domingo, setembro 27, 2020

Nossos dados precisam deixar de ser a commodity mais valiosa do mundo

Em artigo recente eu comentei que está em curso a commodificação dos dados. [1].

Para muitos isso pareceu um exagero. Uma retórica. Porém, eu disse mais e reafirmo. A commodity dos dados tem proprietários, assim como as demais commodities possuem donos. 

Propriedade que interpretada sob o modo de produção capitalista se divide em frações de classe: terra, capital e o trabalho. Os dados de cada um de nós diariamente, em quintilhões, vai sendo apropriado de forma coletiva por terceiros. Eles são os donos. Da mesma forma como existe e é registrada a propriedade da terra, do minério, do óleo, da soja e outras commodities.

Mas o que é commodity? Normalmente as commodities são produtos de origem da extração mineral e da agropecuária. Caso do petróleo, minério de ferro, café, açúcar, soja, arroz, trigo e outras.

Commodity é uma palavra inglesa que na origem significava todo tipo de mercadoria. Porém, com o transcurso do capitalismo, o termo passou a ser visto, como a de um produto obtido em quantidade e com características uniformes. 

Hoje, tecnicamente, commodities são as mercadorias produzidas em larga escala e que não podem ser diferenciadas de acordo com quem as produziu ou de sua origem, sendo seu preço uniformemente determinado pela oferta e procura internacional. 

Porém, sabemos que nem todo o minério de ferro é igual. Dependendo da origem há uns mais puros, assim como o petróleo, uns mais pesados e parafinados que outros, conforme o campo e a área de sua extração. Ainda assim, essas mercadorias não deixam de ser commodities com preços variando em torno da referência do que é o geral.

No caso dos dados também há especificidades, conforme a origem de quem a disponibiliza. Pois então, aí reside uma singularidade dos dados enquanto commodity. O dado é extraído, mas não é vendido. E portanto, nem comprado. Os dados na prática, são fornecidos “voluntariamente” por todos nós que usamos as plataformas digitais, em especial, as redes sociais, praticamente, metade da população mundial. No ocidente, esse percentual supera 80% da população.

Cada vez mais sabemos que quem extrai nossos dados como commodity (assim de forma massificada), também armazena em Big Datas (BD). A seguir processa com uso da ferramenta dos algoritmos e da chamada Inteligência Artificial. E ganham muito, muito, muito dinheiro com essa propriedade que confisca das pessoas e instituições.

Os donos dessas commodities conseguiram uma proeza. Ganham com essa mercadoria muito mais do que ganhou até aqui os magnatas do petróleo, os oligopólios do setor siderúrgico, das montadoras de automóveis ou qualquer outro da história considerada como de muito sucesso no capitalismo global.

Além de tudo, se já não fosse suficiente, a commodity dos dados confere um poder ainda maior aos seus proprietários, do que aos donos das demais mercadorias que são transportadas por navios gigantes entre os maiores portos dos mundo.


Commodity digital, mas que exige enorme infraestrutura material

As commodities são consideradas como uma informação digital e como tal seria um bem intangível. Porém, essa informação (dados) para ser extraída depende que alguém a ofereça (nós), mas necessita de uma potente infraestrutura de comunicação, como mais de 2 milhões de cabos ópticos que fazem a ligação entre bases de milhões de equipamentos.

Hoje, chamam de nuvem (cloud) [2], toda essa infraestrutura que nunca esteve no ar (éter) com memória física para guardar essas informações (dados) que são coletados na ordem de 2,5 quintilhões gerados diariamente, entre os emails, mensagens do whatsapp, twittes, horas de uso de streaming (NetFlix e outros), pesquisas no Google, etc. 

Nem os cabos e nem essas máquinas de armazenagem de dados estão no ar, mas passaram a ser chamados de nuvem [2], o que ajuda na ideia de que seria algo natural, embora as nuvens sejam reflexos do clima e vinculadas também a tempestades e tragédias inesperadas como a digital, que nos ameaça.

Portanto, além de commodity, essa propriedade extraída das pessoas, considerada de uma forma geral como imaterial e digital, exige uma colossal infraestrutura de logística para ser transportada e armazenada, como commodities digitais, em não menos gigantes, armazéns chamados de big datas, sob a guarda de seus novos donos.

Esses proprietários, assim como o dono de uma tonelada de minério de ferro comprado do dono de alguma mina, em seguida amplia o valor dessa mercadoria com processamentos e beneficiamentos que agregam valor à mercadoria, os dados das pessoas, empresas e instituições e nações.

No caso dos dados, esses beneficiamentos incluem a identificação e apuração de quem são as personas, os sujeitos que os geraram. Suas características, seus movimentos geolocalizados pelo mundo, seus interesses, suas idiossincrasias, seus comportamentos individuais e/ou, em interação social com diferentes grupos, suas ideologias, fé, capacidade de liderança, etc.

Isso é feito em proporção cada vez maior com uso dos chamados algoritmos e da Inteligência Artificial que é assim chamada porque é inteligência de máquina, computadores. Quanto maior a quantidade de dados, mais rápido e exponencial é o aprendizado das máquinas (Machine Learning).


O processo da valorização da commodity dos dados que não desaparece quando consumido

Quando saem dos sujeitos, que são seus donos originais, os dados entram num processo de valorização. Os dados após processados ganham muito mais valor. Assim acontece também com a commodity petróleo. Sem ser processado o petróleo não tem nenhuma utilidade. Porém, depois de beneficiado se transforma em gasolina, diesel, plásticos e mais de 3 mil outros produtos.

