O amigo Aristides Soffiati, professor, pesquisador e ambientalista, brinda o blog com mais um interessantíssimo artigo sobre a história da ocupação urbana da região Norte Fluminense com foco na expansão urbana de Campos dos Goytacazes. Neste novo texto, Soffiati aprofunda questões e análises já feitas em vários outros ricos artigos publicados aqui nesse blog e em outros espaços da rede digital e também em seus livros.
A descrição, relativamente sucinta e recheada de mapas e ilustrações nos trazem informações muito valiosas sobre a ocupação urbana em Campos dos Goytacazes, quando Soffiati levanta também hipóteses - bastante documentadas -, sobre as relações desse processo com o sistema-mundo, num período temporal, em que a colonização era a forma de globalização daquela época e que nos trouxe os dias atuais.
Há também pistas muito ricas sobre problemas presentes e que tiveram a sua gênese escamoteada no passado. Essas agruras continuam nos assombrando com as cheias e os alagamentos nas áreas urbanas, sem que a drenagem dessa área da Planície, escolhida para área central da urbe, tenha sido implantada para permitir o convívio na pólis menos problemática, especialmente, para os mais pobres empurrados para a periferia.
Como sempre, vale conferir esse novo texto do Soffiati que continua incansável na sua produção intelectual que fica à disposição de quem queira estudar, numa época de tantas informações soltas, fragmentadas, que tomam tempo das pessoas e contribuem pouco, ou nada, com a ampliação do conhecimento sobre a realidade dessa parte do Estado do Rio de Janeiro.
Soffiati, assim se afirma para a história do ERJ, como um pensador que dá prosseguimento às contribuições de Saturnino de Brito e Alberto Lamego. E como homem do seu tempo, Soffiati amplia e aprofunda o conhecimento sobre a nossa realidade, usando, organizando e reinterpretando, de forma conjunta e integrada, a produção intelectual desses e muitos outros estudiosos - brasileiros e estrangeiros - sobre o processo de formação desse território.
O NÚCLEO
URBANO DE CAMPOS DOS GOYTACAZES E AS LAGOAS
Arthur
Soffiati
Primórdios da colonização europeia contínua na
planície dos Goytacazes
Em 1627, sete fidalgos e os jesuítas
requereram sesmarias no âmbito da Capitania de São Tomé, devolvida por Gil de
Gois em 1619. A intenção dos fidalgos, que passaram à história com o nome de
Sete Capitães, era criar gado bovino em terras consideradas incultas, pois a
planície do Rio de Janeiro (Guanabara) é estreita e já estava ocupada pelo
plantio de cana e por engenhos. O gado era necessário como recurso subsidiário,
como aconteceu no Brasil durante o período colonial. A Carta Régia de 1701
proibiu a criação de gado numa faixa de 10 léguas da costa, assegurando terras
para o plantio de cana e o funcionamento de engenhos. Nessa faixa, o gado só
era admitido com atividade completar à plantação de cana e à construção de
engenhos. O gado só era admitido em pequena escala para não ocupar o espaço
destinado à cana.
Os Sete Capitães ergueram três currais entre 1632-34, período em que
vieram tomar posse de suas sesmarias. Um foi instalado em Campo Limpo, o
segundo nas imediações do Cabo de São Tomé e o terceiro nas proximidades do
futuro distrito quissamaense de Barra do Furado. Não era projeto dos fidalgos a
fundação de um núcleo urbano na planície norte do Rio de Janeiro. Quanto às ordens
religiosas dos jesuítas e dos beneditinos, seus interesses eram a catequese dos
nativos e a prática econômica. Quando Salvador Correia de Sá e Benevides tomou
conhecimento da fertilidade das terras da planície, requereu-as como capitania
e pleiteou a ocupação de um vasto latifúndio. Tudo indica que foi ele quem
conseguiu o caráter de freguesia para um núcleo de povoação que se formou no
local correspondente ao sítio da Igreja de São Francisco, na segunda metade do
século XVII.
