terça-feira, agosto 07, 2018

Para ajudar a entender a explosão do comércio das farmácias

Há quase um ano, eu escrevi aqui no blog, sobre a expansão e disputa do comércio de farmácias no município de Campos dos Goytacazes, RJ. Na ocasião eu e fiz relação deste fato com o que houve com o setor de eletrodomésticos há algumas décadas, quando redes varejistas nacionais, começaram a ocupar espaços de comércios tradicionais nas cidades de médio porte em todo o país.

O processo agora é similar e ajuda a explicar a estrutura com que funciona o comércio e o varejo em todo o país. Neste período de um ano, o fenômeno se intensificou bastante. Importantes farmácias locais que possuíam até suas próprias distribuidoras estão em vias de se retirar da disputa.

Alguns donos de farmácias nos bairros estão sucumbindo, diante do que chamam de concorrência desleal, que no jargão dos economistas é chamado pela expressão em inglês "dumping", quando se pratica preços irreais para controlar o mercado e depois "nadar de braçadas" jogando os preços em níveis mais altos

Estes pequenos comerciantes dizem que eles dependem dos preços dos distribuidores e assim não têm como enfrentar a concorrência das grandes redes de farmácias que compram direto das fábricas/laboratórios. Os grandes volumes de compra e os enormes prazos que tiram das indústrias farmacêuticas permitem que obtenham preços que não têm como ser combatidos. Os economistas chamam isto de oligopólios.

É importante lembrar que este fenômeno já vem ocorrendo nos últimos anos nas metrópoles e depois nas cidades de médio porte, indistintamente. Não há escolhas exclusivas e sim um plano estudados com dados de população e economia dos municípios e objetivam adiante obter o controle completo dos maiores mercados no país.

A estratégia inicial das redes de farmácia é ganhar o mercado que estava nas mãos de comerciantes locais. O passo seguinte, já em curso, é a disputa entre as redes sobre estes espaços. No momento seguinte, as maiores redes devem se ajustar e passar pontos e o controle de cidades ou áreas delas para controle de uma única rede.

A guerra comercial entre as redes envolve descontos que são decididos nacionalmente e online (no sistema, por dia, ou parte destes conforme as vendas); programas de fidelidade com o uso dos CPFs que alimentam os big-data; invasão de mercados controlados pelos concorrentes e ofertas de alguns serviços simples de saúde.

Interessante ainda observar que os novos pontos de farmácia destas redes são construídos também com empresas de engenharia de fora e muitas vezes também com trabalhadores que rodam o país fazendo as construções, instalações e montagens padrões da rede. Assim, elas empregam pouca gente local nesta fase.

Para entender o tamanho deste mercado de produtos farmacêuticos vale lembrar que o Brasil, se trata do 6º maior mercado do mundo. Segundo a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias) o país possui 24 redes de farmácias que movimentam anualmente quase R$ 50 bilhões. Só no primeiro semestre de 2018, este volume atingiu R$ 22,8 bilhões, que é 7,5% maior do que o de 2017.

Aliás, este índice médio no ano deverá ser maior. O setor deve continuar crescendo em torno de 10% a 15%, percentual maior que a média geral de vendas a varejo no país, o que ajuda a explicar o movimento expansionista do setor que agora avança para um disputa entre as redes, para além da expulsão dos demais comerciantes do setor.

A Abrafarma informa ainda que o total de lojas vinculadas à associação no país, já soma 7.140 com um crescimento, em plena crise de 9,3% em relação à expansão do ano anterior.  Muita gente fala que as farmácias vendem de tudo, ou quase. Porém, esta é uma verdade parcial.

Segundo a Abrafarma cerca de 2/3 de suas vendas são de medicamentos que cresce sempre mais do que os não medicamentos colocados em suas gôndolas. Em termos de unidades vendidas elas somaram também no 1º semestre de 2018, o número de 1,17 bilhão, o que permite deduzir que a compra média de cada cliente estaria na faixa de R$ 19,48. (R$ 22,8 bi/1,17).

Porém, o mais significativo a ser compreendido sobre este processo é observar que o avanço das redes nacionais de farmácia (com o aniquilamento do comércio local), significará que boa parte do lucro obtido na venda dos medicamentos, estará cada vez mais sendo repassado para os donos das redes, que hoje são de propriedade e controle dos grandes fundos financeiros (e bancos).

Ou seja, o donos dos capitais deixaram de ganhar apenas com as grandes indústrias e avançam cada vez mais para a distribuição e comércio de varejos, iniciando pelas capitais, avançando para as cidades médias e a seguir para outras cidades menores, mas com capilaridade para localidades com mercados ainda convidativos.

Enfim, o blog reproduz abaixo o texto da nota publicada há quase um ano sobre o mesmo assunto que complementa algumas questões abordadas acima. O assunto é vasto e vem sendo discutido quase diariamente nas cidades.

A população das cidades brasileiras com idade média maior demanda cada vez mais este tipo de medicamento, o que explica que sejamos hoje o sexto maior mercado do mundo.

