Antigas notícias do rio do
Colégio
Arthur Soffiati
Que me conste, a mais antiga notícia
escrita sobre o rio do Colégio foi redigida pelo capitão cartógrafo da
Infantaria Manoel Martins do Couto Reis. Ele foi designado para levantar uma
carta do Distrito dos Campos dos Goitacazes. Para tanto, percorreu a área
correspondente ao atual norte-noroeste fluminense entre 1783 e 1785. Na
verdade, percorreu um pouco menos, pois a zona serrana era quase inacessível por
ainda ser povoada por índios não aculturados, segundo os temores do século
XVIII. Além do mapa, ele redigiu um relatório com preciosas informações (Manuscritos
de Manoel Martins do Couto Reis – 1785. Campos dos Goytacazes: Fundação
Cultural Jornalista Oswaldo Lima, 2011).
Sobre o rio do Colégio, ele deixou
apenas essa nota: “O rio do Colégio ou dos Algodoeiros tem seu nascimento nas
serras que bordam a margem meridional do Paraíba: neste faz barra ao poente do
rio Preto; a sua navegação é igualmente insignificante.” Sua curta descrição do
rio aparece logo em seguida ao registo do rio Preto, que “tem as suas primeiras
vertentes nas vizinhanças do Imbé, passa entre montes e faz barra no Paraíba ao
oeste da Vila de São Salvador. É de pequeno curso e menor navegação. Dele sai
um braço ainda mais limitado que vai desaguar no Ururaí.”
Couto Reis distingue este rio Preto
de outro, que, pela descrição, trata-se do rio Urubu, que corre junto ao rio
Imbé e deságua na lagoa de Cima. Tanto o primeiro rio Preto mencionado pelo
militar cartógrafo quanto o rio do Colégio não apresentam interesse para a
navegação por serem serranos. A utilidade de um rio estava muito associada à
sua navegabilidade, pois havia apenas estradas de terra para percurso a pé e a
montaria. Lembremos que, naquele tempo, não existiam ferroviais e rodovias.
Daí, certamente, a desinteresse por rios total ou parcialmente não navegáveis.
Ambos têm suas nascentes em
pontos elevados da Serra do Mar, conhecida localmente pelo nome genérico de Imbé.
O rio do Colégio corre pela vertente interior dela e desemboca no Paraíba do
Sul. Já o rio Preto tem seu curso na vertente externa (atlântica) da Serra do
Mar. Quando ele alcança a planície aluvial, sua foz se bifurca. Um braço
desemboca no Paraíba do Sul e outro no rio Ururaí, que nasce na lagoa de Cima.
O rio Preto merecerá maior atenção em artigo vindouro. Por ora fiquemos apenas
com o rio do Colégio.
São Fidélis nasceu como aldeia para
catequese dos índios coroados e puris por volta de 1780. No princípio do século
XIX, já havia uma estrada movimentada entre Campos e São Fidélis. Por ela,
passou o príncipe naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, que deixou
uma bela descrição da paisagem encontrada nas cercanias do rio do Colégio. Ele
escreveu: “Após atravessarmos agradável região cheia de aspectos variados,
atingimos a fazenda do Colégio, já ao anoitecer; seguimos, porém, antes que
ficasse completamente escuro, até o pequeno rio do Colégio, que éramos
obrigados a transpor. Os cavalos e burros tiveram que deslizar por forte rampa,
que a chuva tornara de todo escorregadia, e alguns rolaram por ela abaixo. Contudo,
passamos sem novidade a profunda e rápida corrente, embora ficássemos
completamente encharcados. Logo penetramos numa densa floresta, à margem do
rio, que prosseguiu, durante légua e meia, até S. Fidélis. Era, então, noite
fechada e a trilha, muito estreita, passando, muitas vezes, sobre a própria
barranca íngreme do rio, era inóspita e obstruída pela galharia seca e as
árvores tombadas. O soldado, que conhecia bem o caminho, cavalgava adiante, e
constantemente apeava, com o nosso pessoal, para remover os obstáculos, o que
nos obrigou, muitas vezes, a afastar os cavalos a boa distância. Chegamos, por
fim, a uma brusca e profunda ribanceira, atravessada por estreita ponte
constituída por três troncos de árvores. Puseram nela uma série de travessas,
para garantir marcha mais firme aos animais; apesar disso, escorregaram em
várias ocasiões; e alguns quase caíram. Com um pouco de paciência, conseguimos,
felizmente, superar mais essa dificuldade. Nas sombras da floresta, esvoaçavam
inúmeros insetos luminosos, gritavam curiangos, grandes cigarras se ouviam a
extraordinária distância, e a estranha toada de um exército de rãs ressoava nas
trevas noturnas da brenha solitária. Alcançamos, afinal, um campo à beira do
rio, e achamo-nos de repente no meio das malocas dos índios Coroados de S.
