quarta-feira, fevereiro 06, 2019

A quase ausência europeia na planície dos Goitacazes no século XV, por Soffiati

Gosto muito dessas análises do Soffiati que envolve o "sistema-mundo" em suas interpretações sobre os interesses do homem sobre o espaço, sem deixar de lado o que se passa em suas regiões, em várias dimensões.

Nessa interpretação em especial, Soffiati levanta hipóteses ambientais e antropológicas, além das econômicas sobre as razões de Portugal, lá pelos idos do século XVI, como colonizador, ter tido tão pouco interesse os nossos campos dos Goitacazes. Serão dois artigos sobre o tema. Esse é o primeiro deles. Vale conferir!


Arthur Soffiati

            A partir de 1415, Portugal se lançou ao oceano Atlântico visando alcançar a Ásia. O capitalismo já não se contentava com as restrições monopolistas impostas pelos muçulmanos e venezianos quanto ao comércio oriental. Por sua vez, Portugal já era um Estado unificado, posto que pequeno. O feudalismo português foi suplantado mais cedo em Portugal que em outros países europeus.

            Assim, pouco a pouco, navegadores portugueses foram palmilhando a costa Atlântica da África. Esse conhecimento progressivo se traduziu no enriquecimento da cartografia, como mostram Armando Cortesão e Jaime Cortesão. A culminância desse processo de conhecimento da costa africana do Atlântico culminou na viagem de Vasco da Gama, entre 1497-1499. Ao dobrar o cabo da Boa Esperança, no extremo sul da África, o navegador entrou no oceano Índico, completamente desconhecido para os ocidentais. No porto de Melinde, hoje no Quênia, a esquadra de quatro navios de Vasco da Gama foi recebida sem hostilidade. Ali, indicaram-lhe o famoso piloto árabe Ahmad Ibn-Mãjid para lhe guiar até a Índia. Portugal se instalou em Goa, que se transformou na Lisboa da Ásia. Desse ponto, alcançou Timor, Malaca, Macau e Japão, onde fundou feitorias e entrepostos para fornecimento de produtos orientais diretamente para a Europa, sem passar pelas mãos de muçulmanos e venezianos.

Em 1500, Pedro Álvares Cabral comandou uma esquadra de treze navios em direção às Índias Orientais, como então eram chamadas as terras asiáticas. Antes de alcançar o destino, os navios tocaram terras na altura da atual Bahia e alcançaram o Brasil. Em 1492, Colombo já alcançara terras da América atravessando o oceano Atlântico. Durante todo o século XVI, portugueses e espanhóis ampliaram o conhecimento que gregos e romanos tinham do mundo. África, América e Ásia foram integrados a uma economia mundial, que tinha Espanha e Portugal como centro e, de forma ampliada, toda a Europa ocidental, pois mercadores, cartógrafos e catequistas franceses, italianos, holandeses, ingleses e alemães participaram dos primórdios da globalização europeia.

Pelo menos, as zonas costeiras de todos os continentes, com exceção do Antártico, foram alcançadas e cartografadas, mas nem sempre contatadas e colonizadas. O mundo extra-europeu não era constituído por terras desabitadas. Havia nelas povos em diversos níveis de cultura. México e Peru eram dominados por dois magníficos impérios: o Asteca e o Inca. Na Guatemala, ainda existiam resquícios da civilização Maia. A capital do império asteca era então a maior cidade do mundo. As outras partes do continente americano eram habitadas por povos indígenas com culturas paleolíticas e neolíticas. Quase todos, já haviam desenvolvido estilos de vida neolítico, com agricultura, cerâmica e artefatos de pedra polida.

O continente africano, igualmente, abrigava culturas de todos os níveis de complexidade, desde paleolíticas, neolíticas e civilizadas. Á Ásia era dominada pelos muçulmanos em grande parte, pelos indianos, chineses e japoneses. Entre essas culturas, existia vida própria que dispensava a Europa. Foi o estrangulamento da parte ocidental do continente europeu, na verdade, uma península da Ásia, que a levou a se expandir pelo oceano Atlântico.

Na costa atlântica da América do Sul, os pontos mais propícios para a colonização portuguesa foram a foz dos rios Amazonas e Capibaribe, as baías de Todos os Santos, Ilhéus, Vitória, Rio de Janeiro, Angra dos Reis, São Vicente, Santa Catarina, Porto Alegre, rio da Prata. Tentou-se colonizar o estreito de Magalhães, no extremo sul da América, mas o esforço frustrou-se no século XVI. Mesmo assim, o estreito tornou-se um ponto estratégico para o país que pretendesse circular entre os oceanos Atlântico e Pacífico até desenvolver-se a ligação entre os dois oceanos pelo México e pelo Panamá.

