente aos jovens sem grandes perspectivas na pequena cidade.
De forma tranquila e bem embasada, Miranda, respaldado no seu conhecimento como biólogo, lembrou todas as espécies marítimas que serão atingidas pela construção do porto, no que considerou como “impactos permanentes”. Não foi contestado por Novello. Antes pelo contrário, este teve a honestidade de admiti-los, lembrando que não serão mitigáveis, ou seja, não terão alívios. No máximo, compensações em outras áreas.
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