O assunto vem sendo discutido com alguma frequência, embora quase sempre sobre a lógica da modernidade e da necessidade de aumento da produtividade exigida pelas empresas e pelo capital.
A revolução 4.0, a ampliação do uso dos robôs, a utilização dos big-datas junto dos algoritmos, para programações conhecidas como inteligência artificial crescem, no presente, numa forma perceptível e que faz lembrar o Thomas Khum quando este dizia, em seu livro "A estruturas das revoluções científicas" que o rompimento de paradigmas se dá por saltos, percebidos em alguns momentos deste processo. [1]
) diz textualmente que "a automação é boa para o crescimento econômico e ruim para a igualdade". [3]
O texto diz ainda que a evolução dos salários decorrentes destes ganhos de produtividade para os trabalhadores mais qualificados que forem aproveitados nesta onda, poderá facilmente levar gerações.
Ou seja estaria se falando do descompassos dos ciclos. Uma geração tem cerca de 30 anos. Assim duas gerações se poderia estimar em 50 anos (um ciclo longo de Kondratiev).
" (estado de bem-estar-social) está sendo sendo reduzido ou abolido. E onde não havia, nas nações periféricas este processo não acontecerá. Assim, 10% da população viverá bem, enquanto os demais serão sobrantes lutando pela sobrevivência.
Não se trata de ser um ludita (movimento de resistência de trabalhadores na Inglaterra em 1811/1812 se posicionando contra as máquinas quando da primeira revolução industrial) [4], mas é preciso identificar que estas mudanças não são iguais em todo o mundo.
Estas transformações alteram e muito não apenas o conteúdo do trabalho, mas a sua organização, a distribuição espacial (territorial) decorrente desta reestruturação e ainda os processos de urbanização e mobilização dos trabalhadores. [5]
Estes processos tenderão a ser cada vez mais dispersos e fragmentados, mesmo que em redes informacionais e distanciarão ainda mais os qualificados dos desqualificados ampliando as desigualdades sociais que, no estudo foram reconhecidas pelos pesquisadores do FMI.
No Brasil, medidas podem tentar acelerar e aperfeiçoar os processos e programas educacionais como propõe o autor do artigo no
Valor, Lamucci. [3] Mas, é difícil crer que mesmo que sejamos eficientes e superemos as atuais crises políticas, econômicas e sociais se consiga superar as dificuldades de uma democracia capenga e de exceção e um modelo político-econômico excludente.
Difícil imaginar que nesta atual atoada se conseguirá superar tudo isso para impedir um esgarçamento civilizatório ainda maior do sistema. Enfim, republico abaixo o artigo do Lamucci que motivou esta postagem.
A revolução dos robôs e a desigualdade
Os rápidos e impressionantes avanços nas áreas de inteligência artificial e de robótica têm potencial para transformar radicalmente o mundo do trabalho. Nos próximos anos, a automação de muitas tarefas poderá ter efeitos dramáticos na vida dos trabalhadores, como mostra um estudo publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O título dá uma ideia clara das preocupantes conclusões do texto: "Devemos temer a revolução dos robôs? (a resposta correta é sim)".
Segundo os autores, os resultados obtidos são surpreendentemente robustos: "A automação é boa para o crescimento e ruim para a igualdade." No modelo de referência, os salários reais (descontada a inflação) caem no curto prazo e por fim aumentam. A questão é que a elevação dos salários "pode facilmente levar gerações", apontam Andrew Berg e Luis-Felipe Zanna, economistas do FMI, e Edward Buffie, da Universidade de Indiana.
Para o Brasil, um país com baixa produtividade e educação deficiente, o cenário impõe desafios complexos. A baixa eficiência pode deixar o país ainda mais para trás em relação ao que se passa em economia mais produtivas, enquanto os problemas educacionais tendem a dificultar a adaptação dos trabalhadores à nova realidade.
"Automação intensa terá efeito dramático sobre o mundo do trabalho"
O estudo destaca as mudanças em curso causadas pela automação. Em centros de distribuição, robôs conseguem carregar, descarregar e enviar produtos com supervisão humana mínima. Programas de inteligência artificial começam a trabalhar como assistentes jurídicos, contadores e professores assistentes. Em breve, veículos autônomos poderão eliminar milhões de empregos de motoristas de caminhão, ônibus e táxi.
"A premissa do estudo é que nós estamos no meio de um ponto de inflexão tecnológico, uma nova 'era da máquina', em que inteligência artificial e robôs estão rapidamente desenvolvendo a capacidade de fazer o trabalho cognitivo e o trabalho físico de grandes parcelas da força de trabalho", dizem os autores.
Nesse quadro, eles desenvolveram um modelo para analisar as implicações dos robôs sobre crescimento, salários e desigualdade. O trabalho considera o capital "robótico" como distinto do capital tradicional, por sua capacidade de substituir o trabalho humano.
Segundo os autores, com frequência a literatura econômica sobre tecnologia e desigualdade chega a conclusões "essencialmente otimistas". Algumas categorias de trabalhadores e tarefas podem ser afetadas no curto prazo, mas a produção e os salários crescem à medida que novas tecnologias abrem mais oportunidades do que fecham. Se as habilidades da força de trabalho se mantiverem atualizadas, há pouco com o que se preocupar.
"Nós mostramos que desta vez de fato pode ser diferente", afirmam Berg, Zanna e Buffie. Mesmo um pequeno aumento no nível da produtividade dos robôs pode elevar a produção enormemente se as máquinas forem substitutos suficientemente próximos dos humanos. "O mecanismo básico é que a introdução de robôs mais produtivos inicialmente reduz os salários e aumenta o retorno tanto do capital robótico quanto do capital tradicional."
