Nessa interpretação em especial, Soffiati levanta hipóteses ambientais e antropológicas, além das econômicas sobre as razões de Portugal, lá pelos idos do século XVI, como colonizador, ter tido tão pouco interesse os nossos campos dos Goitacazes. Serão dois artigos sobre o tema. Esse é o primeiro deles. Vale conferir!
Arthur
Soffiati
A partir de 1415, Portugal se lançou ao oceano Atlântico
visando alcançar a Ásia. O capitalismo já não se contentava com as restrições
monopolistas impostas pelos muçulmanos e venezianos quanto ao comércio
oriental. Por sua vez, Portugal já era um Estado unificado, posto que pequeno.
O feudalismo português foi suplantado mais cedo em Portugal que em outros países
europeus.
Assim,
pouco a pouco, navegadores portugueses foram palmilhando a costa Atlântica da
África. Esse conhecimento progressivo se traduziu no enriquecimento da
cartografia, como mostram Armando Cortesão e Jaime Cortesão. A culminância
desse processo de conhecimento da costa africana do Atlântico culminou na
viagem de Vasco da Gama, entre 1497-1499. Ao dobrar o cabo da Boa Esperança, no
extremo sul da África, o navegador entrou no oceano Índico, completamente
desconhecido para os ocidentais. No porto de Melinde, hoje no Quênia, a
esquadra de quatro navios de Vasco da Gama foi recebida sem hostilidade. Ali,
indicaram-lhe o famoso piloto árabe Ahmad Ibn-Mãjid para lhe guiar até a Índia.
Portugal se instalou em Goa, que se transformou na Lisboa da Ásia. Desse ponto,
alcançou Timor, Malaca, Macau e Japão, onde fundou feitorias e entrepostos para
fornecimento de produtos orientais diretamente para a Europa, sem passar pelas
mãos de muçulmanos e venezianos.
Em 1500, Pedro Álvares Cabral
comandou uma esquadra de treze navios em direção às Índias Orientais, como
então eram chamadas as terras asiáticas. Antes de alcançar o destino, os navios
tocaram terras na altura da atual Bahia e alcançaram o Brasil. Em 1492, Colombo
já alcançara terras da América atravessando o oceano Atlântico. Durante todo o
século XVI, portugueses e espanhóis ampliaram o conhecimento que gregos e
romanos tinham do mundo. África, América e Ásia foram integrados a uma economia
mundial, que tinha Espanha e Portugal como centro e, de forma ampliada, toda a
Europa ocidental, pois mercadores, cartógrafos e catequistas franceses,
italianos, holandeses, ingleses e alemães participaram dos primórdios da
globalização europeia.
Pelo menos, as zonas costeiras de
todos os continentes, com exceção do Antártico, foram alcançadas e
cartografadas, mas nem sempre contatadas e colonizadas. O mundo extra-europeu
não era constituído por terras desabitadas. Havia nelas povos em diversos
níveis de cultura. México e Peru eram dominados por dois magníficos impérios: o
Asteca e o Inca. Na Guatemala, ainda existiam resquícios da civilização Maia. A
capital do império asteca era então a maior cidade do mundo. As outras partes
do continente americano eram habitadas por povos indígenas com culturas
paleolíticas e neolíticas. Quase todos, já haviam desenvolvido estilos de vida
neolítico, com agricultura, cerâmica e artefatos de pedra polida.
O continente africano,
igualmente, abrigava culturas de todos os níveis de complexidade, desde
paleolíticas, neolíticas e civilizadas. Á Ásia era dominada pelos muçulmanos em
grande parte, pelos indianos, chineses e japoneses. Entre essas culturas,
existia vida própria que dispensava a Europa. Foi o estrangulamento da parte
ocidental do continente europeu, na verdade, uma península da Ásia, que a levou
a se expandir pelo oceano Atlântico.
Na costa atlântica da América do
Sul, os pontos mais propícios para a colonização portuguesa foram a foz dos
rios Amazonas e Capibaribe, as baías de Todos os Santos, Ilhéus, Vitória, Rio
de Janeiro, Angra dos Reis, São Vicente, Santa Catarina, Porto Alegre, rio da
Prata. Tentou-se colonizar o estreito de Magalhães, no extremo sul da América,
mas o esforço frustrou-se no século XVI. Mesmo assim, o estreito tornou-se um
ponto estratégico para o país que pretendesse circular entre os oceanos
Atlântico e Pacífico até desenvolver-se a ligação entre os dois oceanos pelo
México e pelo Panamá.
