Nesse artigo Soffiati visita textos de quem conheceu ou descobriu a região no século XVI como parte de um movimento maior de expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados quando as informações começaram a ser reunidas em mapas e cartas náuticas que orientavam os exploradores e colonizadores em suas buscas de riquezas e mercados.
A partir de suas pesquisas históricas, Soffiati intui que já ali, naquele período, o norte fluminense passaria a ter menor interesse, por parte de nossos colonizadores, em relação a outras áreas do litoral brasileiro. Os registros comentados pelo autor sobre a história da geografia da região é muito interessante.
Vale conferir e conhecer um pouco mais dessas investigações no campo da história ambiental regional. Outros artigos e texto do Soffiati sobre a eco-história da região que envolve o sul capixaba e o norte e noroeste fluminense podem ser acessados em duas seções no lado direito do blog.
Vale conferir e conhecer um pouco mais dessas investigações no campo da história ambiental regional. Outros artigos e texto do Soffiati sobre a eco-história da região que envolve o sul capixaba e o norte e noroeste fluminense podem ser acessados em duas seções no lado direito do blog.
O norte fluminense num antigo
roteiro náutico
Arthur Soffiati
Foi intensa a atividade cartográfica europeia nos séculos
XV e XVI. Navegantes dos países ibéricos, principalmente, mas também italianos,
holandeses, franceses e ingleses lançavam-se no oceano Atlântico rumo às Índias
para alcançar as caras mercadorias orientais que chegavam à Europa pelas mãos
de muçulmanos e venezianos. Cumpria romper esse monopólio alcançando os centros
produtores diretamente. E era necessário orientar-se por mapas e roteiros.
A tese sustentada por Cristóvão Colombo era alcançar o
oriente navegando em direção ao ocidente, pois a terra sendo redonda permitiria
alcançar o ponto oposto ao de saída. Assim, ele chegou à América, que acabou
sendo batizada de Índias Ocidentais. Logo a seguir, Vasco da Gama atingiu a
Índia contornando a África e alcançando o oriente, denominado pelos europeus de
Índias Orientais.
Vasco da Gama coroa um trabalho paciente de vários
navegantes portugueses no século XV, como mostra Jaime Cortesão em “Os
descobrimentos pré-colombianos dos portugueses” (Lisboa: Portugália, 1966).
Pouco a pouco, os lusos avançaram pela costa atlântica e índica da África até a
viagem de Pedro Álvares Cabral, em 1500, que não deve ser vista isoladamente
como se estuda ou estudava nas escolas, mas parte de um movimento maior de
expansão do capitalismo europeu pelo mundo em busca de mercados.
A produção de cartas náuticas e de mapas conheceu um
esplendor no século XVI. Aos mapas-múndi da civilização greco-romana, foram
elaborados novos mapas em que aparecia o continente americano. Cantino foi o
primeiro a elaborar um mapa-múndi com a América, em 1502. Muitos outros foram
desenhados depois. Acontecia de cartógrafos serem navegadores e desenharem
mapas com conhecimento de primeira mão. Havia aqueles que partiam de mapas já
desenhados para enriquecê-los. Havia ainda os cartógrafos que traçavam mapas
falados, como se fazem retratos falados pela polícia.
Houve poucos casos interessantes de navegadores que
redigiam roteiros sem mapas ou acompanhados por mapas. Não devemos confundi-los
com os diários de bordo, a exemplo de Antonio Pigafetta, que acompanhou Fernão
de Magalhães na primeira viagem de circunavegação do mundo (“A primeira viagem
ao redor do mundo”. Porto Alegre: L&PM, 1997) nem com o diário de Pero
Lopes de Sousa, que fazia parte da tripulação do navio de Martim Afonso de
Sousa, seu irmão, entre 1530-32 (“Diário de Navegação”. Cadernos de História,
volume I. São Paulo: Parma, 1979).
Luís Teixeira é
autor de um trabalho entre a cartografia e o diário de bordo. Ele redigiu um
roteiro dos sinais que encontrou nas costas do Brasil entre o cabo de Santo
Agostinho e o estreito de Magalhães. Seu título original é “Roteiro de todos os
sinais, conhecimentos, fundos, alturas e derrotas que há na costa do Brasil
desde o cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães”. Como
foi encontrado na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, é também conhecido como
“Roteiro da Ajuda”.