A união das monarquias portuguesa e espanhola, sob a coroa de Filipe II, criou o primeiro Estado Mundial da globalização ocidental. Não se tratava apenas da dominação econômica, mas também da política. O vasto império de Filipe II ficou conhecido como domínios onde o sol nunca se punha. De fato, sob a coroa espanhola, estavam subordinados toda a América do Norte e do Sul, vastos territórios africanos, Goa, Diu, Damão, Malaca, Macau, Timor, Filipinas e várias ilhas do Pacífico. O historiador francês Serge Gruzinski entende todo esse domínio colonial como uma das várias mundializações do ocidente. O império universal espanhol durou de 1580 a 1640. No todo, ele foi frágil, mas iniciou o processo de globalização ocidental que foi aprofundado pelos impérios coloniais holandês, francês e inglês. A dominação do mundo por países europeus por meio de colônias só terminou depois da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Esvaíram-se as colônias, mas as marcas econômicas, sociais e culturais do ocidente continuaram, miscigenaram-se com as culturas locais, deram origem a culturas mestiças, mas as marcas ocidentais não foram tragadas de novo a ponto de desaparecer.

Nem todos os rincões do mundo foram integrados à economia europeia no século XVI. Hoje, pode-se afirmar que a mais longínqua ilha do planeta faz parte das redes econômicas, políticas e culturais da globalização ocidentalizada. A ilha Tristão da Cunha, entre muitos exemplos, foi alcançada pelo navegador português Tristão da Cunha, em 1506. Trata-se de uma ilha isolada no Atlântico sul. Além do difícil acesso, a ilha nada apresentava de interessante para a economia mercantil. Por isso, foi deixada de lado até que a Inglaterra a colonizasse e a transformasse num ponto estratégico. Até hoje, a pequenina ilha de Henderson não tem habitantes humanos, mas o lixo plástico a satura. Trata-se da maior concentração de resíduos plásticos do mundo.

A planície fluviomarinha do norte do atual Estado do Rio de Janeiro conheceu também pouquíssimas incursões europeias no século XVI. Houve vários motivos para esse abandono, os quais passamos em revista.

            Em primeiro lugar, as razões ambientais são muito fortes. Entre os rios Itapemirim, no sul do atual Espírito Santo, e o rio Macaé, no norte do atual Estado do Rio de Janeiro, é relativamente nova em termos de formação geológica. A planície fluviomarinha que integra esse território acabou de se formar em torno de 2.500 anos antes do presente. E a formação de uma costa é sempre dinâmica, sobretudo se os materiais que a formam são rochas decompostas. No caso do norte do Estado do Rio de Janeiro, a planície fluviomarinha, chamada atualmente de planície goitacá, não apresenta reentrâncias, como golfos e baías. Carece de formações pedregosas que permitam ancoragem. A foz de seus rios é perigosa para a entrada e saída de embarcações. As correntes marinhas que a modelam são fortes, assim como as ondas que varrem o litoral. Não existem ilhas entre os dois rios mencionados. Apenas na foz deles, essas ilhas constituir-se-iam em portos, mas, na verdade, só o arquipélago de Santana, na foz do rio Macaé, favorece a ancoragem por haver água potável na sua ilha maior e por serem pedregosas.
            Além do mais, o mar que margeia esta costa é raso, com dois baixios perigosos: o dos Pargos, hoje perfeitamente evitável pela navegação e também esquecido; e o do cabo de São Tomé, hoje assinalado com um farol.

1 - Mapa do Atlas Miller (1519), mostrando o baixo dos Pargos e o cabo 
de São Tomé dentro de quadriláteros de linhas pretas

