A rapidez com que as consequências da paralisação de cerca
de 2 milhões de caminhoneiros provocaram em todo o Brasil nos deram demonstrações
sobre as mudanças na forma e conteúdo do trabalho no mundo contemporâneo. Poucos poderiam avaliar que os impactos sobre toda a população seriam tão grandes e em tão curto espaço de tempo.
A relação entre as etapas da produção, circulação e
consumo das mercadorias já foi amplamente estudada como sendo a tríade marxiana. A produção descentralizada, expandida e em parte
globalizada, demanda cada vez mais a etapa da circulação da mercadoria para garantir
o consumo.
A etapa da circulação das mercadorias é um serviço que foi ganhando
velocidade com redução de tempo, numa lógica de redução dos estoques da produção para diminuição
de custos e capital envolvidos em todo o processo.
A redução do tempo entre a produção, distribuição e o consumo, a partir de um determinado período passou a ser considerado como um sistema de administração, que foi chamado pela expressão em inglês de “just-in-time”, ou de produção “no tempo certo”.
O avanço colossal e rápido da tecnologia de comunicações online facilitou a troca de informações entre produtores e consumidores ampliando e aproximando os mercados intra-nação e internacional, gerando mais possibilidades e demandas por transportes.
O "WhatsApp" hoje conecta a tríade entre a produção, circulação, distribuição e o consumo que são monitoradas online. Assim, no Brasil, é o transporte rodoviário que faz a ligação (fluxo) material entre a produção e o consumo que foi negociada pelo fluxo informacional.
Tudo isso passou a exigir sofisticados e ágeis mecanismos de
transportes nos vários modais, desde o rodoviário, ferroviário e marítimo.
Todos profundamente imbricados com o uso do petróleo que fez com que o transporte
fosse aos poucos assumindo uma liderança cada vez maior, no consumo de energia
derivada do petróleo em todo o planeta.
Vale por isso observar que o petróleo é uma mercadoria especial, porque ao mesmo tempo, ela precisa dela própria para se transportar e não por outro motivo ela acaba sendo, como se vê no caso atual no Brasil, aquela mercadoria mais importante em termos de abastecimento.
Todo este processo ajuda a explicar uma parte importante da
evolução do capitalismo desde o comercial, industrial ao financeiro. Este foi se
tornando importante não apenas para financiar a produção, mas também a expansão
da infraestrutura vinculada à logística de transporte e do consumo, capturando ganhos crescente de todas estas etapas.
A importância da atividade de transporte acabou, por ser modernamente
chamada como a "revolução da logística", que quase se transformou numa
ciência específica, profundamente prática com montagem de protocolos, procedimentos integradas à tecnologia.
No Brasil como muito já foi comentado, como um país com
extensão continental, não poderia ter deixado se transformar num modal de
transporte de cargas e pessoas, basicamente rodoviarista, quando se sabe que em
distâncias superiores a 1 mil a 2 mil quilômetros a ferrovia seria mais
eficiente. E acima disso, o modal naval teria mais vantagens.
Esta enorme e potente mobilização contra o preço do diesel no
Brasil atual nos tem apontado várias questões, para além do debate sobre a
política de preços do diesel, como de todas a cadeia produtiva do petróleo e
combustíveis no Brasil.
Por exemplo, nos mostrou que boa parte da nossa alimentação mais rica e natural está perto da gente, mas precisa do transporte para chegar a cada um de nós. Vale também chamar a atenção sobre as condições precárias de trabalho da maioria dos motoristas.
Tornou-se também importante ampliar o debate sobre a questão do modal rodoviário diante de outras possibilidades, mas também seria oportuno discutir os impactos da forma de
organização do trabalho moderno, diante de um mercado disperso e em contante expansão e alta
concentração de renda.
Tudo isto demanda mais e mais transportes, que por sua vez consomem mais combustíveis que são um dos principais insumos desta atividade. Por isto é importante chamar a atenção da relação
biunívoca entre os profissionais de logística (onde estão os caminhoneiros) e o setor do petróleo e seus derivados, área da qual dependem tão diretamente.
Talvez, esta seja na essência, alguma das razões e motivos, para que estas duas categorias profissionais possam vir a
se encontrar, num movimento para além das justas reivindicações setoriais. E assim, pensar na mediação e no estabelecimento de políticas mais amplas para toda a nação.
De uma forma ou outra, o caso também nos lembra que mesmo na sociedade mais tecnologizada, o trabalho humano continua como parte importante da movimentação do sistema.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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