A obra integra um roteiro manuscrito de parte da América do
Sul e treze cartas e plantas coloridas de núcleos urbanos. Consta também de uma
carta naval da América do Sul com uma grande legenda em seu canto superior
esquerdo. Nela se lê: “A terra do Brasil é a que parte a linha vermelha desta
do Peru a qual linha é a demarcação que os reis de Castela, os católicos dom
Fernando e dona Isabel e El-Rei Dom João II de Portugal fizeram no
descobrimento geral. As capitanias que vão repartidas por linhas vermelhas são
mercês que os reis de Portugal D. Manuel e D. João seu filho o terceiro deste
nome fizeram a homens que muito bem os serviram no descobrimento e conquista
das Índias Orientais: a que diz de Sua Majestade foi de Francisco Pereira
Reimão que, morrendo e ficando sem herdeiros, ficou à Coroa, nesta está a baía
de Todos os Santos e cidade do Salvador, onde assiste o governador e o bispo.
Todas as mais são vilas exceto a cidade de São Sebastião no Rio de Janeiro,
capitania de Pero de Gois a qual cidade foi tomada aos franceses pelo
governador Mem de Sá.
As melhores e mais ricas destas capitanias são a de Sua
Majestade e a de Jorge de Albuquerque. Estas são as que mais engenhos têm de
açúcar; e assim tem mais trato de mercadores. Tem cada uma destas capitanias
pela costa do mar 50 léguas e, para o sertão tanto, até chegar à linha de
demarcação como repartição delas se vê é povoada de gentio da terra do Brasil
toda de portugueses quanto dizem as capitanias e somente há costa do mar, e
quando muito 15, 20 léguas pelo sertão é muito povoada de gentio da terra. Tem
muitos mantimentos. Em parte dela há ouro, assim de minas como de lavagês (?)”
1 - Carta
geral da América do Sul por Luís Teixeira, c. 1586
Segundo Jaime Cortesão em outro livro
(“História do Brasil nos velhos mapas”, 2 volumes. Rio de Janeiro: Ministério
das Relações Exteriores, 1965) “... a carta geral de Luís Teixeira, que devemos
datar de cerca de1586, representa não só um grande avanço sobre a carta de
Bartolomeu Velho, mas ficou pertencendo ao número dos mais notáveis monumentos
da cartografia portuguesa de Quinhentos.”
Para o almirante
Max Justo Guedes, reconhecido especialista em cartografia, parece não haver
dúvida de que o roteiro foi escrito pelo cartógrafo entre 1573 e 1578,
acompanhado de desenhos de 1586. O original está na Biblioteca da Ajuda, em Portugal,
e foi publicado no Brasil com o título simplificado de “Roteiro de todos os
sinais na costa do Brasil (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968)
como homenagem ao quinto centenário de nascimento de Pedro Álvares Cabral. A
publicação foi fac-similada, com reprodução em letras atuais ao lado do
original manuscrito, o que torna difícil a leitura por quem não conheça
minimamente a grafia portuguesa do século XVI. Auxiliam muito os comentários de
Max Justo Guedes.
Para nossos fins, apenas os trechos relativos ao
território que denomino, com fins de estudos, de ecorregião de São Tomé (entre
as desembocaduras dos rios Itapemirim e Macaé), merecerão atenção. Atualizei as
palavras e a grafia para melhor entendimento do leitor. Primeiro, transcrevo os
registros de Luís Teixeira antecedidos pelas iniciais LT. Os comentários de Max
Justo Guedes são precedidos das iniciais MJG. Minhas observações também vêm precedidas
das iniciais AS. Assim, o texto é examinado em três camadas: LT, MJG e AS.
2 - Escrita de Luís Teixeira
LT. “... a terra tem umas
serras muito altas na orla do mar. Todas de arvoredos, a primeira serra destas
é uma montanha alta e grossa e, como for ao sul dela, logo lhe verei uma silha
ou coisa como esta. E no pico mais alto, ao pé dele para a banda do mar, deste
tem outros dois montes e discorrendo para baixo contra o sudoeste está outro monte
redondo à orla do mar todos de arvoredos.