            Sobre os desaguadouros dos rios, não contamos com registros escritos do século XVI descrevendo a dificuldade que apresentavam para a entrada e saída de embarcações. O primeiro data de 1632 e foi redigido pelo escrivão que acompanhava os sete beneficiários de sesmarias na planície aluvial do norte da capitania de São Tomé. A primeira tentativa de alcançar as terras recebidas foi feita por mar a partir do povoado de Macaé numa Sumaca, antigo tipo de embarcação não mais usado. A expedição tentou aportar no cabo de São Tomé e não conseguiu devido ao mar hostil. Um homem caiu na água. A expedição voltou a Macaé e retornou por terra, numa fatigante caminhada. O homem que caiu ao mar conseguiu milagrosamente se salvar a nado.
Só no final do século XVIII, contaremos com relatos confiáveis sobre as barras dos rios da região entre os rios Itapemirim e Macaé, que delimitam o território que denomino de ecorregião de São Tomé. Tais registros estão no monumental relatório do capitão cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, datado de 1785. O rio Itapemirim não consta dele porque voltara a fazer parte da capitania do Espírito Santo. Para conhecermos as condições portuárias do Itapemirim, recorremos a Milliet de Saint-Adolphe, um francês que viveu no Brasil e colheu dados para escrever um precioso dicionário geográfico e histórico sobre o país, publicado entre nós em 1863.
Suas informações sobre o rio, cerca de 350 anos depois da chegada dos europeus ao Brasil, ainda eram válidas porque as condições ambientais da região examinada pouco haviam se alterado ao longo desse tempo. Saint-Adolphe escreve sobre o Itapemirim: “Rio da província do Espírito Santo: vem da serra do Pico, ramo da cordilheira dos Aimorés, corre do ocidente para o oriente obra de 8 léguas, dando navegação a canoas, rega a vila de seu nome, e perto de sua embocadura faz várias voltas antes de se ir lançar no Oceano. Sobem por este rio as sumacas até a vila, e depois de carregarem descem com a enchente da maré, por não haver nesta embocadura nunca de 6 para 7 pés de fundo.”
Quanto ao rio Itabapoana, voltamos a Couto Reis. O capitão de infantaria anota: “...barra pouco segura pelos baixios. Ela, a barra, é inconstante e à proporção das mudanças do tempo e das enxurradas de águas do norte se altera, ora encostando-se para o sul, ora mais para o norte, de cuja variedade nasce não permitir navegação continuada, posto tendo suficiente largura (...) aquela referida barra fora antigamente mais ao sul, no sítio chamado Santa Catarina das Mós.”
Entre os rios Itabapoana e Paraíba do Sul, corre, até o mar, o pequenino rio Guaxindiba, que não mereceu atenção nem mesmo do atento Couto Reis. Uma informação sobre suas condições portuárias só aparece em 1940, numa pequena nota do engenheiro Camilo de Menezes em relatório de 1940: “O Rio Guaxindiba é o único afluente do oceano entre a foz do Paraíba e a ponta de Manguinhos. Sua barra, ao contrário das situadas ao sul de Atafona, é muito estável e só se fecha quando cessa totalmente a descarga do rio; logo às primeiras chuvas pode-se abri-la facilmente.”
            De todos os rios da ecorregião, o Paraíba do Sul é o maior e mais conhecido. A cartografia europeia do século XVI o assinala eventualmente com nomes diversos. Couto Reis, em 1785, dizia dele: “... chega aos Campos Goytacazes, a fenecer no mar em duas barras, uma ao norte chamada de Gargaú, que por baixa não admite entrada mais que a canoas, e outra ao sul, com mais de 100 braças de largura e fundo diminuto, unicamente para sumacas que sustentam três mil arrobas de peso (...) A entrada e saída por esta barra é enfadonha e perigosa e depende de ventos diferentes, de tal sorte que muitas vezes sucede esperarem as embarcações bastantes dias fora por vento favorável.”
            Em 1827, o naturalista amador Antonio Moniz de Souza, vindo do Nordeste, confirma as palavras de Couto Reis ao subir o Paraíba do Sul a partir de sua foz: A “... barra (...) tem de profundidade em preamar de marés vivas de dez a onze palmos; é de areia e, por consequência, mudável, o que a torna não só contingente, como perigosa à entrada de embarcações, pois só entram com vento de maré cheia, apesar de ser balizada diariamente e pelo patrão-mor.” Milliet de Saint-Adolphe corrobora ambos autores: “Sua embocadura se acha por vezes obstruída com bancos de areia que se desfazem com a violência dos ventos e força das marés, ficando assim mais fácil a saída e entrada de barcos. Quando porventura faltam os ventos, veem-se os habitantes obrigados a picarem-nos para facilitar a saída das embarcações ligeiras que exportam os produtos de Campos e de São João da Barra.”