A união das monarquias portuguesa
e espanhola, sob a coroa de Filipe II, criou o primeiro Estado Mundial da
globalização ocidental. Não se tratava apenas da dominação econômica, mas
também da política. O vasto império de Filipe II ficou conhecido como domínios
onde o sol nunca se punha. De fato, sob a coroa espanhola, estavam subordinados
toda a América do Norte e do Sul, vastos territórios africanos, Goa, Diu,
Damão, Malaca, Macau, Timor, Filipinas e várias ilhas do Pacífico. O
historiador francês Serge Gruzinski entende todo esse domínio colonial como uma
das várias mundializações do ocidente. O império universal espanhol durou de 1580
a 1640. No todo, ele foi frágil, mas iniciou o processo de globalização
ocidental que foi aprofundado pelos impérios coloniais holandês, francês e
inglês. A dominação do mundo por países europeus por meio de colônias só
terminou depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Esvaíram-se as colônias,
mas as marcas econômicas, sociais e culturais do ocidente continuaram,
miscigenaram-se com as culturas locais, deram origem a culturas mestiças, mas
as marcas ocidentais não foram tragadas de novo a ponto de desaparecer.
Nem todos os rincões do mundo
foram integrados à economia europeia no século XVI. Hoje, pode-se afirmar que a
mais longínqua ilha do planeta faz parte das redes econômicas, políticas e
culturais da globalização ocidentalizada. A ilha Tristão da Cunha, entre muitos
exemplos, foi alcançada pelo navegador português Tristão da Cunha, em 1506.
Trata-se de uma ilha isolada no Atlântico sul. Além do difícil acesso, a ilha
nada apresentava de interessante para a economia mercantil. Por isso, foi
deixada de lado até que a Inglaterra a colonizasse e a transformasse num ponto
estratégico. Até hoje, a pequenina ilha de Henderson não tem habitantes
humanos, mas o lixo plástico a satura. Trata-se da maior concentração de
resíduos plásticos do mundo.
A planície fluviomarinha do norte
do atual Estado do Rio de Janeiro conheceu também pouquíssimas incursões
europeias no século XVI. Houve vários motivos para esse abandono, os quais
passamos em revista.
Em primeiro lugar, as razões ambientais são muito fortes.
Entre os rios Itapemirim, no sul do atual Espírito Santo, e o rio Macaé, no
norte do atual Estado do Rio de Janeiro, é relativamente nova em termos de
formação geológica. A planície fluviomarinha que integra esse território acabou
de se formar em torno de 2.500 anos antes do presente. E a formação de uma
costa é sempre dinâmica, sobretudo se os materiais que a formam são rochas
decompostas. No caso do norte do Estado do Rio de Janeiro, a planície
fluviomarinha, chamada atualmente de planície goitacá, não apresenta reentrâncias,
como golfos e baías. Carece de formações pedregosas que permitam ancoragem. A
foz de seus rios é perigosa para a entrada e saída de embarcações. As correntes
marinhas que a modelam são fortes, assim como as ondas que varrem o litoral.
Não existem ilhas entre os dois rios mencionados. Apenas na foz deles, essas
ilhas constituir-se-iam em portos, mas, na verdade, só o arquipélago de
Santana, na foz do rio Macaé, favorece a ancoragem por haver água potável na
sua ilha maior e por serem pedregosas.
Além do mais, o mar que margeia esta costa é raso, com
dois baixios perigosos: o dos Pargos, hoje perfeitamente evitável pela
navegação e também esquecido; e o do cabo de São Tomé, hoje assinalado com um
farol.
1 - Mapa do Atlas Miller (1519),
mostrando o baixo dos Pargos e o cabo
de São Tomé dentro de quadriláteros de linhas pretas
de São Tomé dentro de quadriláteros de linhas pretas
Sobre os desaguadouros dos rios, não contamos com
registros escritos do século XVI descrevendo a dificuldade que apresentavam
para a entrada e saída de embarcações. O primeiro data de 1632 e foi redigido
pelo escrivão que acompanhava os sete beneficiários de sesmarias na planície
aluvial do norte da capitania de São Tomé. A primeira tentativa de alcançar as
terras recebidas foi feita por mar a partir do povoado de Macaé numa Sumaca,
antigo tipo de embarcação não mais usado. A expedição tentou aportar no cabo de
São Tomé e não conseguiu devido ao mar hostil. Um homem caiu na água. A
expedição voltou a Macaé e retornou por terra, numa fatigante caminhada. O
homem que caiu ao mar conseguiu milagrosamente se salvar a nado.
