O texto do Ion de Andrade aqui, no portal GGN do Nassif, levanta questões importantes para enfrentar a conjuntura que nos trouxe até à quadratura atual.
Mais do que uma frente, há que se organizar temas para a resistência que sustentem os princípios da democracia. Sem ela iremos para a guerra civil que interessa a quem ocupou o poder.
As oposições (sim, no plural, na medida que não há um único projeto) deverão ter alianças táticas na defesa do que é comum. Melhor seria uma única força, mas não há que se ficar desejando o que hoje não é possível.
Evidente que a defesa das condições de trabalho, da previdência e os espaços institucionais é uma das pautas para uma luta comum entre as oposições e devem assim buscar aliados mais amplos.
Por elas é possível construir, na prática, coalizões convergentes para defender a democracia e o garantir o máximo possível do mínimo que chegamos a obter de condições de bem-estar-social.
As coalizões serão tão mais fortes, quanto maior a capacidade de unir grupos com posições distintas a serem acordadas. Progressistas nos diversos campos, alguns líderes religiosos e do setor produtivo que hoje, já se preocupam e questionam o desenrolar atabalhoado do governo eleito.
Alguns já questionam os riscos e começam a querer dialogar. Eles não serão aliados naturais e nem virão dialogar se não houver vontade para tal. Por isso, o espaço a ser construído coletivamente não deverá ser, estrategicamente, para retomar o poder em enfrentamento direto e geral.
Trata-se sim, em ir acumulando forças e resistências com atuação política e coalizões naquilo que é mais essencial e que reúne mais apoios até entre alguns que apoiaram a candidatura vencedora.
Há algumas pistas. Hoje, o Datafolha divulgou pesquisa mostrando que 60% dos brasileiros rejeitam as privatizações e 57% são contra o fim dos direitos trabalhistas contidos na CLT. Uma pauta de luta diversa daquela que ganhou a eleição, mas não a posição da maioria.
A estimativa é de uma atuação com perspectivas de prazo mais longo e de alianças mais amplas, sem a qual, as oposições se manterão isoladas. Porém, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, é caminhando que se traça o caminho.
Enfim, nessa direção, eu penso que o texto do Ion de Andrade tece alguns exemplos, para uma linha de atuação das oposições que, após a assunção do governo eleito - e diante de suas primeiras e fortes debilidades - nos mostra a necessidade de ir além das opiniões individuais nas redes sociais.
Por uma ação robusta do campo democrático, por Ion de Andrade
Sem querer desmerecer o humor político, a guerra de memes é tudo menos construtiva nesse período de sombras, muitas vezes resvala para a expressão de baixezas que não servem para nada mais do que para aumentar os ódios que já tornam irrespirável o Brasil atual.
Agregue-se a isso que já há quem recomende o uso de fakenews pelo campo progressista...
Na verdade todo esse movimento exprime uma perplexidade sobre como enfrentar os desafios postos pelo Poder político que se consolidou em Brasília.
Recentemente o governador do Ceará, Camilo Santana, com razão, sinalizou, a um Bolsonaro que não se considerou presidente para os estados do Nordeste, com uma ideia que aponta para uma nova realidade à qual teremos todos que nos submeter: a campanha acabou e os eleitos têm a obrigação de portar-se com a devida responsabilidade ante os interesses da população. Portanto, e corretamente, Camilo Santana evocou a bandeira do republicanismo (sim, exatamente) como alerta quanto a derrapagens institucionais autoritárias.
Além da governança republicana, desenha-se também uma outra importante luta institucional tocante à garantia da permanência da Justiça do Trabalho como garantidora, num país ainda tão marcado pelas injustiças e assimetrias sociais, pelo menos, de alguma proteção aos direitos dos mais vulneráveis. Outras batalhas em torno de direitos consolidados na Constituição, basilares para a democracia, como o direito de associação, ou como a Reforma da Previdência, dentre outros, estarão muito em breve na ordem do dia.
Não será com memes que essas batalhas serão vencidas. Ao contrário, será com políticas capazes de unir sob um mesmo teto organizações bem diferentes umas das outras, de aparar divergências e alergias recíprocas para garantir aquela dada conquista social ou democrática ameaçada naquela quadra.
A frente que defenderá a Justiça do Trabalho será, provavelmente, diferente da que defenderá a Previdência Social, ou da que exigirá ao menos um plebiscito para a decisão definitiva quanto ao porte de armas, o que cobrará capacidade ampla de diálogo. Não nos esqueçamos de outro fato emblemático, que poderíamos também classificar aqui, desse tipo de enfrentamento em defesa da democracia, que foi a vitória no STF do princípio da autonomia e da liberdade nas universidades perante forças político-judiciais que já salivavam ante a possibilidade de invadir os campi universitários e de prender professores e estudantes por serem, por exemplo, contra o fascismo.
Será preciso também demonstrar ao governo que não somente o mundo árabe tem Poder sobre a balança comercial e os negócios do Brasil, tornando difícil a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém. Outros temas polêmicos, tais como, por exemplo, o do afrouxamento do controle do trabalho escravo podem vir a ser coroados por retaliações comerciais por organizações de consumidores em conexão com os setores diretamente prejudicados no Brasil em seus direitos fundamentais. O mesmo raciocínio e as mesmas conseqüências poderiam advir da estratégia de baratear os preços dos produtos brasileiros à exportação não por ganhos de produtividade pelo incremento da mecanização ou da informatização, mas pelo achatamento agressivo de um salário mínimo já quase quatro vezes menor do que o que o DIEESE calcula como necessário a cada ano...
Não podemos empobrecer o nosso repertório de lutas apenas às manifestações de rua ou às greves gerais, mas devemos saber conjugar essas importantes ferramentas, que deveriam estar reservadas à expressão de temas estratégicos e amplos, com as demais outras que incluem responsabilidade institucional exercida e cobrada ou o diálogo e articulação com amplos setores da sociedade no Brasil e no exterior para construir os contrapesos. Não se trata de preconceitos, se trata de utilizar com competência a melhor ferramenta possível para cada momento dado.
Tudo isso deve ser feito sob a égide do que está previsto na Constituição (que defendemos) a menos que a Carta Magna tenha sido desfigurada ao ponto de mergulhar o país num cenário de perda geral da democracia política, que inclui de forma proeminente o livre direito de expressão e de associação e a garantia dos direitos e prerrogativas individuais e coletivos.
Portanto, o que se deve ter em vista é a formação de contrapesos de grande magnitude, ancorados em consensos largos e numa robusta vontade coletiva. Essa é que é a tarefa estratégica que está dada, não para impedir o governo de governar, mas para defender aquilo que é de grande importância aos olhos do campo democrático, em nome do direito constitucional ao exercício da oposição política. Isso servirá em primeiríssimo lugar a garantir o teatro de operações onde se dá o jogo político, o “Estado de direito”, que é como teimosamente denominamos um estado de coisas que ainda se remete, respeita e jura a Constituição de 88.
PS.: Atualização às 20:27: Para acrescentar um parágrafo nos comentários que apresenta o texto do Ion de Andrade.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
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