            Ao sul do Paraíba do Sul, corria, outrora, o rio Iguaçu, hoje completamente desfigurado. Quando ele fluía normalmente, o problema de navegação também existia. Sobre esse rio e sua foz, Milliet de Saint-Adolphe registrou: “Iguaçu ou Castanheta. Canal natural que serve de sangradouro a várias lagoas do distrito da cidade de Campos, na província do Rio de Janeiro, entre o rio Paraíba e o cabo de São Tomé, e se ajunta com outro canal que deságua no oceano, e que se chama Furado.” A informação não é confiável.
            Entre a foz do Iguaçu, provavelmente intermitente no século XVI, e o rio Macaé, estendia-se uma longa praia que chamou a atenção do navegador português Luís Teixeira. Nesse estirão da costa, ainda não havia a barra da vala do Furado, que só foi aberta em 1688. Não se tem notícia da barra Velha e das barras das lagoas perpendiculares à costa nesse trecho. Mas, se elas se abrissem para o mar, a abertura seria sempre temporária, na estação chuvosa.
Já o rio Macaé mantinha a foz aberta para o mar durante o ano todo. Porém, não sem problemas para a ancoragem. Couto Reis registrou que ele tem: “... barra de 25 braças de largo e fundo de 10 palmos que dá fácil entrada a embarcações de pequeno porte. A barra deste rio, por ser pouco segura, lhe deparou a natureza dois abrigos para mais facilmente navegar-se, um o da Concha, e outro o das Ilhas de Santa Ana. A Concha é uma enseada ao sul, na qual ancoram as embarcações à espera de vento ou maré favorável para a sua entrada: e por que muitas vezes com toda a carga também não podem descer e vencer o baixo, se põem menos pesadas com suficiente lastro, e saindo assim das dificuldades, esperam na Concha o resto das cargas, que se conduzem em canoas até viajarem”
            Milliet de Saint-Adolphe confirma a dificuldade portuária do rio, que “... torna-se navegável depois que se engrossa com as águas do rio São Pedro: antes de se ajuntarem apenas ambos estes rios dão navegação a canoas, mas, passado este ponto, admite o Macaé grandes barcos que por ele navegam distância de 7 léguas até se lançar no mar defronte das ilhas de Sant’Ana.”
            Outra dificuldade, de ordem humana, era a aura de perigo que pairava sobre os povos nativos da região, notadamente os índios da nação goitacá. Integrantes do grupo linguístico macro-gê, os goitacás já haviam dominado terras da baía de Guanabara e de lá foram expulsos pela chegada dos tupinambás. Sua economia, no norte fluminense, alcançara meio caminho entre o paleolítico e o neolítico. Já conheciam a agricultura, mas dela faziam pouco uso por haver abundância de peixes e animais terrestres para a pesca e a caça na planície norte fluminense.
            O perigo representado pelos goitacás ficava mais por conta do imaginário europeu que da realidade. A bordo do navio que o trouxe da França para a baía do Rio de Janeiro, Jean de Léry ouviu de um marinheiro normando o temor que os goitacás infundiam a outros povos.  Mais tarde, no século XVII, o jesuíta Simão de Vasconcelos dirá que a planície era uma terra muito formosa, mas guardada pelo povo mais cruel do planeta.
            Navios que chegavam da Europa em direção ao sul do Brasil faziam abastecimento de água e de alguma caça na ilha maior do arquipélago de Santana por medo de aportar no continente, onde poderiam ser atacados pelos goitacás.
            Ao lado dos fatores ambientais e antropológicos, havia também o fator econômico. Para o europeu que chegava à América em busca de riqueza, era muito mais fácil buscá-la onde ela estava à disposição, como nos impérios asteca e inca, ou onde ela parecia fácil de ser encontrada, como era o caso do pau-brasil em outros pontos da costa brasileira. Com a mão-de-obra indígena e com feitorias no local, era relativamente fácil conseguir a madeira de tinta em troca de quinquilharias em vez de o próprio europeu cortar árvores e transportá-las para a Europa.
            O pau-brasil era encontrado com abundância entre Pernambuco e Bahia e entre Cabo Frio e São Vicente. Nenhuma notícia da existência dessa madeira entre os rios Itapemirim e Macaé, embora ela pudesse muito bem existir nas matas dos tabuleiros e na zona serrana.
            A conjunção dos três fatores levou os europeus a deixarem o território entre os dois rios mencionados por pouco mais de um século. Mesmo assim, ele entrou na divisão do Brasil de Tordesilhas em capitanias hereditárias.