Havia poucas pessoas reunidas na freguesia de São Salvador dos Campos
dos Goitacazes. Certamente, havia mais pessoas fixadas na área rural que na
futura vila de Campos, que deve ser entendida como extensão do campo. A baixa
densidade demográfica da planície não levou a uma justa compreensão do problema
que era ocupá-la. No primeiro momento, não se notou com clareza que as águas de
transbordamento do rio Paraíba do Sul pela margem direita corriam em direção à
linha da costa, ocupando as rasas lagoas da planície fluviomarinha, em busca da
bacia do rio Iguaçu, subsidiário do Paraíba do Sul num grande delta. Essas
águas não voltavam mais ao grande rio quando seu nível baixava. Na margem esquerda,
ligeiramente mais alta que o nível médio do Paraíba do Sul, após as cheias de
verão, as águas retornavam ao rio, ficando apenas retidas nas lagoas de
tabuleiros e de restinga.
Características
da planície dos Goytacazes
A planície dos Goytacazes é formada por um
terreno aluvial e uma restinga com menos de 5.000 anos de existência e uma
restinga, entre Barra do Furado e a margem esquerda do rio Macaé, com idade de
120 mil anos. Seus limites se estendem do rio Guaxindiba ao rio Macaé. As duas
unidades de tabuleiros na sua retaguarda, embora baixas, não devem ser
consideradas parte da planície.
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As unidades
geológicas formadoras da região norte-noroeste fluminense. A baixada dos
Goytacazes é constituída pela planície aluvial e por duas unidades de restinga
que a ladeiam
A
planície fluviomarinha dos Goitacazes não é apenas uma das planícies do Estado
do Rio de Janeiro, mas a maior delas.
Em 1934, Hildebrando de Araujo Góes anotou que a Baixada dos Goytacazes tem
8.300 km², ou seja, um quinto do território da Holanda. E ele não considerou a
ponta da restinga na margem esquerda do rio Paraíba do Sul nem a planície do
rio Macaé (brejo da Severina). O Paraíba do Sul é o grande formador dessa
planície. A soma das outras três planícies fluminenses supera a dos Goytacazes
em apenas 1.000 km². Ela compreende uma grande área de origem aluvial e a maior
restinga do Estado. Associa-se a ela outra grande restinga, de origem mais
antiga, a restinga de Jurubatiba. Na retaguarda dessa planície, a zona serrana
se constitui da Serra do Mar, bastante íngreme, interrompida abruptamente na
margem direita do Rio Paraíba do Sul, e de uma formação cristalina antiga e
baixa na sua margem esquerda.
A segunda característica da Baixada dos
Goytacazes é a distância entre a zona serrana
e o mar. A planície poderia ser longa e estreita sem deixar de ter as
mesmas dimensões. Mas ela é larga. De Itereré, ponto em que o Paraíba do Sul
deixa a zona serrana, até sua foz, o grande rio percorre uma longa distância em
terras baixas que ele próprio criou. O fluxo é muito lento. Nos
transbordamentos, as águas vertiam pela margem direita formando uma infinidade
de lagoas, das quais a maior era e ainda é a lagoa Feia. As águas que
transbordavam pela margem esquerda encontravam terrenos mais altos,
acumulavam-se em depressões, sendo a mais expressiva a que se denominou lagoa
do Campelo, e voltavam ao rio quando suas águas baixavam.
Já
no segundo sistema hídrico, que denomino de Iguaçu, as águas das chuvas
adquiriam um caráter de enxurrada por conta da vertente atlântica da Serra do
Mar. Elas desciam pelos pequenos rios que desembocam no rio Imbé, engordavam a
lagoa de Cima, vertiam com dificuldade pelo estreito rio Ururaí, provocando
cheias, alastravam-se pela lagoa Feia e saíam apertadas pelo rio Iguaçu. O que
reduzia o impacto das águas tanto na bacia do Paraíba do Sul quanto na bacia do
Iguaçu eram as densas florestas da serra e dos tabuleiros e suas várzeas. Como,
antes de 1534, os índios viviam bem integrados à natureza, as cheias não
causavam danos aos seus parcos bens. Era só procurar as terras altas da baixada
como refúgio até o fim da estação chuvosa. Enxurradas no trecho final do
Paraíba do Sul ocorriam apenas na vertente interior da Serra do Mar, pelos rios
Grande e do Colégio, principalmente.
A terceira característica dessa planície
é a declividade mínima dela entre a
margem direita do Paraíba do Sul e o mar, o que dificulta o escoamento das
águas fluviais e pluviais. Transbordando em períodos de cheia pela margem
direita, as águas do Paraíba do Sul derivavam lentamente e formavam um
verdadeiro pantanal. Foi na margem direita, problemática em termos de drenagem,
que se instalaram a cidade de Campos e a fatia mais significativa da
agroindústria sucroalcooleira.
A quarta singularidade da Baixada dos
Goytacazes é que, a rigor, só existiam três defluentes originais e regulares
das águas acumuladas no continente para o mar: os rios Paraíba do Sul, Iguaçu e
Guaxindiba, que enfrentavam e enfrentam permanentemente a grande energia
oceânica, quinta característica, que
tende a fechar qualquer desaguadouro. Enquanto os rios que drenam as Baixadas
de Sepetiba e da Guanabara desembocam em baías protegidas e os que drenam a
Baixada de Araruama são capturados pela lagoa de mesmo nome e por outras, os da
baixada de Goytacazes lutam contra o mar aberto e violento. Não sem razão,
Alberto Ribeiro Lamego considerou o mar – não o Paraíba do Sul e as lagoas – como
o maior adversário da agropecuária e da vida urbana. Assim, as águas das chuvas
abundantes fluíam lentamente pela grande baixada por canais naturais sinuosos,
tomados por vegetação nativa, até chegar ao mar com dificuldade.
2
A expansão do núcleo urbano de Campos e as lagoas
Na área em que Campos vem crescendo
desde a segunda metade do século XVII, havia muitas lagoas. O primeiro
documento a relacionar algumas é o próprio Roteiro dos Sete Capitães. André
Martins da Palma exalta a lagoa Feia. O cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis
menciona as maiores. Nenhuma das que ficavam nos arredores do núcleo original
de Campos deve ter merecido a atenção dele por serem muito reduzidas em
comparação às muitas outras. No seu mapa, o que merece destaque nos arredores
de Campos é o córrego do Cula, também chamado de córrego Grande. Trata-se de uma
ramificação do Paraíba do Sul que começava no terreno em que se ergueu Campos e
que corria para o rio Iguaçu. Barrado pela restinga, ele formava um grande
banhado que ainda existe. Quanto ao Cula, seu eixo orientou um caminho de terra
que dava continuação ao caminho que procedia do Rio de Janeiro, ligando Campos
a essa cidade. Mais tarde, esse caminho foi substituído pela ferrovia São
Sebastião e pela rodovia Campos-Farol. Trata-se de um dos roteiros da colonização
europeia da região. Quanto ao Cula, restaram dele alguns fragmentos. O pequeno
trecho que se encontra na cidade foi tombado pelo governo estadual e está em
franco processo de desaparecimento. No mapa do cartógrafo, aparecem ainda uma
pequena lagoa não nomeada, que deve ser a lagoa do Furtado, e o brejo do
Espinho.
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Trecho do
Mapa de Couto Reis (1785), mostrando o rio Paraíba do Sul, o córrego do Cula,
uma pequena lagoa (junto ao rio) e o brejo do Espinho
No acervo da Biblioteca Nacional,
encontra-se um mapa desenhado por autor anônimo anteriormente à elevação da
vila à cidade, pelo que se pode ler no rodapé. O autor menciona as lagoas mais
conhecidas na malha do núcleo urbano, como se pode ler: lagoa do Osório ou do
Furtado, lagoa do Curtume e outra área alagada e alagável, além do rio Paraíba
do Sul. Trata-se de um precioso documento.
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Mapa de autor desconhecido
formulado antes de 1835, quando Campos ainda era vila
O perímetro urbano do núcleo pouco
mudou entre sua elevação à condição de vila, em 1677, e a elevação à cidade, em
1835. Uma planta de Campos formulada por Henrique Luiz de Bellegarde Niemeyer
mostrava Campos como um pequeno núcleo urbano, embora, em 1815, o naturalista
alemão Maximiliano de Wied-Neuwied descrevesse a vila como o mais expressivo
núcleo urbano entre o Rio de Janeiro e Salvador. Na planta de Bellegarde,
aparecem com distinção o rio Paraíba do Sul, a lagoa do Furtado, as ruas e as
quadras.
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Planta da
cidade de Campos por Henrique Luiz de Bellegarde Niemeyer
Vinte anos depois da planta
desenhada pelo major Bellegarde Niemeyer, Antonio Justiniano Rodrigues formulou
a “Planta geral do canal do Nogueira”. Embora seu foco não fosse a cidade de
Campos, ela aparece na grande curva da Lapa. As lagoas envolvidas pela malha da
cidade não figuram no desenho. Pode- se perceber, contudo, que a cidade já se
alastrava para o sul e para o norte, acompanhando a margem do Paraíba do Sul e
ultrapassando o perímetro delimitado por Américo Pralon, em 1842.
7
Antonio Justiniano Rodrigues.
Campos na “Planta geral do canal do Nogueira”. Rio de Janeiro: 1857
Tornou-se famosa a enchente de 1833. Um mapa também de
1857, do acervo da Biblioteca Nacional, informa que o transbordamento do rio
Paraíba do Sul pela margem direita seguiu pelo córrego do Cula, causando
grandes estragos. Na breve legenda a seu lado, lê-se: “Valão por onde em 1833
na sua enchente extraordinária transbordou o Rio Paraíba bem assim
anteriormente em casos semelhantes se bem que pouco vulgares”. No seu início, ao
norte, o(s) cartógrafo(s) registra(m) “Cemitério Público fechado com estacada”.
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Córrego do Cula em torno de
1857 ao lado de uma seta que aponta para o norte. Assinala-se a parte de Campos
realmente existente e a parte destinada à expansão urbana, sobretudo em direção
oeste. Acervo da Biblioteca Nacional.
Em outra planta de autor
desconhecido, figura a lagoa do Furtado de forma destacada dentro da malha
urbana de Campos. Pelas características do desenho, o canal Campos-Macaé já
deveria existir, mas o autor não o assinalou.
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Planta de autor desconhecido
mostrando o rio Paraíba do Sul, a lagoa do Furtado e o núcleo urbano de Campos
em expansão.
Na década de 1920, o engenheiro sanitarista campista Francisco
Saturnino Rodrigues de Brito completou seu trabalho do início do século XX:
“Saneamento de Campos” de 1902. O complemento é uma planta para a drenagem completa
das lagoas que restavam na malha urbana. O engenheiro concebeu dois canais de
drenagem nas margens direita e esquerda do canal Campos-Macaé. Ambos deviam
correr a céu aberto. O da direita drenaria a baixa área da Pelinca, já dentro
do perímetro urbano da cidade, que cresceu até a ferrovia, por um lado,
alcançando a avenida Sete de Setembro, por outro. Um canal secundário se
entroncaria a esse para drenar a lagoa Dourada, atrás do antigo Fórum hoje
prédio da Câmara Municipal. Esse canal ramificado escoaria as águas para o
canal Campos-Macaé na altura dos remanescentes da lagoa do Furtado, que seria
totalmente drenada.
Pela margem esquerda, outro canal esgotaria as águas das
lagoas do Goiabal, Santa Ifigênia e João Maria, desembocando no canal
Campos-Macaé. Na planta, assinalei ainda a área correspondente à lagoa do
Curtume, que já havia sido drenada para o Paraíba do Sul, e a lagoa do Saco,
que ainda existia fora do perímetro urbano. Se os canais fossem abertos, talvez
Campos não enfrentasse alagamentos, ainda tão comuns hoje nos pontos em que
existiram as lagoas apontadas por Saturnino de Brito.
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Planta de 1926, feita por
Saturnino de Brito mostrando as lagoas Dourada, do Osório ou do Curtume, do Goiabal,
Santa Ifigênia e de João Maria. Acrescentei as lagoas do Saco e do Curtume
As lagoas
assinaladas por Saturnino de Brito na malha urbana de Campos não existem mais.
Elas foram mal drenadas e, na sua área, foram erguidas casas e abertas ruas.
Quando chove, os principais pontos de alagamento correspondem ao espaço
ocupados por essas lagoas extintas. As lagoas ressurgem. A rua Rocha Leão, nas
proximidades da Alberto Torres, fica alagada. Parece ser o ponto mais baixo da
antiga lagoa do Saco. Assim também na rua que corre atrás da Câmara Municipal.
É a área da extinta lagoa Dourada. Os brejos do eixo Pelinca voltam
rapidamente. O fantasma das lagoas do Furtado sai da sepultura com ímpeto.
Depois da construção da ponte Leonel Brizola, ele se tornou mais assustador, já
que a água desce pela ponte como um rio e se acumula numa de suas cabeceiras.
Ao mesmo tempo, a prefeitura construiu um sistema inadequado para o escoamento
das águas acumuladas em direção ao canal Campos Macaé. A lagoa do Curtume é a
mais modesta. Só mesmo com chuvas fortes, ela reaparece na beira-rio. Já a
lagoa do Goiabal cria problemas com as inundações no Novo Jóquei. A lagoa de
Santa Ifigênia ressuscita na rua Formosa, no trecho em que se ergue o quartel
do 8º BPM. A lagoa João Maria volta na rua Edmundo Chagas e em torno do
edifício Salete quando chove, o mesmo acontecendo no Parque Aurora, na borda
sul de Campos.
Uma das plantas
do Plano Urbanístico Coimbra Bueno, de 1944, não mostra mais as lagoas
assinaladas por Saturnino de Brito em 1926. Provavelmente, elas já teriam sido
drenadas ou soterradas com terra ou lixo, algo que era muito comum nos séculos
XIX e XX. Primeiro, a população jogava lixo nas lagoas. Depois reclamava do
poder público providências contra a poluição e os alagamentos. A planta do
Plano de 1944 mostra apenas a lagoa do Saco, que será drenada posteriormente
pelo canal do mesmo nome, à medida que a cidade se expandia para além da
ferrovia.
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Planta
do Plano Diretor Coimbra Bueno (1944), assinalando a Lagoa do Saco à esquerda
Em 1933, o
governo federal criou a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense para promover
obras que conquistassem terrenos aos brejos, lagoas e rios das quatro baixadas
do Estado do Rio de Janeiro, como mostra seu primeiro diretor num relatório
essencial para compreender os trabalhos das comissões anteriores e do
Departamento Nacional de Obras e Saneamento, que a sucedeu.
No que concerne à baixada dos Goytacazes, o caminho
escolhido para sua drenagem foi o plano que Saturnino de Brito formulou na
década de 1920. Houve modificações significativas feitas pelo DNOS, mas ele
serviu de base. O órgão federal abriu um longo e largo canal entre a lagoa Feia
e o mar – o canal da Flecha. Entre a margem direita do rio Paraíba do Sul e o
canal da Flecha, concentraram-se as obras de drenagem do órgão. Foram abertos
oito canais primários entre as bacias do Paraíba do Sul e do Iguaçu: Itereré,
Cacumanga, Campos-Macaé (já existente e que agora se integra à rede como canal
de drenagem), Coqueiros, Cambaíba, Saquarema, São Bento e Quitingute. Deles
partiam canais secundários, terciários e outros sucessivamente. Do canal
Campos-Macaé, partiu o canal de Tocos, até a lagoa Feia.