Os dados como commodities, após processados em bateladas, mas com a busca dos sujeitos que os geraram, ganham mais valor e são utilizados em dois principais campos ou atividades: econômico-comercial e o político-disputa de poder.

As Big Techs (grandes corporações do setor de tecnologia), o Facebook e o Google, em especial, sabem o valor destes dados já tratados, “beneficiados” e prontos para usos vários e cada vez mais intensos. E com a vantagem, os dados não desaparecem quando são consumidos. 

Assim, eles geram valor todo o tempo, sendo uma outra vantagem em relação às demais commodities. Assim, a commodity dos dados geram bilhões de dólares que começa com a propaganda direcionada. O que é isso? É dirigir a você informações sobre o que você deixou a internet saber que você precisa ou aprecia.

A empresa-plataforma que extraiu os seus dados, agora lhe conhece porque são os novos proprietários dessa commodity. Essa commodity foi extraída de você, no momento quem que fazia uso das plataformas digitais (redes sociais e outras) - que você imagina (ou imaginava) gratuito. Você não sabia que tinha se transformado em produto, só que com o nome de usuário. Assim, já na condição de produto, você permite que “voluntariamente” esses dados sejam extraídos, para serem despois processados e vendidos para quem produz algo que você pode vir a necessitar pelos rastros que deixou na internet.

Esse mecanismo vem aumentando vertiginosamente os lucros destas empresas-plataformas que não criam valor, não criam riquezas. Elas apenas extraem valor que os seus dados oferecem pela lei do mercado e - até aqui - sem regulação. Essas empresas-plataformas ganham por esta intermediação digital que é vinculada à infraestrutura material e logística para a entrega do que foi adquirido.

Assim, a plataforma de intermediação não fica apenas com a comissão deste negócio, mas também com a renda que ficava antes com o comerciante local. Além disso, também força a produção (a indústria) a produzir por mais baixo custo, para não perder competitividade, na medida em que os mercados estão todos ligados, o que tornam os preços e os custos de produção de todos mais conhecidos. Assim o produtor de preços mais elevados não se sustenta e parte para redução de custos sobre o trabalho.

O resultado disso é a já conhecida precarização na entrega e na produção. É por isso que o mercado exige as “reformas trabalhistas” para desregular o trabalho, que como mercadoria passa a ser negociado em condições piores, na medida que sobra mão de obra, levando à redução dos salários, cortes de direitos sociais, trabalho por demanda (GIG Econony), numa espécie de neoescravidão.


A tecnologia como instrumento da commodificação dos dados se torna o mais importante fator de produção na economia contemporânea

A extração dos dados (commodity) é a base deste processo. Essa commodity tem cada vez maior valor, porque cada vez se deseja mais esses dados e os seus resultados. É uma lógica de mercado. A maior busca pela mercadoria aumenta o seu valor. E por ser fundamental para também garantir mais valor sobre todas os outros setores econômicos (frações do capital), mesmo aqueles que não são commoditificados, o seu valor potencialmente cresce ainda mais.

É no percurso de valorização desta commodity que a tecnologia que extrai, transporta, armazena e processa esses dados, deixa de ser um simples fator de produção e passa a ser, no capitalismo contemporâneo, o mais importante fator na economia, porque atua não apenas na produção com a automação (e a robótica), mas também na distribuição para o consumo e, de forma especial, na etapa de circulação das mercadoria que passa por uma “quase revolução”. E como plataforma de intermediação age sobre todos os demais setores da sociedade. 

Não é por outra razão que neste período de um semestre de pandemia, as empresas de tecnologia foram as que mais cresceram em receitas, lucros e, de forma especial, em valor de mercado, segundo a publicação Top 100 do Financial Times. [3] Assim, as empresas-plataformas ganham mais e cada vez mais. A Apple sozinha chegou a US$ 2 trilhões de valor de mercado, uma vez e meia o PIB do Brasil, a oitava economia do mundo. [4]


A dimensão tecnopolítica da utilização dos dados como mercadoria (commodity)

A breve descrição acima é uma parte do resultado da commoditificação dos dados na dimensão econômica que favorece ao violento esquema do e-commerce, em especial do varejo. Em breve publicarei um texto sobre a disputa do e-commerce do varejo no Brasil.

Porém, para fechar, é no campo político e da disputa de poder que o desdobramento do uso dos dados é ainda mais preocupante. Ao conhecer cada um em detalhes, a manipulação deixa de ser risco e se transforma em fato. Cerca de 70% dos brasileiros, 140 milhões, utilizam redes sociais e a aplicativos de mensagens, de forma mais expressiva no Brasil, o whatsapp.

Enfim, sob o signo de uma ideia difusa de progresso e de um fetiche que a tecnologia exerce sobre toda a sociedade, as plataformas digitais, na condição de meio de circulação informacional e logístico, seguem de forma desregulada extraindo renda de toda a sociedade.

O resultado de tudo isso tem sido a guetificação, memificação e a perda da capacidade de interlocução da política, como forma de mediar os diferentes interesses na sociedade. Na prática, o meio que é a plataforma digital, por onde a informação trafega, se tornou um instrumento inverso à intermediação política. 

A plataformização (em especial as redes sociais) tem promovido a antipolítica, a não mediação e a interdição do debate e das formas de construção política. Os algoritmos e o “aprendizado de máquina" exploram as vulnerabilidades humanas e favorecem o individualismo que é o inverso da ideia de sociedade e civilização. 


Conhecer o fenômeno é o início 

Tenho dificuldades de identificar que a ocupação dos espaços nas redes socais com a disputa dos tamanhos das bolhas possam superar a lógica deste mecanismo que é centralizado pelo próprio poder econômico que também comanda o poder judiciário. Não é por outra razão que a regulação das plataformas digitais - até o momento - não tem passado de intenções. 

Não é aceitável que se continue a acreditar que serão as próprias empresas-plataformas que regularão, em autorregulação. É como imaginar que o sujeito vai agir contra si próprio, por altruísmo, sem regulação.

Os Estados se mostram impotentes para controlar esse processo, seja em termos de uma obrigação de divisão das empresas e oligopólios, seja em termos de tributação, ou controle da sociedade no direito à privacidade que deveria proibir essa commoditificação dos nossos dados, tanto para uso comercial e/ou político. Os nossos dados podem e devem estar à disposição daquilo que seja bem comum, do interesse coletivo e de toda sociedade não de grupos e empresas privadas.

Ainda assim, penso que é preciso explicar à sociedade o fenômeno que está diante de nós. O Estado que sempre serviu ao capitalismo, mas evitava alguns excessos está sendo abolido. Nesta fase, o capitalismo deixou de usar o mercado. O mercado e os oligopólios assumiram de forma quase total o controle da sociedade. Uma espécie de autocontrole do hipercapitalismo do presente. Não sei se isso interessa aos capitalistas, porque uma sociedade sem Estado está muito mais próxima de um outro regime pós-capitalista.

Por tudo isso, é preciso lutar contra o risco da barbárie. Conhecer mais a fundo esse fenômeno é o primeiro passo e exige muitas cabeças e braços. Mesmo que com limitações, é oportuno insistir em esforços contra hegemônicos que tentam usar e ocupar as próprias redes e plataformas digitais para exigir o que não se consegue na sociedade.

É necessário ainda lutar com toda a força para responsabilizar os donos das plataformas digitais gigantes (FB, Google, Amazon, Apple, Microosoft) e exigir o controle e a privacidade dos dados pela sociedade. Nossos dados não podem ser uma simples mercadoria, uma commodity. Eles são nossos e estão sendo confiscados.

Só a pressão da sociedade modifica esse processo. Só a Política pode mudar (ou não) o que está em curso com o gigantismo e a dominação que o setor tecnologia exerce através do processo de plataformização.

Referências e/ou notas:

[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma. Revista ComCiência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e SBPC. Disponível em: http://www.comciencia.br/commoditificacao-de-dados-concentracao-economica-e-controle-politico-como-elementos-da-autofagia-do-capitalismo-de-plataforma/

[2] O termo Cloud Computing surgiu em 1997, em uma palestra de nível acadêmico ministrada pelo professor de sistemas de informação Ramnath Chellappa. Porém, alguns meses antes, em 1996, um plano de negócios elaborado por um grupo de tecnólogos da empresa Compaq também utilizou o termo ao discutir a evolução da computação. Já o conceito da tecnologia é associado a John Mccarthy, criador da programação LISP e pioneiro na tecnologia de Inteligência Artificial. Nos anos 60, ele discutiu a computação por tempo compartilhado, na qual o computador podia ser utilizado simultaneamente por dois ou mais usuários para realizar tarefas. O conceito foi chamado por ele de “Utility Computing”. Informação obtida em: https://skyone.solutions/pb/conheca-a-computacao-em-nuvem/

[3] Financial Times. FT Series. 19 junho de 2020. P.1-11. Coronavirus economic impact Prospering in the pandemic: the top 100 companies. https://www.ft.com/content/844ed28c-8074-4856-bde0-20f3bf4cd8f0

[4] Matéria de O Globo. 20 de Agosto de 2020 p. 33. Apple bate recorde e atinge valor de US$ 2 trilhões: fabricante de iPhone é a primeira empresa americana a alcançar esse patamar no mercado. Globo online em 19 agosto de 2020: https://oglobo.globo.com/economia/apple-bate-novo-recorde-atinge-us-2-trilhoes-em-valor-de-mercado-24594445

PS.: Atualizado 30/09/2020, às 12:16: para ajustar alguns poucos pontos do texto.

quinta-feira, setembro 24, 2020

O que pode estar por trás das concessões e descobertas nas bordas do Pré-sal na Bacia de Campos, por Francismar Cunha

O geógrafo, mestre e doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisador sobre o setor de petróleo e suas repercussões sobre o território, levanta em suas recentes pesquisas, uma questão muito importante que diz respeito a interesses nacionais sobre a nossas reservas do Pré-sal.

As questões e hipóteses suscitadas podem indicar decisões e encaminhamentos que foram tomados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e pela Petrobras que parecem refletir mais os interesses das petroleiras privadas que se tornaram as proprietárias, a partir da aquisição em leilão, das áreas das bordas do polígono do pré-sal, lembrando que esses limites das áreas são passíveis de questionamentos e segundo muitos geólogos que acompanharam toda os levantamentos e prospecções que redundaram na descoberta da maior fronteira petrolífera descoberta nas duas últimas décadas no mundo. 

Francismar afirma que essas "as novas´ descobertas no pré-sal fora do polígono do pré-sal (picanha azul) podem vir a ocorrer nos próximos anos e não serão realizadas mais pela Petrobras" e sim pelas petroleiras privadas internacionais (IOC- International Oil Corporations). Ou seja o Brasil está entregando o filé e ficaremos com o osso. Por tudo isso, vale conferir o artigo e os dois excelentes mapas para se compreender o que está em curso.


O pré-sal para além da picanha azul e o crescimento das petroleiras multinacionais no pré-sal

No último dia 23 de Setembro de 2020 a Petrobras divulgou em sua página, na seção de relações com investidores, a informação de que havia a presença de hidrocarbonetos em um poço pioneiro (poço 1-BRSA-1376D-RJS (Naru) do bloco C-M-657, em profundidade d’água de 2.892 metros, localizado no pré-sal da Bacia de Campos a aproximadamente 308 km da cidade do Rio de Janeiro. A perfuração do poço teve início um junho de 2020 por meio do navio-sonda West Tellus, da multinacional Seadrill.

A notícia rapidamente foi reproduzida pelos cadernos econômicos de jornais da mídia corporativa (O Globo, Valor, Money Times, dentre outros) carregada de otimismo para o mercado, especialmente o financeiro.

Entretanto, diante dos primeiros resultados obtidos no poço pioneiro pouco se questionou sobre sua posição geográfica na bacia de Campos. O boletim da Petrobras e os jornais corporativos que reproduziram a informação aponta apenas que foi uma descoberta no pré-sal a 308 km da cidade do Rio de Janeiro. Não se comenta que a descoberta é no pré-sal, mas fora do polígono do pré-sal estabelecido pela lei 12.351 de 12 de dezembro de 2010, a chamada picanha azul. Na realidade, o bloco é exatamente limítrofe ao polígono do pré-sal. O boletim da Petrobras até trás um mapa indicando a localização do bloco e do poço pioneiro, entretanto, o mesmo não tem legenda indicando o significado das diferentes cores que aparecem no mapa. Sendo assim, segue no mapa 01 a localização do bloco C-M-657 no entorno da picanha azul:


Mapa 01: Localização do bloco C-M-657 e seu entorno:



Conforme aponta o mapa 01, o bloco C-M-657 foi comercializado pela ANP, no leilão da 15° rodada de concessão realizada em março de 2018. Essa rodada, assim como a 16°, realizada em outubro de 2019, teve como característica a oferta de blocos limítrofes e contíguos ao polígono do pré-sal. Entretanto, outra coisa que chama a atenção e que caracteriza essas rodadas de leilões é o fato de que a grande maioria dos blocos foi adquirida exatamente por petroleiras multinacionais, conforme aponta o mapa 02.

Mapa 02: Campos de produção e blocos de exploração com suas concessionárias nas bacias de Campos e Santos*:

        *A primeira empresa que aparece na descrição de cada bloco corresponde à petroleira operadora.

Observando o mapa 02, nota-se que na 15° rodada de concessões, dos 12 blocos mapeados, a Petrobras tem participação em apenas quatro (C-M-657 e C-M-709 como operadora e C-M-753 e C-M-789 como membro do consórcio) os outros oito foram adquiridos por consórcios que contam unicamente com petroleiras multinacionais como Repsol, Chevron, ExxomMobil, Shell, QPI, etc. 

O mesmo processo se repete na 16° rodada, em que os 12 blocos apontados no mapa 02 no entorno do polígono do pré-sal a Petrobras participa como operadora apenas de um (C-M-447). Os demais 11 blocos foram adquiridos por consórcios formados novamente pelas grandes petroleiras multinacionais.

A participação das petroleiras multinacionais vem sendo crescente na indústria petrolífera brasileira, basicamente em função da alteração de marcos regulatórios e em função das medidas adotadas pelas últimas gestões da Petrobras que consiste no desmonte/privatização da companhia e na diminuição dos seus investimentos.

Quanto às alterações das regulamentações tem-se como exemplo a alteração da lei do regime de partilha em 2016. A lei 12.351 do regime de partilha foi criada em 2010. Ela, além de delimitar o polígono do pré-sal, estabelecia, dentre outras coisas, novas regras para leilões de blocos para as áreas do pré-sal no interior do polígono, como a exigência de que a Petrobras fosse à petroleira operadora dos contratos com uma participação de no mínimo 30% sobre as áreas licitadas. 

Em 2016, depois do golpe, o então senador José Serra propôs um projeto de lei, que posteriormente foi aprovado (lei nº 13.365, de 29 de Novembro de 2016) que retirou a cláusula de obrigatoriedade de participação da Petrobras no regime de partilha. Nesse sentido, as multinacionais passaram a ter maior acesso ao interior do polígono do pré-sal após 2016 (rodadas 03, 04, 05 e 06 de partilha) como demonstra o mapa 02.

Por outro lado, a diminuição da participação da Petrobras nos leilões, em especial na 15° e na 16º rodada, se justificam, dentre outras coisas, devido à queda dos investimentos da companhia. Por exemplo, em 2013 a companhia teve, segundo seus relatórios administrativos, um investimento de 104,4 bilhões de reais, em 2018 o investimento caiu para 49,37 bilhões de reais. Uma queda de 52,7% nos investimentos em cinco anos. Esse fator também se apresenta como sendo uma justificativa para a crescente participação das multinacionais.

Vale lembrar ainda que se soma e esses processos, as privatizações realizadas pelas últimas gestões da Petrobras. Dentre as várias vendas realizadas, pode-se citar como exemplo a venda da participação no BM-S-8 (rodada 02) no polígono pré-sal onde a Petrobras vendeu seus 66% no bloco para a Equinor.

O crescimento das multinacionais no circuito do petróleo é um processo que vem se expandindo no contexto das políticas neoliberais no Brasil e tem ultrapassado as atividades de produção e exploração. Entretanto, focando somente nas atividades de produção e exploração na presente ocasião, quando olhamos para as bacias de Campos e Santos, nota-se que as multinacionais têm buscado aumentar suas participações não somente no interior do polígono do pré-sal, na picanha azul, mas principalmente no seu entorno conforme demonstra os resultados dos últimos leilões da ANP (rodadas 15 e 16) conforme aponta o mapa 02. 