E o primeiro monte destes é um monte alto e grosso que estará do dito
monte cerca de 3 léguas (quanto à vista pouco mais ou menos). E junto deste
monte ao pé há outro monte pequeno agudo. E da outra banda até uma légua há
outros dois montinhos pequenos. E toda orla é muito chã e cheia de arvoredos. E
estes sinais verei quando quer que estiver os ditos montes ao sudoeste. E esta
montanha grande que digo que ficava mais para a banda do nordeste se chama
serra de São Tomé. E dos ditos montes para a banda de sudoeste estão muitas
serras e montes altos os quais estão na altura de 21º graus largos. E quando
estiver tanto avante como os ditos montes olharei para o sudoeste e verei um monte
redondo como de trigo, e tem um pico agudo em meio e sai mais ao mar que nenhum
outro. E toda esta costa é muito limpa para poder surgir porque é toda
parcelada de areia e tem de fundo 25, 30, 40 braças. E poderei chegar à terra até
5, 6, 7, 8 léguas e quando andar de longo da terra andarei uma praia muito
grande de areia.”
MJG. “Ao descrever a orografia
da região do paralelo 21º S o autor do ‘Roteiro da Ajuda’ enumera tal número de
montes e serras que, à primeira vista, parece impossível a identificação. No
entanto, a leitura atenta do texto permite, senão a cabal associação dos
acidentes descritos aos existentes, ao menos o reconhecimento dos mais
conspícuos. Não é difícil identificar a serra de São Tomé com a atual serra do
Itapemirim e as ‘muitas serras e montes altos os quais estão em altura de 21º graus
largos’ a sudoeste de São Tomé constituem a atual serra de Itabapoana. A ‘Silha
ou coisa como esta’, ao sul da que identificamos como ‘do Itapemirim’ é, obviamente,
a serra do Pico, entre ela e a costa. Os dois picos, Freira e Frade, devem ter
dado ao roteirista, a impressão de ‘silha’. O ‘monte redondo como de trigo com
um pico agudo em meio’ que ‘sai ao mar mais que todos os outros’, só pode ser o
morro do Agá (332 m) que o ‘Roteiro – DHN’
diz ser ‘facilmente reconhecível por sua forma cônica e por se achar isolado
junto ao mar’.
AS. No tempo de Luís Teixeira,
ainda não havia precisão em definir coordenadas. Na época de Max Justo Guedes,
elas já eram precisas. Talvez tenham ficado mais ainda com os meios
eletrônicos, pois, no “Google Earth”, o paralelo 21º S passa pouco ao norte da
foz do rio Itapemirim, que tomo como um dos limites do que denomino Ecorregião
de São Tomé. Com essa informação, devemos descartar as serras do Itapemirim, do
Pico, do Frade e a Freira e o monte Agá, que já ficaram para trás. Ao olhar
para o interior, Luís Teixeira divisaria da costa as montanhas esculturais do
sul do Espírito Santo e do norte do Rio de Janeiro.
Confesso não conhecer alguma serra com o nome de
Itabapoana. As “serras muito altas na orla do mar” parecem corresponder às
falésias de tabuleiros que dominam a costa entre os rios Itapemirim (ES) e
Manguinhos (RJ). No século XVI e por muito tempo ainda, toda essa costa era
coberta de florestas. Correndo ao largo dessas falésias, o navegante poderia
ver serras do cristalino, como a Pedra Lisa, o morro do Baú e o morro do Coco.
Quanto à Serra de São Tomé, era o nome dado ao pequeno e baixo maciço do
Itaoca, visto por quem passasse pelo cabo de São Tomé. Quando Luís Teixeira
produziu seu roteiro, a serra de São Tomé já estava presente na cartografia
europeia, correspondendo ao morro do Itaoca. Registro minha estranheza com a
localização de Luís Teixeira da serra de São Tomé em ponto tão distante. Minha
estranheza é a mesma com relação ao comentário de Guedes, pois Luís Teixeira já
contava com uma grande tradição cartográfica. Vários acidentes por ele apenas
descritos já estavam batizados.
