quarta-feira, janeiro 03, 2018

Reportagem especial sobre “janela de oportunidades do Pré-sal” divulgada ontem pelo Jornal da Globo contém premissas limitadas e aparentemente com interesses escusos

O Jornal da Globo veiculou ontem, uma matéria com o título “Domínio das técnicas de exploração sinaliza futuro promissor ao Brasil no pré sal”, numa reportagem especial de quase quatro minutos, com a conhecida jornalista Sandra Passarinho.

A matéria pode ser vista num link do Youtube:
https://m.youtube.com/watch?feature=share&v=UsJSlO_QzCg


A matéria parecia evidenciar aquilo que comentamos aqui que os campos do pré-sal se tratam da maior fronteira de exploração de petróleo, descoberta na última década em todo o mundo.

A reportagem começa falando das pesquisas sobre a formação geológica da reserva de petróleo do pré-sal no litoral brasileiro, realçando sua enorme e até surpreendente produtividade e apontando para alguns desafios que a jornalista afirma serem ligados aos riscos do mercado. Assim, entrevista o geólogo Cristiano Sombra, da Petrobras, que diz textualmente que os desafios agora são mais para otimizar processos e ampliar ainda mais a já alta produtividade.

A seguir entra na análise econômica desta reserva e de sua exploração ao longo do tempo. Para isso ouve o professor e pesquisador do Programa de Políticas Energéticas da Coppe/UFRJ, Alexandre Skolo.

Eu não conheço pessoalmente e acompanho de longe as análises que o Sklo faz do setor e da participação da exploração brasileira de petróleo. Desta forma, não há nenhum motivo para ver no Skolo, posição similar ao do consultor e entreguista-mor como o Adriano Pires, com análises sempre a favor do mercado.

Na matéria do Jornal da Globo, as duas falas usadas do Skolo são muito curtas, como é comum nestas entrevistas editadas muito vezes por encomenda. Assim, a reportagem pode ter capturado aquilo que interessava à matéria que ao cabo quis passar a seguinte mensagem: o Pré-sal tem enorme produtividade, mas deve ser entregue já para a exploração por quem puder e quiser, porque adiante ela não deverá ser mais interessante para o Brasil, por conta dos riscos do mercado.

Aí repete-se a “lenga-lenga liberal” de que se trata de uma "janela de oportunidades". O Serra falava o mesmo para defender o fim do regime de partilha e os 30% de participação obrigatória da Petrobras como operadora de todos os campos da reserva do Pré-sal.

Os argumentos apresentados são muito frágeis. Esta história de que se baseia em modelagens não sustenta a premissa, porque não parte da hipótese básica que eu venho sustentando de que há um "ciclo petro-econômico" que não é natural. Um ciclo de preços do petróleo que não possui relação tão direta com o ciclo mais geral da economia, embora o petróleo siga embalando o capitalismo. [1]

Não reconhecer as fases do ciclo do petróleo e de que o mesmo é manejado por ação geopolítica dos Estados-nações (centrais) com controle sobre os países produtores é um fator que enfraquece qualquer modelagem a ser desenvolvida.

A ação da Opep (e de outros produtores) interfere nesta equação e produz as mudanças das duas fases do ciclo petro-econômico (boom e colapso) com causas e efeitos em várias dimensões, para além das econômicas/fiscais (temporal, espaciais, políticas, ambientais e geopolíticas).

Os riscos do mercado são oriundos dos interesses que pressionam o ciclo do petróleo, numa relação de competitividade entre produtores na busca pelo mercado, seja do produto bruto (ou derivados), onde se estabelece a maior parte da renda petroleira.

A análise também parece não levar em conta o fato de que está cada dia mais caro encontrar novas reservas de petróleo. E ainda que estas reservas estão ficando escassas, especialmente as de menor custo de exploração e maior produtividade.

Também por todas estas premissas, não há razões objetivas - nem mesmo subjetivas - para que estas reservas do Pré-sal tenham que ser exploradas imediatamente, para assim entregá-las a preço vil e em velocidades espantosas e sob formas questionáveis, como faz a atual direção da estatal. 

Observando os ciclos petro-econômicos anteriores há grandes chances que uma inversão de fases do ciclo petro-econômico possa acontecer em torno de 2020-2025, quando os preços do barril podem ficar entre US$ 70 e US$ 90.

A hipótese dos preços retornarem num futuro imediato ao patamar de US$30 ou US$ 40 parece pouco provável, até pela confirmação das limitações do tight-oil (óleo de xisto) americano. Tudo isto fora, os riscos de conflitos regionais nas zonas produtoras, que sempre são elevados e podem jogar para baixo a produção e para cima os preços do barril.

Há muito que se discutir sobre esse assunto numa dimensão superior à econômica e às modelagens matemáticas, porque elas podem estar partindo de premissas e bases equivocadas ou com limitações.


Referência:
[1] Para melhor compreensão do que aqui se fala sobre o ciclo petro-econômico, ver o item 1.7 (Capitulo 1), P. 95-147, "Ciclo petro-econômico" da tese de doutoramento do autor, defendida no PPFH-UERJ: “A relação transescalar e multidimensional “Petróleo-porto” como produtora de novas territorialidades”. Disponível na Rede de Pesquisa em Políticas Públicas (RPP)-UFRJ: http://www.rpp.ufrj.br/library/view/a-relacao-transescalar-e-multidimensional-petroleo-porto-como-produtora-de-novas-territorialidades

PS.: Atualizado às 18:22 de 04/01/2018 para breves correções.

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