quarta-feira, janeiro 02, 2019

O engodo da economia do compartilhamento, retrato da uberização e airbnbização!

Uberização foi o título que deram no Brasil ao livro do britânico-canadense Tom Slee. Trata-se de um pesquisa empírica de fôlego, sobre a realidade da economia do compartilhamento que não passa de um processo de oligopolização e de centralização de recursos que é sugado pelas mãos de grandes fundos financeiros globais com o uso das plataformas como Airbnb, Uber e outras.

Segundo Slee, três tipos serviços dominam o que se entende por Economia do Compartilhamento: hospedagem (43%); transporte (28%) e educação (17%) – p.43. Os demais são periféricos em termos de interesses do capital. Todos começaram com ideias de coletivização e foram capturados pelos interesses econômicos dos fundos financeiros.

O Uber, que segundo o autor nem quer ser visto como economia de compartilhamento e sim uma empresa-plataforma que conectaria donos de carros a interessados em transporte, é o atual campeão em captações de capital dos fundos que chegariam a mais de US$ 70 bilhões (p.101); o Airbnb US$ 2,3 bilhões, o Lyft (transportes), US$ 1 bilhão.

Impressionante são os argumentos listados pelo autor nas interpretações do fenômeno. Segundo ele, hoje, essas plataformas não têm mais nenhum vínculo com a ideia de compartilhamento e sim com a centralização dos lucros.

 As plataformas ficam como taxa de administração com percentuais que variam entre 20% e 30%. Assim, elas vão vampirizando as economias locais centralizando-as, sob o controle dos CEOs escolhidos pelos fundos financeiros.

O livro “Uberização: a nova onda do trabalho precarizado” utiliza-se de uma fartíssima base documental (expostos em centenas de rodapés ao longo do texto). O livro- pesquisa merece ser lido por todos. Em especial, pelos que ainda se iludem pelas ideias de um novo mundo compartilhado socialmente.

Os métodos usados pelos gestores dessas plataformas desmentem os ideais de compartilhamento. Compra de estudos e decisões de governo a favor dos seus interesses. Manipulação dos colaboradores que desconhecem as programações e os algoritmos das plataformas. Ameaças a jornalistas que questionam práticas e resultados, etc.

O Airbnb que começou se apresentando como uma forma de compartilhar cômodos de uma moradia, hoje já possui mais de ¾ do seus inscritos, como sendo proprietários de vários imóveis. Isso está modificando os centros das cidades mais visitadas do mundo.

Moradores estão sendo expulsos dessas moradias pelos proprietários interessados no aluguel por curtos períodos, bem mais rentáveis. Assim, os centros perdem suas características de moradores locais e viram espaços quase que estritamente de turistas. Isso fez os fundos imobiliários ampliarem suas aquisições de imóveis, elevando os preços dos mesmos que ficam mais pesados para quem ali reside e trabalha.

Assim, a plataforma Airbnb consegue passar por cima das regulações municipais, plano diretores, etc. As resistências são engolidas pelo forte poder econômico-político que as plataformas dispõem com a contratação dos maiores e mais influentes escritórios de advocacia.

O autor chama a isso de “área nebulosa de tolerância”. Eles ganham na escala que ligam proprietários (fundos) – anfitriões profissionais – aos turistas, tornando as cidades como espaços que afugentam os locais e suas culturas que seriam partes dos interesses até dos visitantes.

A eficiência dessas plataformas conseguiram pela “coincidência” dos mesmos proprietários, construir um acordo tácito com as grandes redes de hotéis. Assim, os penalizados são os donos dos pequenos hotéis e pousadas, a “parte humana da indústria do turismo”.

No caso das plataformas de transportes, os casos são inúmeros. Eles também mexem com as cidades porque o dinheiro que antes das licenças e impostos que ficavam nas cidades hoje migram para os donos bilionários das plataformas com os 25% cobrados.

Cada vez mais taxas são incorporadas para os colaboradores-associados, aproximando, contraditoriamente, a realidade do trabalhador desses serviços aos dos táxis que apagam alvarás, com a diferença que esse dinheiro vai para as sedes da empresa, instalada em paraísos fiscais. Ao final, a onda precarizante dos trabalhadores desses serviços, atinge a todos: uberistas e taxistas.

Os algoritmos dessas plataformas não são conhecidos por ninguém fora de suas administrações. O autor fala em “fraudes no sistema” para enganar autoridades públicas das cidades (p.132); para controlar e criar dificuldades para os motoristas que trabalham em mais de um aplicativo; e para o usuário que - sem saber - tem o preço da estimativa da corrida majorada, toda vez que os algoritmos do sistema identificam o seu smarphone com pouco % de bateria. 

Para manter e agradar ao motoristas o Uber também dá dicas de como driblar as leis (p.137), ao mesmo tempo que passaram a impor limites de idade (50 anos, p.121) em muitos dos seus principais mercados.

Essas plataformas ao não pagarem impostos como os outros serviços promovem um rentismo que é capturado pelo andar de cima do capital, pelos donos dos dinheiros. Uma renda marginal e pouco percebida ou rastreada, ampliando a financeirização que depende da vampirização do trabalho real para aumento da riqueza, só que concentrada.

Um rentismo ampliado dos alugueis e marcas das plataformas que sai de junto da gente para se juntar ao capital dos donos dos dinheiros, fingindo ser um novo mundo digital, que ao invés de compartilhar aumenta a apropriação dos lucros e das cidades.

Assim, vai tornando próximo do real, o desejo do capital para uma “sonegação legalizada” e de de quase monopólio (ou oligopólio), ao eliminar concorrências pela força do sistema que une desempregados-sobrantes do sistema contra os governos e a política, desconhecendo que o estado de bem-estar-social depende da contribuição de todos. Nesse processo, o que mais me chama a atenção é a forma como a financeirização está capturando tudo ao nosso redor.

Em suma, em sua maior contradição as plataformas promovem não a coletividade e a economia do compartilhamento, mas a individualização do salve-se quem puder na lógica da fábrica do sujeito que se faz por sim mesmo que amplia seu reinado entre nós.


PS.: Referência do livro: SLEE, Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. Tradução de João Peres; notas de edição Tadeu Breda, João Peres. São Paulo : Editora Elefante, 2017. Título Original: What’s Yours Is Mine: Against The Sharing Economy.

PS.: Atualizado às 13:02: para breve acréscimo no texto.

Nenhum comentário: