Soffiati viajou no tempo e no espaço para trazer alguns apontamentos sobre as origens desse simpático bairro inclusive a melhor hipótese sobre a gênese de seu nome. Um bairro cujos moradores-trabalhadores no passado alimentaram a usina de açúcar com o seu nome e hoje, ajudam a manter uma boa parte das atividades de serviços da cidade.
Breve
história natural e social do rio Ururaí (I)
Arthur
Soffiati
Entre
10 e 5 mil anos passados, o mar avançou na área continental correspondente à
planície dos Goytacazes e chegou à lagoa de Cima. O antigo continente foi
erodido e deu lugar a uma imensa laguna, que mantinha contatos com o mar em
vários pontos. A partir de 5 mil anos, o mar começou a recuar. Aos poucos, o
rio Paraíba do Sul e outros pequenos rios transportaram sedimentos da zona
serra e dos tabuleiros. Esses sedimentos foram depositados na área da antiga
laguna, formando uma imensa planície aluvial. A constituição de uma grande
restinga pelo mar e pelo rio Paraíba do Sul completou a planície. Argila e
areia formaram a maior planície do futuro Estado do Rio de Janeiro, uma
planície fluviomarinha.
1 - Em 5.100, o
avanço do mar sobre o continente chega perto da lagoa de cima. A futura baixada
dos Goytacazes já foi mar. Chegando ao máximo, o mar começa a recuar e um novo
continente passa a ser construído com material trazido da zona serrana pelo rio
Paraíba do Sul e outros menores
O
rio Ururaí associa-se ao processo de formação da planície. Ela nasceu com o
recuou do mar e a formação da baixada. Com origem há cinco mil anos antes do
presente, é um rio novo. Ele se formou como escoadouro das águas da lagoa de
Cima, que, por sua vez, é formada pelos rios Imbé e Urubu. O Imbé coleta águas
de pequenos rios que descem da Serra do Mar, que funciona como divisor de
águas: pelo rio Imbé, as águas da vertente direita chegam ao mar. Pelo rio
Paraíba do Sul, as águas da vertente esquerda alcançam o oceano.
Todo
rio busca a parte mais baixa do terreno. O Ururaí não é diferente. Ele coleta
as águas da lagoa de Cima e recebia, como afluente pela margem esquerda, o rio
Preto. A tendência de qualquer rio é chegar ao mar, mas ele pode encontrar no
caminho outro rio ou lagoa. Foi o que aconteceu com o Ururaí. Ele encontrou a
lagoa Feia no caminho, também formada pela construção da grande planície. Esta,
por sua vez, desaguava por vários pequenos braços que formaram o rio Iguaçu
(hoje muito mutilado), que alcançou o mar onde hoje fica a barra da lagoa do
Açu.
Assim,
podemos estabelecer uma continuidade complexa da nascente do rio Imbé à foz do
rio Iguaçu: o Imbé corre ao pé direito da Serra do Mar até a lagoa de Cima, que
também recebe águas do rio Urubu; deságua no rio Ururaí, que recebe a
contribuição do rio Preto; corre entre a zona serrana e a planície aluvial
formando algumas lagoas, das quais as mais importantes são as lagoas de Pau
Funcho. Alcança a lagoa Feia, que forma o rio Iguaçu por vários distributários.
Este, por sua vez, corria até o mar.
Cabe aqui uma
palavra sobre o rio Preto. Seu curso o conduz ao rio Paraíba do Sul, no qual,
outrora, desaguava. Com as cheias deste, porém, seu curso era obstruído e
desviava-se para o rio Ururaí, do qual atualmente é tributário, mantendo,
porém, uma foz facultativa fixada por ação do Departamento Nacional de Obras e
Saneamento (DNOS), que pode funcionar também como tomada d’água. Manoel Martins
do Couto Reis diz que ele se bifurca, fazendo barra no Paraíba do Sul e
lançando um braço limitado para o Ururaí. Manoel Aires de Casal entende-o como
uma grande curva do Ururaí que se aproxima do Paraíba do Sul, podendo
comunicar-se com ele através de um canal. A tendência natural das cheias e o
rio Preto demonstram a íntima ligação entre as bacias do Paraíba do Sul e da
lagoa Feia.
2 - O novo
continente quase formado em torno de 2500 anos antes do presente. Destaque
para os rios Preto, Ururaí, Imbé, lagoa de Cima e lagoa Feia
Por
correr o rio Ururaí entre dois terrenos distintos e de idades muito distantes
uma da outra, naturalmente suas formações vegetais nativas também são
diferentes. Pela margem direita, a vegetação, originalmente, era formada pela
Mata Atlântica na sua feição ombrófila densa. Vale dizer, a Mata Atlântica na
sua fisionomia mais conhecida: úmida, complexa, de grande biodiversidade. Ela
cobria as margens da lagoa de Cima e dos rios Imbé e Urubu, apresentando feição
contínua até elevados pontos da Serra do Mar. Já pela margem esquerda do
Ururaí, alastrava-se um tipo de vegetação que Henrique Veloso denomina de
pioneira de influência fluvial, com duas formas: permanentemente alagada ou
alagável em períodos de cheias. A primeira é a vegetação típica de lagoas
rasas. A segunda permite o crescimento de algumas plantas arbustivas e
arbóreas.
3- Os dois tipos
de vegetação de influência fluvial: ao fundo, mata inundável; na frente,
vegetação aquática.
A
primeira informação sobre o rio Ururaí de que se tem notícia está no “Roteiro
dos Sete Capitães”. Na segunda viagem que os fidalgos empreenderam à região, em
1633, a
viagem de batismo dos acidentes geográficos, o capitão Antonio Pinto proclamou
a seus colegas: “Já temos dado apelido a outros lugares, é necessário ir dando
a outros também, pois estamos em um país inculto, que está em uma escuridade, é
necessário que nós lhe demos a luz da aurora, para os nossos vindouros e para a
sua civilização.”. Seus companheiros concordaram prontamente. Assim é que,
topando com um rio que formava um pântano cercado da palmeira raraí, decidiram
emprestar este nome ao curso d’água. Por sua posição, tudo leva a crer que se
trata mesmo do rio Ururaí. Noutra passagem do documento, escreve-se que “...
seguiu a campina e atravessou alguns lagos, direito a um alto que lhe demos o
apelido do “Retiro”, por estar no centro desse alto não muito longe de um
riacho d’água que fica ao sudoeste à beira de um mato, vai em direitura à
grande Lagoa-feia; desta beira à sua margem da parte norte, por não podermos
atravessar a grande Lagoa-feia, até apanhar a barra do rio dos Macacos, vizinho
do Ururaí.” O rio aparece de repente, sem ter sido nomeado antes. Ururaí, em
tupi, significa água de jacaré. A espécie de jacaré que ainda ocorre na região
é o ururau. Água em tupi é í. Daí Ururaí. Quanto ao rio dos Macacos, deve ele
corresponder ao hoje denominado rio Macacuá, intimamente ligado ao Ururaí e com
matas alagáveis que deveriam ser o abrigo de macacos, pois macacuá significa em
tupi mato de macaco.
Manoel
Martins do Couto Reis, em 1785, mais de um século depois dos Sete Capitães,
explica que o rio Ururaí esgota as águas da lagoa de Cima para a lagoa Feia,
descrevendo um trajeto com grandes meandros, o que tornava a navegação
enfadonha. O capitão cartógrafo ainda faz um registro importante sobre o rio:
“Ele dá excelente transportação às madeiras que descem do sertão em canoas ou
balsas. Seria de muita utilidade se nas maiores voltas se fizessem cortaduras
para encurtar e facilitar a navegação.” Pela informação do autor, o
desmatamento dos tabuleiros e da zona serrana baixa já estava em curso no final
do século XVIII. Sua sugestão de retilinizar o rio será acatada pelo
Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), que, no século XX,
substitui os meandros do rio, entre a localidade de Ururaí e a lagoa Feia, por
linhas retas. Cada sistema econômico lida coma natureza de forma distinta. O
sistema capitalista é o mais radical de todos. Podemos dizer, assim, que o rio
Ururaí já estava sendo ocidentalizado pelo capitalismo no século XVIII, pelo
menos quanto à navegação e ao desmatamento.
4 - O rio Ururaí entre a lagoa de Cima e a localidade de Ururaí. Como nesse trecho não houve canalização, o rio apresenta meandros acentuados
Manoel Aires
de Casal observou que o Ururaí cumpria o papel de desaguadouro da lagoa de
Cima. José Carneiro da Silva ressaltou que o rio Ururaí nasce na lagoa de Cima
e deságua na lagoa Feia, enquanto José de Souza Azevedo Pizarro e Araujo
limita-se a dizer que ele fermenta na lagoa de Cima. Henrique Luiz de Niemeyer
Bellegarde também o menciona rapidamente, explicando que “deriva-se da
extremidade oriental da Lagoa de Cima, e vem por junto da Serra do Itaoca,
fazer barra na Lagoa Feia, com 6 léguas de curso. Antonio Muniz de Souza
encantou-se com a lagoa de Cima. Já existiam povoadores nela, mas ainda podiam
ser vistas densas florestas habitadas por antas e tamanduás-bandeira. Sobre o
rio Ururaí, contudo, ele se limita a repetir o que outros autores escreveram
antes dele. Por sua vez, José Alexandre Teixeira Mello repete Bellegarde apenas
substituindo as 6 léguas por 52 quilômetros .
Referências
BELLEGARDE, Henrique Luiz de
Niemeyer. Relatório da 4ª seção de Obras
Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva diretoria em
agosto de 1837. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I.F. da Costa, 1837.
CASAL, Manuel Aires de. Corografia brasílica. São Paulo: Edusp,
1976.
COUTO REIS, Manoel Martins
do. Manuscritos
de Manoel Martins do Couto Reis – 1785: Descrição geográfica, política e cronográfica
do Distrito dos Campos Goitacazes. Campos dos Goytacazes: Fundação Cultural
Jornalista Oswaldo Lima; Rio de Janeiro: Arquivo Público do Estado do Rio de
Janeiro, 2011.
GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e
LUZ, Margareth da (orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça
dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas) e GOMES, Marcelo
Abreu. Roteiro dos Sete Capitães.
Macaé: Funemac Livros, 2012.
MELLO, José Alexandre Teixeira
de. Campos dos Goytacazes em 1881.
Rio de Janeiro: Laemmert., 1886.
PIZARRO E ARAUJO, José de
Souza Azevedo. Memórias históricas do Rio
de Janeiro, 3º vol., 2ª ed. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
SILVA, José Carneiro da. Memória topográfica e histórica sobre os
Campos dos Goitacases (1ª ed.: 1819). Rio de Janeiro: Leuzinger, 1907.
SOUZA, Antonio Muniz de. Viagens e observações de um brasileiro,
3ª ed. Salvador: Instituto Histórico e
Geográfico da Bahia, 2000.
VELOSO, Henrique Pimenta;
RANGEL FILHO, Antonio Lourenço Rosa; e LIMA, Jorge Carlos Alves. Classificação da vegetação brasileira, adaptada
a um sistema universal. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 1991.
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