Só no final do
século XVIII, contaremos com relatos confiáveis sobre as barras dos rios da
região entre os rios Itapemirim e Macaé, que delimitam o território que
denomino de ecorregião de São Tomé. Tais registros estão no monumental
relatório do capitão cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, datado de 1785. O
rio Itapemirim não consta dele porque voltara a fazer parte da capitania do
Espírito Santo. Para conhecermos as condições portuárias do Itapemirim, recorremos
a Milliet de Saint-Adolphe, um francês que viveu no Brasil e colheu dados para
escrever um precioso dicionário geográfico e histórico sobre o país, publicado
entre nós em 1863.
Suas informações
sobre o rio, cerca de 350 anos depois da chegada dos europeus ao Brasil, ainda
eram válidas porque as condições ambientais da região examinada pouco haviam se
alterado ao longo desse tempo. Saint-Adolphe escreve sobre o Itapemirim: “Rio
da província do Espírito Santo: vem da serra do Pico, ramo da cordilheira dos
Aimorés, corre do ocidente para o oriente obra de 8 léguas, dando navegação a
canoas, rega a vila de seu nome, e perto de sua embocadura faz várias voltas
antes de se ir lançar no Oceano. Sobem por este rio as sumacas até a vila, e
depois de carregarem descem com a enchente da maré, por não haver nesta
embocadura nunca de 6 para 7 pés de fundo.”
Quanto ao rio
Itabapoana, voltamos a Couto Reis. O capitão de infantaria anota: “...barra
pouco segura pelos baixios. Ela, a barra, é inconstante e à proporção das
mudanças do tempo e das enxurradas de águas do norte se altera, ora
encostando-se para o sul, ora mais para o norte, de cuja variedade nasce não
permitir navegação continuada, posto tendo suficiente largura (...) aquela
referida barra fora antigamente mais ao sul, no sítio chamado Santa Catarina
das Mós.”
Entre os rios
Itabapoana e Paraíba do Sul, corre, até o mar, o pequenino rio Guaxindiba, que
não mereceu atenção nem mesmo do atento Couto Reis. Uma informação sobre suas
condições portuárias só aparece em 1940, numa pequena nota do engenheiro Camilo
de Menezes em relatório de 1940: “O Rio Guaxindiba é o único afluente do oceano
entre a foz do Paraíba e a ponta de Manguinhos. Sua barra, ao contrário das
situadas ao sul de Atafona, é muito estável e só se fecha quando cessa
totalmente a descarga do rio; logo às primeiras chuvas pode-se abri-la
facilmente.”
De todos os rios da ecorregião, o Paraíba do Sul é o maior
e mais conhecido. A cartografia europeia do século XVI o assinala eventualmente
com nomes diversos. Couto Reis, em 1785, dizia dele: “... chega aos Campos
Goytacazes, a fenecer no mar em duas barras, uma ao norte chamada de Gargaú,
que por baixa não admite entrada mais que a canoas, e outra ao sul, com mais de
100 braças de largura e fundo diminuto, unicamente para sumacas que sustentam
três mil arrobas de peso (...) A entrada e saída por esta barra é enfadonha e
perigosa e depende de ventos diferentes, de tal sorte que muitas vezes sucede
esperarem as embarcações bastantes dias fora por vento favorável.”
Em 1827, o naturalista amador Antonio Moniz de Souza,
vindo do Nordeste, confirma as palavras de Couto Reis ao subir o Paraíba do Sul
a partir de sua foz: A “... barra (...) tem de profundidade em preamar de marés
vivas de dez a onze palmos; é de areia e, por consequência, mudável, o que a
torna não só contingente, como perigosa à entrada de embarcações, pois só
entram com vento de maré cheia, apesar de ser balizada diariamente e pelo
patrão-mor.” Milliet de Saint-Adolphe corrobora ambos autores: “Sua embocadura
se acha por vezes obstruída com bancos de areia que se desfazem com a violência
dos ventos e força das marés, ficando assim mais fácil a saída e entrada de
barcos. Quando porventura faltam os ventos, veem-se os habitantes obrigados a
picarem-nos para facilitar a saída das embarcações ligeiras que exportam os
produtos de Campos e de São João da Barra.”