Tudo isso é "muito bom para o crescimento", mas também "muito ruim" para a distribuição de renda, conclui o estudo. Traçando esse quadro preocupante, o trabalho tem como epígrafe uma citação do consultor americano Warren Bennis: "A fábrica do futuro terá apenas dois empregados - um homem e um cachorro. O homem estará lá para alimentar o cachorro. O cachorro estará lá para impedir que o homem toque no equipamento".
Há obviamente quem tenha uma visão mais otimista do que Berg, Zanna e Buffie. O próprio estudo dos três cita David Autor, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), para quem "jornalistas e mesmo especialistas tendem a exagerar a extensão da substituição do trabalho humano por máquinas e a ignorar as fortes complementaridades entre automação e trabalho" que aumentam a produtividade, elevam os rendimentos e fazem crescer a demanda por trabalhadores.
Embora não haja consenso sobre o impacto da automação, é fundamental pensar em políticas públicas que respondam a esse novo quadro. Para os autores do estudo, uma delas "envolve transferências dos proprietários do capital para os trabalhadores, talvez na forma de uma renda básica universal". Essa é uma medida na direção adequada, na visão de Vinicius Carrasco, ex-diretor do BNDES e professor da PUC-Rio. "Implemente a robotização e compense os perdedores", diz ele, para quem é importante avaliar como combinar esses avanços tecnológicos com melhoras na rede de proteção. O ideal seria que os aumentos de produtividade gerassem ganhos suficientes para compensar os perdedores.
Há sinais, porém, de que se caminha na direção contrária: "O populismo, por exemplo, acaba prometendo manutenção de empregos como forma de compensação", afirma Carrasco, citando políticas do presidente Donald Trump, como o protecionismo comercial e medidas anti-imigração. O resultado é que se distorce a economia, sacrificando a eficiência, para tentar preservar empregos. "Isso serve para robotização, abertura da economia ou o que for." Ao mesmo tempo, populistas como Trump pouco se dedicam a promover políticas compensatórias. "O populismo é ludita [hostil a inovações tecnológicas]", diz Carrasco, economista-chefe da Stone, uma empresa de meio de pagamentos.
No ano passado, Bill Gates, da Microsoft, sugeriu a tributação do uso de robôs pelas empresas, para eventualmente desacelerar o ritmo de automação e financiar outros tipos de emprego. Para Carrasco, é uma solução ruim, por inibir a eficiência produtiva. "É como taxar o comércio internacional para preservar empregos locais."
Uma resposta às mudanças causadas pela tecnologia precisa vir por meio da educação. É necessário preparar os trabalhadores para lidar com as exigências de um mundo com grau crescente de automatização. Para o Brasil, com seus graves e crônicos problemas educacionais, é uma questão delicada.
Elevar a qualidade da educação também contribui para aumentar a produtividade, algo fundamental num cenário de intensa robotização. "A agenda para melhorar a produtividade no Brasil já é urgente de qualquer forma; no passo em que estamos e como é mais provável que a revolução se dê de maneira mais intensa fora, a distância em relação ao resto do mundo vai aumentar", nota Carrasco. Esse tema precisa estar no horizonte de quem pretende comandar o país a partir de 2019, ou o Brasil correrá o risco de ficar ainda mais atrasado.
Sergio Lamucci é repórter. E-mail: sergio.lamucci@valor.com.br
Referências:
[1] KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1997.
[2] FMI. Should we fear the robot revolution? (the correct answer is yes). Devemos temer a revolução dos robôs? (a resposta correta é sim). Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2018/05/21/Should-We-Fear-the-Robot-Revolution-The-Correct-Answer-is-Yes-44923
[3] LAMUCCI, Sérgio. Artigo no Valor em 23 de jul. 2018. A revolução dos robôs e a desigualdade. Disponível em: https://www.valor.com.br/brasil/5676939/revolucao-dos-robos-e-desigualdade
[4] Ver sobre os luditas ou movimento ludista no Wikipedia. Disponivel em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludismo/
[5] ALVES, J. E. D. diz sobre a revolução 4.0:
"A atual revolução científica e tecnológica difere
das três anteriores na profundidade e na velocidade das transformações, com
grande impacto no mundo do trabalho. Não se trata mais de lidar com o “gorila
domesticado” de Henry Ford, ou com a recomposição da linha de
montagem do Toyotismo, que busca capturar o pensamento do operário
incorporando suas iniciativas afetivo-intelectuais aos objetivos da produção de
bens e serviços. Os trabalhos que vão surgir serão necessariamente diferentes
dos atuais, não havendo garantias que serão suficientes para compensar os
postos que vão desaparecer, e dificilmente as organizações sindicais atuais dos
trabalhadores conseguirão se manter na nova configuração produtiva, tanto
quanto os chamados “direitos adquiridos”. Haverá uma produção mais maleável,
descentralizada e com flexibilização do processo de trabalho, tanto temporal
quanto físico, além da tendência à “individuação” (a “pejotização” é apenas um
aspecto) e do enfraquecimento do trabalho material, aglomerado e
coletivo".
Entrevista de José Eustáquio Diniz Alves à revista do IHU-Unisinos, em 21 jul. 2018. O marxismo continua atual para a crítica do capitalismo e a denúncia das desigualdades. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/581055-filosofia-marxista-continua-atual-para-critica-do-capitalismo-e-denuncia-das-desigualdades-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves