sábado, maio 05, 2018

Análise do discurso sobre o paulicentrismo na política brasileira reconhecida estrategicamente pelo poder militar

Uma matéria da astuta jornalista, Maria Cristina Fernandes, ontem aqui no Valor [1], descreve a troca do Comando Militar do Sudeste, ao lado Ibirapuera, zona sul da capital paulista, na última quinta-feira (03 mai.), e traz em seu bojo outros códigos e sinais que iluminam bastidores da confusão situação política brasileira. As linha e entrelinhas da matéria expõem muito mais do que a informação sobre a presença de candidatos presidenciais no ato militar em São Paulo.

Fonte: CMSE. Sd. De Lima.
Fernandes registra no evento a presença destacada do presidente do Conselho de Administração do Bradesco e da Fecomércio, além de diversos outros presidentes de várias empresas e relata ainda que o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas elogiou “a integração ímpar do comando militar paulista com a sociedade brasileira”.

Porém, o que mais me chamou a atenção foi para a outra parte do discurso do comandante do Exército que mostra o papel central de São Paulo para a superação da “crise que começa a atingir a identidade nacional e enfraquecer nossa essência”.

Assim, a jornalista registra o dado do paulicentrismo que toma conta de toda a política brasileira e da centralidade do poder econômico e financeiro do país destacando outra parte do discurso do general Villas Boas quando o mesmo “exortou São Paulo, “a quem o Brasil deve o processo de modernização –pós-1932”, a assumir a liderança de um “projeto de resgate para o Brasil”.

Como é? Quem teria este “projeto de resgate para o Brasil”? Isto faz relembrar o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) e seu órgão gêmeo IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que unia militares e o setor econômico, nos idos pré-1964, ambos nascidos na ocasião no Rio de Janeiro que detinha esta centralidade. Sobre este assunto veja matéria da revista Isto é, feita por Paulo Sergio Pinheiro e Roberto Pompeu de Toledo, em 8 de abril de 1981 com o título: "A vez dos empresários". [2]

No Brasil do presente, o centro de imbróglio político, berço do impeachment e base do poder econômico e bancos está em São Paulo. Ele se define num paulicentrismo, também, pela sua base antagônica, que tem seus alicerces em São Bernardo do Campo. Ali, em São Paulo se tem os dois polos da disputa política refletindo o paulicentrismo, que o setor militar estrategicamente identifica.

Porém, o discurso do general Villas Boas vai além na exortação e parece já antever propostas estratégicas de ação e de arrasto em termos de bases regionais (como comentei em nota aqui também na quarta-feira sobre divisão política Norte-Nordeste em relação ao Sudeste-Sul e diz mais: "cabe a São Paulo resgatar um projeto para colocar o Brasil em direção à grandeza. Aí estão o Norte e o Nordeste a esperar que São Paulo mobilize as forças nacionais e o sentimento de emergência no país”.

A clareza da fala e o tom do comandante do Exército estão num nível de exortação e proposição bem acima daquela sua mensagem - muito comentada – na véspera do julgamento do Lula no STF interpretada como uma forma de pressão.

Porém, pode-se dizer que na verdade tudo isso não passa de retóricas comuns nos discursos, embora estes fossem mais comum no ambiente da política do que em trocas de comandos militares de um país conturbado.

Há quem tenha enxergado na fala do general um aceno ao ex-governador paulista junto de um estocada no presidenciável de origem militar que tem apoio apenas nas bases. Interpretações e simbolismos à parte, a clareza das exortações torna desnecessário mais pingos e/ou letras e se situam num degrau diverso da Defesa Nacional.


Referências:
[1] Matéria do Valor em 4 mai. 2018, P. A8. "Crise atinge a identidade nacional", diz general. Disponível aqui: http://www.valor.com.br/politica/5501507/crise-atinge-identidade-nacional-diz-general

[2] Reportagem da revista Isto é, publicada em 8 abr. 1981. PINHEIRO, Paulo Sergio e TOLEDO, Roberto Pompeu. A vez dos empresários. Um livro sobre 1964 faz uma avaliação do papel do IPES e revela como o "politburo" de um "partido dos empresários" foi fundamental para a queda de Jango. Disponível aqui: http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R02122.pdf

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