Esse entorno que começa a dar sinais concretos da possibilidade da existência de importantes reservas de petróleo com o poço pioneiro do bloco C-M-657 anunciado pela Petrobras. Vale ressaltar que a possibilidade de ocorrência de petróleo no pré-sal, para além dos limites do polígono do pré-sal já era apontada por geólogos como Marco Antônio Pinheiro Machado em seu célebre livro Pré-sal: A saga. Marco Antônio aponta que isso seria possível em função das características geológicas da plataforma continental e também em função da capacidade migratória do petróleo no interior das rochas.

Sendo assim, “novas” descobertas no pré-sal fora do polígono do pré-sal (picanha azul) podem vir a ocorrer nos próximos anos. Essas que serão não mais realizadas pela Petrobras, mas pelas multinacionais que estão passando a controlar cada vez mais as áreas exploratórias do Brasil, inclusive nas áreas do pré-sal para além do polígono. 

Além disso, é importante ressaltar que o próprio polígono vem perdendo sua importância que era de delimitar a área de regulamentação do regime de partilha, afinal, o regime foi alterado conforme demonstrado. Nesse sentido, pode-se concluir que o pré-sal pode está passando por uma importante transformação que consiste essencialmente no crescimento do setor privado sob o controle do mesmo.

domingo, setembro 20, 2020

Os maiores fluxos financeiros ilícitos passam pelos EUA e Reino Unido

Há quem fale em combater a corrupção e queira tratar apenas dos ilícitos que escolhe, na maioria dos casos guiados pelo discurso moralista e político, sem querer identificar a enorme teia financeira de negócios escusos que envolvem colossais fluxos de dinheiro entre os grandes bancos, as gestoras de fundos financeiros e as grandes corporações globais. 

Interessante ainda imaginar que algumas cabeças colonizadas ainda insistem em afirmar que a grande corrupção é um problema da periferia do capitalismo. Os fatos narrados servem para reforçar o equívoco da interpretação de que os problemas de corrupção são exclusivos do campo da política. Longe disso. Para saber alguns detalhes vale ler a matéria [aqui] da revista Piauí que é fruto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. 

A reportagem diz que "documentos secretos do governo americano mostram como cinco bancos multinacionais ignoraram alertas e movimentaram dois trilhões de dólares de clientes investigados por crimes de todo tipo durante anos".

Os maiores fluxos financeiros vinculados a diversos tipos ilícitos, como lavagem de dinheiro, esquemas tipo Panamá Papers da Mossak Fonseca, pirâmide mundial do Mercado de Capitais, financiamento a golpes políticos, etc. passam pelos bancos. Como é o caso dos bancos americanos JPMorgan, o maior deles e o Bank of New York Mellon, os ingleses HSBC (o maior banco da Europa) e o Standard Chartered e ainda o alemão Deutsche Bank entre outros.

As investigações indicam que pelo banco americano JPMorgan passaram “mais de 2 milhões de dólares destinados à empresa de um jovem magnata acusado de enganar o governo venezuelano e ajudar a causar apagões elétricos em grandes áreas da Venezuela”. 

A reportagem fala de um volume de R$ 2 trilhões nesse tipo de movimentação de dinheiro ilícito, só na última década. O dinheiro lavado que é movimentado entre contas de empresas de fachada registradas em paraísos fiscais. Fluxos financeiros que circulam pelo Panamá, nas Ilhas Virgens Britânicas, Barbados e Luxemburgo.

É certo que o sistema informacional, as plataformas digitais dos esquemas entre fundos financeiros globais trazem facilidades para essa atuação transfronteiriça que possui pouquíssima regulação e controle dos Estados-nações, permitindo essa movimentação trilionária. E assim, o capitalismo tem se alimentado destes fluxos financeiros.

A matéria da Piauí [aqui] informa que segundo estimativas do “Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime 2,4 trilhões de dólares em fundos ilícitos são lavados a cada ano – o equivalente a quase 2,7% de todos os bens e serviços produzidos anualmente no mundo”.

Vale conferir. Mas também aprofundar e reinterpretar o que fica subliminar no texto.

sexta-feira, setembro 18, 2020

Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma

O texto-ensaio com o título acima é fruto de um convite que recebi dos editores da revista ComCiência publicada pela SBPC e pelo Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) da Unicamp [aqui]. 

O convite para a publicação de um texto que compõe um dossiê da ComCiência sobre "Virtualização", se deu em função das abordagens que venho fazendo em textos, entrevistas e conferências virtuais, sobre o tema de minha pesquisa há quase dois anos, a respeito do "capitalismo de plataformas", em suas várias dimensões e escalas. 

O ensaio expressa uma síntese que se esforça para contribuir para a compreensão e debate, sobre o fenômeno da plataformização que produz significativas transformações no modo de produção capitalista no mundo contemporâneo.

Vivemos um gigantismo e uma quase onipresença do setor de tecnologia. A tecnologia deixou de ser apenas um fator de produção e hoje, passou a constituir, o maior oligopólio da história do capitalismo mundial, em que imperam as empresas, tipo plataformas-raiz, que são Big Techs. 

Sobre o signo de uma ideia difusa de progresso e de um fetiche que a tecnologia exerce sobre toda a sociedade, hoje se tem uma enorme concentração de capitais nessas Big Techs. Através do seu papel de plataformas de intermediação, elas exercem um controle e um poder confiscatório, sobre todos os demais setores da economia, nos variados cantos do planeta.

As plataformas digitais na condição de meio de circulação informacional e logístico, extraem valores e riqueza da produção e da distribuição para o consumo e assim ampliam a precarização sobre o trabalho com retirada de direitos sociais visando garantir maiores lucros e acumulação de capital no andar superior. É neste andar superior que o setor de tecnologia foi abraçado pela hegemonia financeira dos capitais de riscos e fundos e, assim, constituíram, esse novo oligopólio, quase que onipresente, sobre quase tudo que envolve a sociedade no mundo global na contemporaneidade.