3 - Falésias de tabuleiros no sul
do Espírito Santo
LT. “e junto com o monte que
sai ao mar mais que todos os outros, há uma ilhota que parece poço sem a ver”.
MJG: “A observação da Carta
Brasileira nº 1400 mostra ser ela a ilha do Francês, na extremidade meridional
da baía de Benevente, a cerca de 2 milhas da costa e a ela ligada por um baixo.”
AS: Como já assinalamos, Luís
Teixeira se refere à costa do mar ao sul do paralelo 21º S, que quase toca a
foz do rio Itapemirim. A baía de Benevente ficou para trás a esta altura.
Tampouco ele se refere a uma ilha ligada ao continente por um cordão arenoso,
fenômeno atualmente conhecido como tombolo, ou seja, uma ilha capturada por uma
língua de areia, como a restinga da Marambaia. No século XVI, ela ainda podia
estar isolada do continente, ligando-se a ele posteriormente. No paralelo
21º07’ S, num ponto em que um pequeno cabo pouco acima da lagoa das Pitas faz a
costa infletir para sudoeste, há um conjunto de ilhas quase a flor do mar que
deveriam ser mais aparentes no século XVI, pois que derivadas da erosão das
falésias de tabuleiros.
LT. “Da banda do noroeste
atrás há outras duas ilhotas de pedra, muito rasas como o mar”.
MJG: “Ainda na mesma Carta
Brasileira pode ser feita a identificação. São as ilhas Piúma, no interior da
baía de Benevente.
AS: As ilhas mencionadas pelo
estudioso estão praticamente encostadas no continente, num ponto muito raso e
perigoso para a navegação. No conjunto de ilhotas resultantes de erosão
costeira, há algumas que deveriam ser mais visíveis no século XVI. Parece que a
dimensão temporal não foi considerada por Guedes. As ilhas de tabuleiros
poderiam perfeitamente ser confundidas por pedra.
4 - Ponta do Retiro em São
Francisco de Itabapoana. Foto de Wellington Rangel
LT. “E como for lesueste ou
esnoroeste desta ilhota maior. E olharei contra o nornoroeste e verei as outras
duas pequenas, e se olhar contra oeste, verei um monte afastado um pouco do mar
muito alto a pique”
MJG: “O morro Bobo, que
aparece nesta posição (levando-se em conta a declinação magnética da época), é
o referido pelo roteirista”.
AS: na direção apontada pelo
navegante, há um morro com altitudes acima de mil metros.
LT. “... e mais à banda do sudoeste
verei uma montanha muito grossa e alta que não se mete entre ela e o mar senão
terra chã cheia de arvoredos”.
MJG: “O morro do Garrafão (910
m) satisfaz plenamente a esta descrição, como pode ser verificado na Carta 1400
e no ‘Roteiro – DHN’, pois eleva-se completamente isolado no meio da planície.”
AS. Luís Teixeira deve estar
passando na costa da restinga de Marobá, no extremo sul do Espírito Santo. Trata-se
da menor restinga da Ecorregião de São Tomé, encravada numa antiga enseada de
tabuleiros. No século XVI, devia ser toda coberta de vegetação de restinga,
hoje bem reduzida. Na sua ponta sul, desemboca o rio Itabapoana. Luís Teixeira
ainda não deve ter alcançado a costa da planície fluviomarinha do norte
fluminense. Ao fundo, as elevações no planalto cristalino não têm muita altitude,
mas podem ser vistas do mar. Se essa pedra coincidir com o morro do
comentarista, o salto dado na análise dele terá sido descomunal.
LT: “... e mais adiante pela costa
além do dito monte que sai ao mar, verei um monte muito alto e muito agudo com
cerca de 6,7 léguas adiante, e este verei se andar 4 ou 5 léguas da terra o
qual monte está em altura de 21° graus e ali fenecem todas as serras grandes
que vêm da banda do nordeste.”