Capitania de São Tomé    
            Pero de Gois recebeu a capitania de São Tomé na divisão feita pela Coroa portuguesa em 1534 com fins de colonização permanente do Brasil. Pela carta de doação, o limite oeste de todas as capitanias era a linha do Tratado de Tordesilhas, que separava a América portuguesa da espanhola. Já os limites sul e norte da capitania de São Tomé eram vagos, como aconteceu em várias outras capitanias: “trinta léguas de terra na costa do Brasil, começando a treze léguas além do Cabo Frio, onde acaba a Capitania de Martim Afonso de Souza, e acabando nos Baixos dos Pargos, a norte”.
            Os Baixos dos Pargos já eram conhecidos dos cartógrafos pelo menos desde 1519, mas não serviam como limite claro de uma entidade administrativa. Quanto ao sul, a curta experiência de Pero de Góis em sua capitania durou cerca de seis anos com muita atribulação. O donatário só se movimentou no norte de suas terras. Assim, Pero de Gois e Vasco Fernandes Coutinho, donatário da capitania de Espírito Santo, chegaram a um acordo de estabelecer o limite entre as duas capitanias no rio Itapemirim.
            A capitania do Espírito Santo vingou, com sede em Vila Velha, fundada em 1535. A de São Tomé teve vida curta. Pero de Gois se associou ao mercador Martim Ferreira e fundou a vila da Rainha, nas imediações da margem direita do rio Itabapoana, já em terrenos de tabuleiros. Gabriel Soares de Sousa informa que ele tentou erigir a sede da sua capitania às margens do rio Paraíba do Sul, mas desistiu.
            Procurando terreno mais seguro, acabou por assentar a sede dos seus domínios junto aos taludes dos tabuleiros próximos ao rio Itabapoana. Não há documento que informe sobre essa escolha. Todavia, cremos que pesaram fatores ambientais. Terrenos de tabuleiros são mais sólidos que de planícies aluviais ou de restinga. Neles, também existem muitas árvores para lenha e madeira de construção, com a esperança de encontrar-se pau Brasil. São também terrenos altos que permitem vigiar navios que se aproximavam da costa.
            Pelo rio Itabapoana, o desnível entre a zona serrana e os tabuleiros também fica mais próxima que no rio Paraíba do Sul. E o último desnível no rio Itabapoana foi alcançado por Gois, que aproveitou a queda d’água para erguer um engenho movido a energia hidráulica e um porto anexo. Na foz do rio, ergueu a Vila da Rainha, sede de sua capitania, junto da qual terá construído outro engenho, este movido a força muscular animal.
            Consta que a falta de recursos financeiros, ataques de habitantes da capitania do Espírito Santo e de índios inviabilizaram o empreendimento de Pero de Góis. Sem devolver oficialmente a capitania à Coroa, ele a abandonou. Em pouco tempo, a natureza se incumbiu de cicatrizar o arranhão europeu na capitania. Assim, ela ficou abandonada até 1619. Seu filho a devolveu oficialmente à Coroa portuguesa nessa data. Só em 1622 ou em 1632, começará uma colonização ocidental contínua da planície.
            Durante todo o século XVI, as três partes do mundo além da Europa – África, América e Ásia – foram alcançadas e colonizadas pelos europeus, sofrendo profundas mudanças. Algumas ficaram de fora da globalização ocidental por um século ou mais, como é o caso do norte fluminense. No segundo artigo de uma série de dois, procuraremos mostrar as transformações provocadas pela Europa no mundo durante o século XVI, quando a região entre os rios Itapemirim e Macaé gozaram de relativa paz.

2 - Capitania de São Tomé no mapa de Luís Teixeira (1586). O limite oeste é a linha 
de Tordesilhas para todas as capitanias. O limite sul da capitania de São Tomé tangencia 
Cabo Frio e o limite norte se confunde com o vale do rio Managé (Itabapoana)

Referências
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CORTESÃO, Armando. Cartografia portuguesa antiga. Lisboa: Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1960.
CORTESÃO, Jaime. Os descobrimentos pré-colombianos dos portugueses. Lisboa: Portugália, 1966.
COUTO REIS, Manoel Martins do. Manuscritos de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacazes. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 2011.
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Roteiro dos Sete Capitães
SAINT-ADOLPHE, J.C.R. Milliet de. Dicionário geográfico histórico e descritivo do Império do Brasil. Paris: Vª J. -P. Aillaud, Guillard e Cª, 1863.
SOFFIATI, Arthur. As saídas de água continental para o mar na Ecorregião de São Tomé. Portal do Farol de São Tomé, 16 de agosto de 2017. http://www.praiafaroldesaothome.com.br/2017/08/as-saidas-de-agua-continental-para-o.html.
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