Na dimensão da política e da geopolítica, os efeitos da plataformização, são ainda mais preocupantes, através da captura de dados - que se tornou a nova commodity e um propriedade dos donos dos dinheiros – ela vem transformando a política, a partir do aprendizado de máquina dos algoritmos. 

Trata-se de um processo em crescimento exponencial, porque na medida que se captura mais dados, armazenados em Big Datas, o aprendizado de máquina (Machine Learning) da Inteligência Artificial (IA) fica mais potente, tanto para uso comercial, quanto para uso das disputas de poder, no campo que se passou a chamar da tecnopolítica.

O resultado de tudo isso tem sido a guetificação, memificação e a perda da capacidade de interlocução da política, como forma de mediar os diferentes interesses na sociedade. Na prática, o meio que é a plataforma digital, por onde a informação trafega, se tornou um instrumento inverso à intermediação política. 

As plataformas digitais, das quais as redes sociais são parte, acabaram promovendo a antipolítica, a não mediação e a interdição do debate e das formas de construção de acordos e pactos em meios aos conflitos na sociedade, produzindo efeitos severos e graves, sobre a já muito combalida, democracia liberal ocidental.

Os algoritmos exploram as vulnerabilidades humanas, favorecem o individualismo e reforçam perigosamente a autoestima que é a origem da "egotização", na expressão do filósofo coreano Byung-Chul Han.

Assiste-se a uma enorme fragmentação das coisas, fruto da explosão de informações (entre as fake news), que tende à superficialização e atomização, ao abandono da ideia de conhecimento, ciência e racionalidade, trazendo mais desgastes para a ideia da construção e da ação política. 

Assim, em meio a algumas boas coisas que as plataformas digitais trazem para o convívio humano e em sociedade, com possibilidades de comunicação instantânea entre as pessoas, o possível acesso mais democratizado às informações, ao conhecimento, à cultura, essa ferramenta, acabou por nos conduzir a um processo paradoxal e imensamente preocupante. Há quem enxergue exagero ao listarmos os riscos e as preocupações. Porém, em decorrência dos bônus, da existência das redes sociais fomos impingido a conviver e enfrentar, um conjunto expressivo de ônus e sequelas que parecem colocar em risco o próprio processo civilizatório.

Até aqui todos os esforços de regulação têm sido inúteis. Os Estados se mostram impotentes para controlar esse processo, seja em termos obrigação de divisão das empresas e oligopólios, seja em termos de tributação, ou controle da sociedade no direito à privacidade que deveria proibir essa commoditificação dos nossos dados, seja para uso comercial e/ou político. 

O que se vê são as próprias empresas-plataformas propondo se autocontrolarem ou autoregularem, o que configura a dominância de um modelo de negócio do mercado, para o mercado e controlado pelo mercado. Nesta fase, o capitalismo deixa de usar o mercado e assume por completo - e de forma total - o controle da sociedade, passando por cima de um Estado ausente e/ou submisso. Uma espécie de autocontrole do hipercapitalismo do presente.

A ideia dos setores progressistas de ocupar espaços nas redes socais parece pouco eficiente, porque o controle de todo esse mecanismo está centralizado no mercado que tutela ainda o poder político e também o poder judiciário. Até por isso, a regulação das plataformas digitais - até o momento - não passa de quimeras e intenções.

Tenho dúvidas se neste modelo é possível viabilizar esforços contra hegemônicos que tentam usar e ocupar as próprias redes e plataformas digitais, para exigir o que não se consegue na sociedade.

Porém, penso que é preciso seguir a luta. Responsabilizar os donos das plataformas digitais gigantes (FB, Google, Amazon, Apple, Microosoft) e exigir o controle e a privacidade dos dados pela sociedade. E, se for o caso, até proibir, em nome da civilização, determinados usos dessas redes.

Só a pressão da sociedade modifica esse processo. Só a Política pode mudar (ou não) o que está em curso com o gigantismo e a dominação que o setor tecnologia exerce através do processo de plataformização.  

Assim, eu apresento este texto-ensaio que busca uma relação entre teoria, conceitos, categorias e alguns dados de pesquisas empíricas, sobre o desenvolvimento das plataformas digitais, na expectativa de que eles possam contribuir para uma melhor compreensão e transformação que esse fenômeno está impondo ao mundo contemporâneo.


Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma


PS.: Atualização às 13:57 de 19/09/2020 para algumas correções e ajustes no texto.

quarta-feira, setembro 16, 2020

Mais um bate-papo sobre "capitalismo de plataformas" na TV 247

Hoje, (16 set. 2020), tivemos mais uma entrevista (bate-papo) na TV 247, com Leonardo Attuch, sobre o avanço da tecnologia como meio de produção, a sua influência na vida em sociedade com as redes sociais e sobre o controle que as plataformas digitais passaram a desempenhar sobre a política, a tecnopolítica.

Falamos sobre a guerra tecnológica, a disputa por hegemonia entre EUA x China e sobre o filme-documentário "O dilema das redes", paradoxalmente, disponibilizado pela plataforma de streaming, Netflix, uma das Big Techs que mais lucraram com a pandemia e seu CEO, disse que a mesma era "um golpe de sorte". 

As redes sociais hoje já são utilizadas por quase metade da população mundial, um universo de 3,5 bilhões de pessoas. Só o Facebook é utilizado por 2,7 bilhões de pessoas, o WhatsApp por 2 bilhões, num universo de 5,1 bilhões de usuários de telefones celulares.  