MJG: “Veja-se o ‘Roteiro – DHN’
(I, pág. 360): ‘O morro Baú, grossa montanha de cimo achatado, em cuja escarpa
W se eleva um obelisco muito notável, denominado Pedra-Lixa (1.150 m). Este
apresenta, principalmente quando a SW, o perfil de um quepe com penacho;
aumentando a marcação o penacho desaparece, para só deixar visível uma grossa
montanha isolada, ‘que é a última que se vê ao N’” (grifo do comentarista).
AS: Parece que os ponteiros do
relógio de Max Justo Guedes estão se regulando aos do meu. Estamos ambos de
acordo que se trata da Pedra Lisa, tratada por ele de Pedra-Lixa, talvez pela
lisura de seu pico. Se eu estiver certo, Guedes pulou do paralelo 20°50’ para o
21º S. Vim acompanhando Luís Teixeira passo a passo e cheguei, sem nenhum
salto, no mesmo ponto em Guedes chegou, ao que parece pulando um grande trecho
costeiro.
LT. “... e dali começa outra
terra chã que tem alguns montes agudos e altos e dali aparece outra montanha
grande e muito alta e grossa que está em 22 graus que se chama a serra de Santo
André”.
MJG: “Ao cabo da interrupção
que vimos existir após o morro do Baú, inicia-se outra série de serras que correndo a SW vai se unir às terras altas
do Rio de Janeiro; a primeira delas é a serra da Onça, na margem esquerda do
rio Paraíba, em sua junção com o Muriaé; tem cerca de 1400 metros de altitude e
apresenta três elevações distintas. É isolada e bem característica” (‘Roteiro –
DHN’, I, pág. 362). Julgamos ser esta a serra que o ‘Roteiro da Ajuda’ (e só
ele, ao que saibamos) chama de Santo André. Segue-se-lhe a serra das Almas, que
começa na margem direita do Paraíba e vai se unir à serra dos Órgãos.’
AS. Não tenho dúvida de que a
serra das Almas mencionada por Guedes trata-se do primeiro segmento da serra do
Mar, que se estende de Santa Catarina à margem direita do rio Paraíba do Sul,
nas proximidades da cidade de Campos dos Goytacazes. Serra dos Órgãos é um nome
local da Serra do Mar no sul fluminense. No norte fluminense, o nome local é
serra do Imbé. Na margem esquerda do rio Paraíba do Sul, as elevações do
terreno são baixas. As principais são as serras do Sapateiro, São Luís e Onça.
Esta se localiza a 21°31’ S e alcança em torno de 400 m. Concordo com Guedes
que ela pode corresponder à serra de Santo André.
LT. “... em que há uma
restinga que entra dentro no mar 3 ou 4 léguas e é todo banco de areia e
dar-lhe-ei aquele resguardo que me parecer que logo verei na serra de Santo
André um pico muito alto como um castelo e este é o melhor conhecimento que se
tem. Há muito bom mar para surgir, muito limpo de areias e assim mesmo fica da
banda do nordeste uma montanha muito grande e muito grossa com um pico muito
agudo e delgado todo. À orla do mar arvoredos de palmas e de outras maneiras de
árvores. E defronte desta montanha grossa que se chama de Santo André, há duas
ilhotas que aparecem porque estão. E em uma há água. E em outra não.”
MJG. “Veja-se o que diz do
famoso banco de São Tomé o ‘Roteiro – DHN’: ‘Ao largo do cabo de São Tomé está
situado o banco de São Tomé, alto-fundo de areia que na distância de cerca de 2
milhas da costa, na latitude do farol de São Tomé, desta para e por cerca de 9
milhas, tendo sua maior largura cerca de
2 milhas. Constituído de areia fina, apresenta alguns cabeços, dos quais o
menor, situado na parte W, tem 3,3 metros (I, pág. 362)’. Como vemos, foi
notável a precisão do roteirista dos quinhentos, pois orçou em 9,6 a 12,8
milhas (3 a 4 léguas) o comprimento do banco, que tem hoje 9 milhas; deu-lhe,
outrossim, a constituição (‘é todo banco de areia’).”