Em 1950, a rede de canais da margem direita já estava
praticamente estruturada, como mostra o mapa a seguir. Nas décadas de 1950 e
1960, o órgão irá se ocupar de consolidar e promover a manutenção da rede da
margem direita e cuidar da margem esquerda do Paraíba do Sul.
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Obras efetuadas pelo DNOS até
1950
Na parte
meridional da cidade, longe dela ainda, o DNOS abriu alguns canais para
drenagem de brejos e lagoas, de modo a aumentar a oferta de terras para o
cultivo de cana. Havia ali o brejo do Cachorangongo e as lagoas da Piabanha, da
Caraca e da Barata, além de uma grande área de baixada sujeita a inundações até
a lagoa Grande. O canal de São José drenou a área associada à lagoa Grande. O
canal do Rosário drenou o brejo do Cachorangongo e as lagoas da Caraca e da
Barata. Com o tempo, as áreas destinadas à cana, no sul do perímetro urbano de
Campos, foram ocupadas por bairros novos. O pioneiro foi o Parque Aurora. Com o
aumento dele, novos bairros foram criados, como o Parque
São Lino, o Parque Dr. Beda, o Parque Rui Barbosa e o Parque São Benedito. E a
expansão continua numa área verde em direção ao canal de Tocos.
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Mapa
desenhado por Alberto Ribeiro Lamego em 1954, mostrando a área com lagoas e
brejos hoje ocupada pelo Parque Autora e outros bairros
Na revisão do Plano Diretor, de
2008, o perímetro urbano, a oeste, tangencia o canal de Cacumanga, que recebe o
canal do Saco, que drenou a lagoa do Saco, e alcança o rio Ururaí. É grande a
poluição nos dois, devido a uma urbanização intensa e desprovida dos serviços
básicos de coleta de esgoto e lixo. O início do canal de Coqueiros já foi
assimilado pela área urbana. Na extremidade leste, o perímetro foi estabelecido
no canal de Cambaíba. Na verdade, já existe uma continuidade urbana entre
Campos e Goytacazes. A cidade tende a alcançar Tapera e Ururaí. Na margem
esquerda, ela já englobou o distrito de Travessão. Difícil crer que uma linha
traçada como perímetro detenha a expansão da cidade.
O indiscutível, entretanto, é o uso
dos canais como vias de drenagem por ocasião de chuvas e transbordamentos. O
centro do sistema é o canal Campos-Macaé. Ele está ladeado pelos canais de
Cacumanga, Coqueiros e Cambaíba. Mas canais desprezados, como o canal natural
do Cula, são fundamentais para a drenagem urbana. A avenida Pelinca e seu
entorno dependem dele.
14
Perímetro
urbano (linha tracejada) para o Plano Diretor revisto
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Canais: 1-
Cacumanga; 2- Campos-Macaé; 3- Coqueiros; 4- Cambaíba; 5- Saco; 6- Cula; 7-
Goiabal; 8- Tocos; 9- São José; 10- Rosário
Campos dos Goytacazes é uma cidade
de matriz europeia. Nada nela nos leva a concluir que tenha derivado de modelos
asteca, maia ou inca. Ou ainda indiano e chinês. A Europa cristã fez
experiências com um modelo urbano extremamente dinâmico, com mudanças
constantes. No mundo extra-europeu, esse modelo de cidade desenvolveu-se com um
marcante traço: a grande desigualdade social. Essa característica leva as
cidades a se desenvolverem de forma desordenada, com a ocupação de áreas
ambientalmente frágeis. Daí os frequentes desastres causados por chuvas,
alagamentos e deslizamentos de encostas.
Referências
GABRIEL,
Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.;
SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas)
e GOMES, Marcelo Abreu. Roteiro dos Sete
Capitães. Macaé: Funemac Livros, 2012.