O diálogo e a crítica que fazemos ao autoritarismo da tecnopolítica, à concentração do gigantismo do oligopólio das empresas-plataformas (Big-Techs) e à captura de dados como nova commodity do capitalismo de plataformas, nos convoca a um debate mais amplo no campo da Economia Política e da questão civilizatória em que estamos envolvidos. 

Essas entrevistas (conversas) e os textos no blog e no portal 247 são contribuições para esse debate. Com esse objetivo disponibilizo abaixo o link da entrevista de hoje (16 set. 2020), as duas anteriores na TV 247 e ainda outras duas participações em seminários e redes de pesquisas: 


Entrevistas e conferências virtuais do autor sobre o tema:

1 - Entrevista à TV 247 em 26 de agosto de 2020. Roberto Moraes explica o poder das big techs na pandemia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Taz-OlVR0Q4&t=11s 

2- Entrevista à TV 247 em 29 de julho de 2020. Roberto Moraes explica a economia dos apps e das plataformas

3- Seminário Inovação na Política e no Espaço (INCT/RPP/IPPUR-COPPE-UFRJ e Faperj. Mesa
Redonda em 11 de agosto de 2020: Dominação no Território. Tema: Inovação, startups e financeirização como instrumentos e etapas do "capitalismo de plataformas" e do "plataformismo".
Link: https://www.youtube.com/watch?v=r0jfOHDbzuQ&t=9505s

4 - Webinar Webinar RedeSist IE/UFRJ em 20 de agosto de 2020: Capitalismo de plataforma e saúde: oportunidades para o território brasileiro. Link: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VCmJfD0MhDQ&feature=youtu.be

sexta-feira, setembro 11, 2020

Acordo amplo China-Irã altera a geopolítica

A China e o Irã fecharam um acordo bilateral amplo com duração prevista para 25 anos. É um acordo com bases de confiança e objetivos ousados que envolve os setores de energia, tecnologia, estratégia, desenvolvimento industrial, logística e defesa e que também parece apontar para uma triangulação com a Rússia. 

De certa forma, um pacto que emerge como consequência e reação à política dos EUA em relação a estes dois países e que deve chamar a atenção em termos de importância a nível da geopolítica global. 

Segundo informações do colunista Simon Watkins, do respeitado portal OilPrice.com [aqui], esse acordo China-Irã, deriva de articulações que vem desde o ano de 2016 e estreita relações, em especial em dois campos estratégicos no mundo contemporâneo: energia e tecnologia.

Essas articulações presentes no acordo vai além da questão do petróleo e avança para o tema que tenho me dedicado ultimamente sobre o capitalismo de plataformas, as big-techs, a tecnopolítica e suas relações geoeconômica e geopolíticas.

O assunto, de certa forma mistura a geopolítica da energia (petróleo) com a geopolítica da tecnologia e capitalismo de plataformas. Tudo misturado, mas que pode estar apontando para a entrada também da China (a Rússia já está) na disputa pelo controle do Oriente Médio.

Penso que o texto da coluna também pode também refletir apenas conjecturas para reforçar o discurso de Trump do tudo contra a China. De outro lado, pode também mostrar que a China sai de uma posição de defesa das seguidas sanções estadunidense para uma ofensiva pelo enfrentamento mais amplo. Há que se seguir observando.

Ainda assim, vale destacar que este pacto sino-iraniano, no campo da tecnologia, possui foco envolvendo a instalação de um hub com controle digital (também chamado de espionagem eletrônica) e com capacidade de guerra, em torno do porto iraniano de Chabahar, numa extensão de 5.000 quilômetros.

O acordo se estende desde a montagem de um colossal sistema espionagem com 15 milhões de câmeras de CCTV (circuito fechado de TV) em 21 cidades, com sistema de reconhecimento facial, redes de tecnologia 5G, tudo no Irã, até a vigilância algorítmica centralizada na China, onde serão armazenadas em Big Datas, a partir do uso de Inteligência Artificial (IA). 

Traçado da Nova Rota da Seda (One Belt - One Road0
O pacto envolve ainda negócios em instalações industriais no Irã, para atendimento a um demanda do mercado mundial, como a China já faz com sua produção. Se espalha também para infraestrutura de logística com eletrificação de ferrovia e interligação estratégica com o Cinturão da Nova Rota da Seda (One Belt - One Road), que reflete a expansão da presença chinesa nessa outra área do mundo, conforme planejamento para ampliação das conexões com outras regiões do mundo. 

Como se pode observar, o acordo trata de um mix destes dois setores estratégicos: o petróleo e a tecnologia. O Irã possui a 4ª maior reserva do mundo de petróleo – boa parte ainda inexplorada – e com exportações sob bloqueio estadunidense, enquanto a China é, atualmente, o maior importador global e com enorme capacidade de refino e produção petroquímica.

O setor de tecnologia ampliou sua importância nos últimos anos, quando passa a ser o mais importante fator de produção no comércio global, através da ampla utilização das plataformas digitais num processo que temos chamado de plataformização. As Big Techs americanas e chinesas foram as que mais cresceram em termos econômicos (valor de mercado – capitalização – receitas e lucros) neste último período, em especial após a pandemia. Hoje, representam os maiores oligopólios já existentes na economia global.

Além disso, a plataformização possui a dimensão geopolítica, onde está se dando boa parte da disputa estratégica em termos geopolíticos com a guerra tecnológica EUA x China: Apple x Huawei. Amazon x Alibaba. ByteDance (TikTok) x Google (Youtube). WeCHat x WhatsApp), etc.