Ao sul do Paraíba do Sul, corria, outrora, o rio Iguaçu,
hoje completamente desfigurado. Quando ele fluía normalmente, o problema de
navegação também existia. Sobre esse rio e sua foz, Milliet de Saint-Adolphe
registrou: “Iguaçu ou Castanheta. Canal natural que serve de sangradouro a
várias lagoas do distrito da cidade de Campos, na província do Rio de Janeiro,
entre o rio Paraíba e o cabo de São Tomé, e se ajunta com outro canal que
deságua no oceano, e que se chama Furado.” A informação não é confiável.
Entre a foz do Iguaçu, provavelmente intermitente no
século XVI, e o rio Macaé, estendia-se uma longa praia que chamou a atenção do
navegador português Luís Teixeira. Nesse estirão da costa, ainda não havia a
barra da vala do Furado, que só foi aberta em 1688. Não se tem notícia da barra
Velha e das barras das lagoas perpendiculares à costa nesse trecho. Mas, se
elas se abrissem para o mar, a abertura seria sempre temporária, na estação
chuvosa.
Já o rio Macaé
mantinha a foz aberta para o mar durante o ano todo. Porém, não sem problemas
para a ancoragem. Couto Reis registrou que ele tem: “... barra de 25 braças de
largo e fundo de 10 palmos que dá fácil entrada a embarcações de pequeno porte.
A barra deste rio, por ser pouco segura, lhe deparou a natureza dois abrigos
para mais facilmente navegar-se, um o da Concha, e outro o das Ilhas de Santa
Ana. A Concha é uma enseada ao sul, na qual ancoram as embarcações à espera de
vento ou maré favorável para a sua entrada: e por que muitas vezes com toda a
carga também não podem descer e vencer o baixo, se põem menos pesadas com
suficiente lastro, e saindo assim das dificuldades, esperam na Concha o resto
das cargas, que se conduzem em canoas até viajarem”
Milliet de Saint-Adolphe confirma a dificuldade portuária
do rio, que “... torna-se navegável depois que se engrossa com as águas do rio
São Pedro: antes de se ajuntarem apenas ambos estes rios dão navegação a
canoas, mas, passado este ponto, admite o Macaé grandes barcos que por ele
navegam distância de 7 léguas até se lançar no mar defronte das ilhas de
Sant’Ana.”
Outra
dificuldade, de ordem humana, era a aura de perigo que pairava sobre os povos nativos
da região, notadamente os índios da nação goitacá. Integrantes do grupo linguístico
macro-gê, os goitacás já haviam dominado terras da baía de Guanabara e de lá
foram expulsos pela chegada dos tupinambás. Sua economia, no norte fluminense,
alcançara meio caminho entre o paleolítico e o neolítico. Já conheciam a
agricultura, mas dela faziam pouco uso por haver abundância de peixes e animais
terrestres para a pesca e a caça na planície norte fluminense.
O perigo representado pelos goitacás ficava mais por
conta do imaginário europeu que da realidade. A bordo do navio que o trouxe da
França para a baía do Rio de Janeiro, Jean de Léry ouviu de um marinheiro
normando o temor que os goitacás infundiam a outros povos. Mais tarde, no século XVII, o jesuíta Simão
de Vasconcelos dirá que a planície era uma terra muito formosa, mas guardada
pelo povo mais cruel do planeta.
Navios que chegavam da Europa em direção ao sul do Brasil
faziam abastecimento de água e de alguma caça na ilha maior do arquipélago de
Santana por medo de aportar no continente, onde poderiam ser atacados pelos
goitacás.
Ao lado dos fatores ambientais e antropológicos, havia
também o fator econômico. Para o europeu que chegava à América em busca de
riqueza, era muito mais fácil buscá-la onde ela estava à disposição, como nos
impérios asteca e inca, ou onde ela parecia fácil de ser encontrada, como era o
caso do pau-brasil em outros pontos da costa brasileira. Com a mão-de-obra
indígena e com feitorias no local, era relativamente fácil conseguir a madeira
de tinta em troca de quinquilharias em vez de o próprio europeu cortar árvores
e transportá-las para a Europa.
O pau-brasil era encontrado com abundância entre
Pernambuco e Bahia e entre Cabo Frio e São Vicente. Nenhuma notícia da
existência dessa madeira entre os rios Itapemirim e Macaé, embora ela pudesse
muito bem existir nas matas dos tabuleiros e na zona serrana.