“Diz o ‘Roteiro
– DHN’ que na serra das almas já mencionada o ‘pico do Frade... é o único que
se destaca da serra de igual elevação; ele tem uma das faces a pique e 1620
metros de altitude (I, pág. 364)’. Cremos que esta descrição do Frade
caracteriza perfeitamente o ‘pico muito alto como um castelo do ‘Roteiro da
Ajuda’”.
AS. Quanto ao cabo de São Tomé
e o banco de areia dentro do mar, que resultou de um longo processo de erosão,
Teixeira, Guedes e eu estamos de acordo. Considero estranho que Luís Teixeira
não tenha reconhecido o cabo pelo nome, pois ele está assinalado e nomeado na
sua carta de 1586. Moacyr Soares Pereira, em “A
navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio” (Brasil: ASA Artes Gráficas,
1984), escreve: “Cavério e os outros dois mapas (de Kunstmann II e de Maggiolo)
somente consignam uma serra à altura do Cabo de São Tomé atual, no estado
(atual) do Rio de Janeiro, a ‘Serra de Sam Tomé’, nome por que logo ficou
conhecido o cabo existente no sítio onde a costa sofre brusca inflexão para
oeste-sudoeste. Faz sentido que a(s) elevação (ões) vista(s) ao fundo do cabo,
no continente, fosse(m) o morro do Itaoca (com cerca de 400 m de altura) e a
serra do Imbé, ainda mais distante. Eu não me arriscaria a buscar precisão em
Luís Teixeira quanto a essas elevações.
5 - Cabo de São Tomé
Quanto às
ilhotas, MJG escreve: “São elas as ilhas de Santana, fronteiriças à ponta de
Imbitiba, grupo formado por duas ilhas ou três ilhotas, a maior delas com 141 m
de altitude a visível a 20 milhas”.
AS. Da minha parte, estranho
que Luís Teixeira não tenha identificado pelo nome o arquipélago de Santana,
ponto de parada obrigatória de navegadores europeus que se dirigiam a Cabo Frio
ou à baía do Rio de Janeiro. Jean de Léry, antes dele, e Gabriel Soares de
Sousa descreveram o conjunto de ilhas com bastante precisão. A identificação do
pico do Frade parece correta.
LT. “E terei aviso que me não
prolongarei da terra ao sul cerca de 3 ou 4 léguas que me pareça da terra em
torno de 12 léguas ao mar”.
MJG: “Diz o ‘Roteiro – DHN’, confirmando
cabalmente esta advertência do roteirista da Ajuda: ‘do cabo de São Tomé até a
ponta de Imbitiba, numa extensão de cerca de 50 milhas, a costa é extremamente
baixa e arenosa e tem a direção geral de WSW’. Sendo ‘extremamente baixa’, é
lógico que o navegante avisado pareceria estar mais distante.”
AS. De fato, do cabo de São
Tomé à ponta de Imbitiba, na foz do rio Macaé, a costa é toda de restinga, numa
grande extensão por não haver nenhuma interrupção. Ainda não existia a vala do
Furado. Também não se tem certeza de que a lagoa de Carapebus era um rio que
mantinha sua barra permanentemente aberta.
Começamos a análise do “Roteiro da Ajuda”, de Luís
Teixeira na foz do rio Itapemirim e a concluímos na foz do rio Macaé, os
limites supostamente estabelecidos da Capitania de São Tomé e da ecorregião de
São Tomé. E sem dar saltos. E a conclusão é a desconhecimento ou de interesse
da costa que se estende do rio Itapemirim ao rio Macaé. Ela era e continua sendo
constituída por terras sem portos naturais, como enseadas e fozes protegidas
(algo que deveria ser observado pelos construtores dos píeres do canal da
Flecha, em Barra do Furado, do Porto do Açu e da praia artificial de Marataízes.
Em comparação com as terras da Bahia para o norte e de Cabo Frio para o sul, o
trecho costeiro que examinamos não parecia contar com riquezas facilmente
encontráveis, como pau-brasil e metais preciosos. Além do mais, pairava sobre
ela o mito de que era habitada por índios ferozes. A única experiência de
colonização europeia do século XVI foi a de Pero de Gois, sabidamente
fracassada.
6 - Baía do Rio de Janeiro
(Guanabara) em carta de Luís Teixeira
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