Em síntese, esse acordo ligado a outros fatos sobre os movimentos globais e das superpotências, trazem evidências tanto sobre as relações econômicas, militares e políticas bilaterais entre os dois importantes países, no campo da energia e tecnologia, quanto nas repercussões geopolíticas que dele devem desdobrar.

Por tudo isso, se trata de um movimento a ser observado nas dimensões econômicas, das disputas tecnológica e militares, num mundo tenso e em conflito crescente.

segunda-feira, setembro 07, 2020

China retoma sua dinâmica econômica na frente de outros países, apesar das tensões com os EUA

A China aumentou em 9,5% suas exportações em agosto. O maior aumento em 18 meses, segundo a agência de notícias Reuters. Em julho, as exportações da China já tinham crescido 7,2%, um aumento em parte, como resultado da agilidade para atender à forte demanda por suprimentos médicos e eletrônicos mundo afora.

As exportações da China continuam a desafiar as expectativas e a crescer significativamente mais rápido do que o comércio global onde se vê a ampliação da participação chinesa.

Mesmo com a guerra comercial e a crise diplomática com os EUA, exportações da China para aquele país cresceram 20%, atingindo quase US $ 45 bilhões, apenas em agosto. Em agosto, o superávit comercial da China foi de US $ 58,9 bilhões, ante US $ 62,3 bilhões em julho.

A China parece cada vez mais a área industrial dos EUA que controla a moeda e tenta agora com a guerra tecnológica controlar as patentes e as marcas na disputa entre as plataformas digitais das duas nações.

Estes novos dados foram divulgados hoje pela autoridade alfandegária da China e é mais um sinal de que a economia da China continua seu recuperação na frente de outras nações no pós pandemia, apesar da escalada das tensões com os EUA.

terça-feira, setembro 01, 2020

China defende sua capacidade algorítmica e de IA na guerra tecnológica com os EUA

Valor, 31-08-2020.
A China enfrenta a guerra tecnológica defendendo a sua capacidade algorítmica e de Inteligência Artificial (IA) que já supera a dos EUA. 

A mesma superioridade se verifica no tecnologia de rede de internet 5G, em que a chinesa Huawei é hoje a mais avançada do mundo.

A disputa tecnológica envolve grupos de empresas similares dos dois países. Elas possuem as mesmas funções (produtos e/ou serviços) em que disputam o mercado mundial, com a vantagem da China ter, sozinha, um mercado quatro vezes maior do que o americano.

As disputas corporativas que detalham a guerra tecnológica entre EUA e China podem ser vistas nos casos: Amazon x Alibaba. Baidu-TikTok (ByteDance) x Youtube (Google). Apple-Oracle-AT&T x Huawei. Wechat (Tencent) x WhatsApp (FB), etc.

O avanço da China na apuração e treinamentos dos algoritmos aliados à Inteligência Artificial é bem superior ao atual estágio dos EUA e se trata da etapa mais estratégica dentre as quatro tipologias de uso das Plataformas Digitais.

Isso não quer dizer que os americanos não estejam mais na disputa, mas perderam a condição de praticamente monopolista neste campo, apesar de ainda sediar metade das empresas de tecnologia que mais ganharam valor de mercado neste semestre com a pandemia, conforme mostramos em artigo abaixo [aqui] sobre a lista Top 100 do Financial Times

O caso da TikTok é emblemático e vem no mesmo contexto em que Trump há poucos dias ameaçou proibir nos EUA a atuação da chinesa Alibaba. Hoje nos EUA, a Microsoft, Walmart, Oracle e fundos querem ficar com a TikTok que já reúne por lá mais de EUA 100 milhões de usuários mensais. 

O governo chinês (ministérios do comércio e da ciência e tecnologia) alegam que essa competência foi desenvolvida com apoio do Estado, logo os interesses da nação devem ser levados em conta e não podem ser exportados, apenas como um negócio comercial. 

As limitações impostas para os negócios com empresas de tecnologias de computação chinesas no exterior se referem ainda às áreas de processamento de texto, recomendação de conteúdo (publicidade e propaganda direcionada) que usa os algoritmos e IA (como é o caso da Google e FB), modelagem da fala, reconhecimento facial e de voz entre outros. 

A disputa pela hegemonia global passa pelo sistema digital e serviços de Inteligência Artificial no terreno do embate geopolítico, portanto indo além do caso comercial e do controle político e militar, onde a cibernética é questão-chave. 

Os EUA temem que a China faça o que eles fizeram, quando em 2013, se soube que a NSA (Agência de Segurança Nacional), usando o sistema PRISM, vasculharam dados de milhões de pessoas direto dos servidores das maiores empresas de tecnologia dos EUA (Big Techs) na ocasião: Microsoft, Google, Facebook, Apple, Youtube, Skype, Yahoo, AOL e PalTalk. 

É bom que se diga que a disputa da China com os EUA se dá dentro da lógica do sistema estatal capitalista que os americanos dominavam sozinhos até aqui. Hoje não mais. 

O assunto ainda vai render muito na medida em que a tecnologia é hoje o principal fator de produção e de intermediação dos negócios, em quase todos os setores da economia (frações do capital). 

Como setor, a tecnologia, ao usar as plataformas digitais (startups) e ter o forte suporte do circuito financeiro global - hegemônico no capitalismo contemporâneo - como mostra o valor de mercado (capital fictício destas corporações), amplia sua potência a um nível antes impensado, que chegam aos maiores oligopólios da história do capitalismo. 

É nesse campo e usando quase que as mesmas armas que a China enfrenta os EUA tendo a tecnologia como fator estratégico da disputa geopolítica que rompe com a unipolaridade.