As pessoas se espantam com a quantidade de novos pontos de comércio de farmácia que surgem no dia-a-dia, num momento em que vários outros comércios fecham, mas é interessante que incorporem em suas interpretações outras informações, como a forma com que o setor financeiro foi chegando ao varejo das cidades do interior.


sábado, setembro 23, 2017

O setor de farmácias repete processo vivido pelo comércio de eletrodomésticos há duas décadas: ameaças e alternativas para a economia regional

O mesmo movimento que se viu em Campos (e outras cidades de porte médio) há cerca de duas décadas, na área de eletrodomésticos, agora acontece com o setor farmacêutico.

A entrada no comércio local dos grandes grupos que atuavam nas regiões metropolitanas como o Ponto Frio, Tele Rio, Casas Bahia e outros, que foram responsáveis por desmontar o comércio local deste segmento com o fechamento da Icaraí Móveis, Distribuidora Mercantil, Tri Som e outras.

Agora este processo avança para um setor onde a característica de varejo – com pequenas e constante compras - é ainda forte, como no caso da venda de medicamentos e materiais de beleza e perfumaria, como é o caso das farmácias, onde se vende de tudo um pouco.

A invasão das lojas de redes como a Pacheco, Droga Raia e outras, já espreme o segmento varejista local do comércio de farmácias, mesmo aqueles que possuem não apenas lojas, mas uma base de distribuição, como é o caso da tradicional Isalvo Lima, grupo cada vez mais vinculado à área de imóveis e menos à de drogarias.

Este movimento não é um fenômeno local, mas atinge todo o interior, inicialmente nas cidades de porte médio em quase todo o Brasil.

Observa-se assim que o comércio no país é cada vez menos local e mais de massa, com grandes grupos e corporações comandando o varejo em boa parte do país. Tudo isto, sem falar nas vendas pela internet (e-commerce).

No máximo, os interessados em investir nos comércios locais, quase que ficam restritos às franquias de marcas mais conhecidas e com os riscos já conhecidos, para quem se dispõe a colocar suas economias no setor. Neste tipo de alternativa, muita gente vem perdendo dinheiro iludido com as promessas das marcas.

Inicialmente, as comunidades tendem a ver neste processo, uma espécie de sinal de modernidade, pelo acesso a estas marcas, porém, mais adiante percebem que elas embutem outros problemas e riscos.

Desta forma, avança-se na oligopolização também ne varejo, em grande parte do comércio nacional. Os grupos ficam de olho nas economias locais/regionais que ganham algum dinamismo, com o objetivo de capturar seus excedentes que são levados para as metrópoles.

Assim, as economias e os comerciantes locais vão sendo ameaçados por um processo difícil de ser detido. Tratam-se de circuitos distintos da economia que merecem ser investigados. Um é ligado às grandes marcas (e fundos financeiros que são seus controladores) e o outro, “inferior”, cada vez mais empurrado para o comércio informal e marginalizado instalado mais próximo do cidadão.

Em alguns pontos eles se cruzam com o uso das informações digitais e buscam disfarces para fugir dos tributos e das fiscalizações governamentais.

Fato é que este movimento tende, no geral, a enfraquecer as economias locais-regionais e favorecer – com a captura de dinheiro e lucros – os maiores grupos econômicos do país.

A vida na sociedade contemporânea é cada vez mais complexa e o interesse e capacidade de atuação dos grandes grupos é quase avassalador.

O fato chama mais a atenção porque o comércio sempre foi um espaço de atuação da antiga burguesia, num momento pós-rural, nestes negócios de intermediação, que exigia menos investimentos, por exemplo do que a implantação de plantas industriais.

O caso parece ser apenas do comércio, mas ele aponta outras as dificuldades. Analisando mais profundamente este fato, ele mostra que a implantação de projetos regionais de desenvolvimento precisam ser integrados e envolver vários municípios. Será necessário visão de integração regional.

Será necessário um projeto de desenvolvimento regional que vá além do comércio e serviços. Será preciso envolver a produção material (agrícola e industrial), para assim arrastar os demais setores. Sem essa perspectiva, os municípios viverão sempre dependentes.

Não agir pró-ativamente nesta linha reforçará a velha ideia de esperar e estimular os grandes projetos que vêm de fora (exógenos), o chamados “Grandes Projetos de Investimentos” (GPI) que quando acontecem, tendem a se instalar como enclaves, com pouquíssimo diálogo e articulação com as comunidades locais que ficam isoladas.

É preciso investir nas pessoas da região com os recursos que ainda existem e que vão ficar mais escassos adiante quando a Economia dos Royalties tiver se liquefeito.

Mas, fiquemos por aqui com a análise que acaba levantando outras questões que esta postagem quer apenas provocar.

É preciso pensar saídas, num momento em que há um certo vazio, em termos de se pensar alternativas para a diversificação da economia (para além dos royalties do petróleo) e em implantar Políticas Públicas mais eficientes e de interesse do cidadão.

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