A conjunção dos três fatores levou os europeus a deixarem
o território entre os dois rios mencionados por pouco mais de um século. Mesmo
assim, ele entrou na divisão do Brasil de Tordesilhas em capitanias
hereditárias.
Capitania
de São Tomé
Pero de Gois recebeu a capitania de São Tomé na divisão
feita pela Coroa portuguesa em 1534 com fins de colonização permanente do Brasil.
Pela carta de doação, o limite oeste de todas as capitanias era a linha do
Tratado de Tordesilhas, que separava a América portuguesa da espanhola. Já os
limites sul e norte da capitania de São Tomé eram vagos, como aconteceu em
várias outras capitanias: “trinta léguas de terra na costa do
Brasil, começando a treze léguas além do Cabo Frio, onde acaba a Capitania de
Martim Afonso de Souza, e acabando nos Baixos dos Pargos, a norte”.
Os Baixos dos Pargos já eram
conhecidos dos cartógrafos pelo menos desde 1519, mas não serviam como limite
claro de uma entidade administrativa. Quanto ao sul, a curta experiência de
Pero de Góis em sua capitania durou cerca de seis anos com muita atribulação. O
donatário só se movimentou no norte de suas terras. Assim, Pero de Gois e Vasco
Fernandes Coutinho, donatário da capitania de Espírito Santo, chegaram a um
acordo de estabelecer o limite entre as duas capitanias no rio Itapemirim.
A capitania do Espírito Santo
vingou, com sede em Vila Velha, fundada em 1535. A de São Tomé teve vida curta.
Pero de Gois se associou ao mercador Martim Ferreira e fundou a vila da Rainha,
nas imediações da margem direita do rio Itabapoana, já em terrenos de
tabuleiros. Gabriel Soares de Sousa informa que ele tentou erigir a sede da sua
capitania às margens do rio Paraíba do Sul, mas desistiu.
Procurando terreno mais seguro,
acabou por assentar a sede dos seus domínios junto aos taludes dos tabuleiros
próximos ao rio Itabapoana. Não há documento que informe sobre essa escolha.
Todavia, cremos que pesaram fatores ambientais. Terrenos de tabuleiros são mais
sólidos que de planícies aluviais ou de restinga. Neles, também existem muitas
árvores para lenha e madeira de construção, com a esperança de encontrar-se pau
Brasil. São também terrenos altos que permitem vigiar navios que se aproximavam
da costa.
Pelo rio Itabapoana, o desnível
entre a zona serrana e os tabuleiros também fica mais próxima que no rio
Paraíba do Sul. E o último desnível no rio Itabapoana foi alcançado por Gois,
que aproveitou a queda d’água para erguer um engenho movido a energia
hidráulica e um porto anexo. Na foz do rio, ergueu a Vila da Rainha, sede de
sua capitania, junto da qual terá construído outro engenho, este movido a força
muscular animal.
Consta que a falta de recursos
financeiros, ataques de habitantes da capitania do Espírito Santo e de índios
inviabilizaram o empreendimento de Pero de Góis. Sem devolver oficialmente a
capitania à Coroa, ele a abandonou. Em pouco tempo, a natureza se incumbiu de
cicatrizar o arranhão europeu na capitania. Assim, ela ficou abandonada até
1619. Seu filho a devolveu oficialmente à Coroa portuguesa nessa data. Só em
1622 ou em 1632, começará uma colonização ocidental contínua da planície.
Durante todo o século XVI, as três
partes do mundo além da Europa – África, América e Ásia – foram alcançadas e
colonizadas pelos europeus, sofrendo profundas mudanças. Algumas ficaram de
fora da globalização ocidental por um século ou mais, como é o caso do norte
fluminense. No segundo artigo de uma série de dois, procuraremos mostrar as
transformações provocadas pela Europa no mundo durante o século XVI, quando a
região entre os rios Itapemirim e Macaé gozaram de relativa paz.
2 - Capitania
de São Tomé no mapa de Luís Teixeira (1586). O limite oeste é a linha
de Tordesilhas para todas as capitanias. O limite sul da capitania de São Tomé tangencia
Cabo Frio e o limite norte se confunde com o vale do rio Managé (Itabapoana)
de Tordesilhas para todas as capitanias. O limite sul da capitania de São Tomé tangencia
Cabo Frio e o limite norte se confunde com o vale do rio Managé (Itabapoana)
Referências
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desconhecidos de Ahmad Ibn-Mãjid, o piloto árabe de Vasco da Gama. Lisboa:
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WALLERSTEIN,
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