Fidélis.” (Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989).
O príncipe alemão representava a
civilização ocidental e transportava em seu íntimo uma vertente da
globalização: a do conhecimento científico. Ele era um grande caçador e
colecionador de animais. Em momento nenhum da sua viagem ao Brasil, entre 1815
e 1817, ele falou na necessidade de proteger as maravilhas da natureza que
encontrava. É de se supor que brasileiros e europeus julgavam que os ecossistemas
nativos do Brasil eram inextinguíveis e não careciam de proteção.
2 - Foto aérea da desembocadura do rio do Colégio no Paraíba do Sul
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Antônio Moniz de Souza, naturalista amador sergipano, em suas viagens pelo Brasil, deteve-se em Campos nos anos de 1827 e 1828. Partindo da vila (pois só foi elevada à condição de cidade m 1835), ele subiu o rio Muriaé até onde possível, o rio Paraíba do Sul e visitou a lagoa de Cima, deixando informações preciosas (Viagens e observações de um brasileiro. Salvador: IGHB, 2000). Sobre o rio do Colégio, ele fez um pequeno registro: “Também se encontra do mesmo lado (margem direita do Paraíba do Sul) um córrego chamado do Colégio na foz do qual, e mesmo à borda do Paraíba, está uma engenhoca de vapor de serrar madeiras no que faz de rendimento anualmente cinquenta e tantos contos sujeitos à despesa.” Moniz de Souza confirma informação de Hermann Burmeister quanto ao rio Pomba (Viagem ao Brasil através das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte/Itatiaia; São Paulo/Edusp, 1980), que passou pela Aldeia da Pedra (atual Itaocara) em direção a Minas Gerais em meados do século XIX, sobre o desmatamento do futuro Noroeste fluminense. A destruição das florestas já caminhava a passos largos nas serras do Mar e da Mantiqueira.
Em 1837, foi a vez do Major Henrique
Luiz de Niemeyer Bellegarde. Ele deixou um relatório em que registra brevemente
a existência do rio do Colégio. Esse documento tinha por finalidade examinar o
estado das estradas da região e propor melhorias para elas (Relatório da 4ª
Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva
diretoria em agosto de 1837. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. F. da
Costa, 1837). Abordaremos em outro artigo as propostas do major para a estrada
de Campos a Cantagalo passando por São Fidélis.
3 - Trecho final do rio do Colégio
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Por fim, o francês J.C.R. Milliet de
Saint-Adolphe, no precioso Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do
Império do Brasil, publicado em 1863 (Paris: Vª. J-P. Aillaud, Guidard e Cia),
apenas registra Algodoeiro como “pequeno território do distrito de Campos, na
província do Rio de Janeiro, que nos antigos tempos havia sido plantado de
algodoeiros, donde lhe veio o nome que tem.”
Couto Reis, em 1785, informa que o
rio do Colégio também era conhecido como Algodoeiros. Sabe-se que o empresário
Francisco Ferreira Saturnino Braga publicou uma série de artigos no Monitor Campista com o título geral
de “Do algodoeiro e sua cultura” (Campos: 8, 9 e 10 de março de 1883),
estimulando o plantio de algodão. Ele mesmo deu o exemplo cultivando a fibra e
montando uma fábrica de tecido em Campos. Sabe-se da existência de famosa
algodoeira em São Fidélis. Haveria alguma relação entre o rio dos Algodoeiros,
Saturnino Braga e a atividade de beneficiamento de algodão em São Fidélis?
Trata-se de um tema para pesquisa.
4 - Algodoeira de São Fidélis
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Um comentário:
Muito interessante esse relato . É sempre bom ler a respeito dos desbravamento do interior do Estado do Rio.
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