Este texto-ensaio com o título acima dá prosseguimento a um artigo anterior também publicado na revista ComCiência, editada pelo
Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) da Unicamp e pela SBPC.
O primeiro ensaio “Commoditificação de dados, concentração
econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de
plataforma” [íntegra aqui], trouxe uma síntese como
contribuição para o aprofundamento e debates sobre o fenômeno da
plataformização que produz significativas transformações no modo de produção
capitalista no mundo contemporâneo. Nele foram apresentadas interpretações
teóricas sobre o capitalismo de plataformas, dados empíricos e análises sobre a
expansão do uso das redes sociais e dos streamings e a relação disto com o
processo de plataformização.
Nesse segundo texto "Disputa no e-commerce de varejo no Brasil: entre o intangível do digital e a materialidade da infraestrutura de logística" [íntegra aqui]
o foco são as dimensões econômica e espacial sobre o movimento do comércio
eletrônico (e-commerce) no Brasil nos últimos anos. As análises nessas
dimensões permitem que se avance nas investigações sobre o processo de
plataformização, como importante elemento que contribui para o deslocamento do
capitalismo contemporâneo.
O comércio eletrônico (e-commerce) do varejo no Brasil e no
mundo se expandiu com a pandemia e com o uso massificado das plataformas digitais.
O e-commerce representa a articulação entre o virtual da plataforma digital e o
real da logística de entrega da mercadoria, uma junção que explica a
plataformização neste tipo de negócios e deixam claras, entre outras, as razões e as
motivações que cercam a privatização dos Correios no Brasil.
Esse estudo avalia os movimentos das maiores varejistas do e-commerce no Brasil: Magazine Luíza; B2W (Americanas, Submarino e Shoptime); Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio); Mercado Livre e Amazon. E também comenta a atuação da chinesa Alibaba no Brasil que já é o seu quinto maior mercado no mundo.
O varejo é a atividade comercial em pequenas quantidades. É
a última etapa do modo do produção capitalista que depende ainda da circulação
para fazer chegar a produção ao consumidor. O varejo é classificado em vários
setores de comércio em pequenas quantidades, mas o e-commerce tornou as
fronteiras extremamente tênues, porque essas empresas cada vez vendem quase
todo tipo de produto.
A pandemia só acelerou um processo que já estava em curso. No
início do segundo semestre de 2020, o varejo vive uma expansão extraordinária do
comércio eletrônico (e-commerce) em todo o mundo. O uso das plataformas
digitais tornou essas fronteiras entre os tipos de varejo ainda mais tênues. As
empresas-plataformas ao investirem no e-commerce e no marketplace (venda entre outros
lojistas dentro de suas plataformas) passaram a ter uma atuação mais ampla,
mesmo que mantendo foco e a prioridade nos ramos originais de seus negócios.
Sobre essas transformações, a UNCTAD (Agência das Nações
Unidas para o Comércio e do Desenvolvimento) afirmou, após pesquisa feita em
nove países, incluindo o Brasil, que a “pandemia da covid-19 mudou o consumo
on-line para sempre” ... “acelerou a mudança para um mundo mais digital, transformando
a maneira como o consumidor faz suas compras via internet.” É sobre essa
realidade no Brasil que esse ensaio aborda, analisando fatos, agentes e os
processos mais recentes desse setor de e-commerce do varejo. A análise contemporânea
do setor de varejo permite identificar a relação existente entre o universo
digital e o mundo real, quando o intangível do fluxo informacional se encontra
com o tangível da logística de transportes dos produtos como etapa e elemento
do capitalismo de plataformas.
As grandes corporações do varejo têm como projeto reduzir a
descentralização que historicamente o setor possuía no Brasil. As empresas
projetam uma atuação maciça apenas das players que, se levada a cabo, reduzirá
significativamente parcelas dos comércios locais. O comércio local está sendo,
paulatinamente, reduzido a alguns setores e em muitos casos também ligados às
redes nacionais e às franquias, que em boa parte são hoje também controladas
pelos fundos financeiros. Desta forma, os excedentes econômicos regionais estão
sendo capturados pelas plataformas digitais que são, em última instância,
também controladas pelas Big Techs que funcionam como plataformas-raiz.
A captura da distribuição e das vendas diretas de
mercadorias (que antes eram realizadas pelos comércios locais) por parte das
empresas-plataformas digitais já provoca desdobramentos importantes que também
necessitam ser melhor investigados, no que diz respeito aos arranjos e aos
circuitos econômicos regionais e de organização das cidades.
O crescimento
em ritmo muito acelerado do varejo online (e-commerce) está também produzindo
uma expressivo rearranjo do setor de logística, atrelado às empresas-plataformas
e aos seus esquemas de marketplace. O universo digital do e-commerce –
considerado como atividade intangível (virtual) por alguns – se vinculou ao
mundo real e material da infraestrutura de logística através das plataformas
digitais.
As plataformas digitais (empresas-plataformas) conectam e
fazem a intermediação entre dois mundos reais: o digital dos fluxos
informacionais e o material da logística. Os fluxos digitais são
intangíveis, mas também não prescindem do que também é material e tangível,
como as infraestruturas com instalações de cabos, redes, computadores,
expertises qualificadas em tecnologia da informação e comunicação (TIC), da
mesma forma que precisam dos caminhões e armazéns gigantes da infraestrutura de
logística.
Ambas as estratégias se desenvolvem na etapa de circulação
da mercadoria, exatamente onde as empresas-plataformas lucram, ao extrair valor
dessa etapa em si, mas também da produção e ainda da fase da distribuição para
o consumo, que antes era feita, direta e exclusivamente, pelos comércios
locais. Assim, o controle desse processo passa a ser feito pela
etapa de circulação das mercadorias. É nessa etapa que a arquitetura
digital-logística confisca enormes volumes de renda que agigantam essas
empresas a partir do trabalho de intermediação que realizam.
As plataformas digitais e logísticas são em boa parte ativos
das gestoras de fundos financeiros que, como proprietários dessas corporações,
controlam a etapa de circulação informacional e material e assim completam e
realizam a captura e a concentração das rendas extraídas de todo esse processo
que está emergindo da nova etapa da reestruturação do modo de produção
capitalista.
Na condição de oligopólios, as corporações constituem na prática
uma potente arquitetura do fenômeno da plataformização, que se desenvolve com
tendências monopolistas conferidas pelo avanço tecnológico dos meios de
circulação (digital e logístico) que constituem a hegemonia atual do
capitalismo financeiro-informacional, como etapa posterior às fases comercial e
industrial.
Enfim, esse ensaio sobre o e-commerce do varejo, além de expor
a relação entre o universo digital e o mundo real, quando o intangível do fluxo
informacional e o tangível da logística de transportes dos produtos se
encontram, também demonstram como as plataformas digitais, como instrumento do
capitalismo de plataformas, extraem valores e riqueza da produção e da
distribuição para o consumo das mercadorias. Assim, essas empresas-plataformas
contribuem para ampliar a precarização sobre o trabalho e a retirada de
direitos sociais visando garantir maiores lucros e acumulação de capital no
andar superior. É neste andar superior que o setor de tecnologia foi abraçado
pela hegemonia financeira dos capitais de riscos e fundos e, assim,
constituíram, esse novo oligopólio, quase que onipresente, sobre quase tudo que
envolve a sociedade no mundo global na contemporaneidade.
É neste contexto que apresento mais este texto-ensaio que também
buscou uma interpretação que une uma extensa pesquisa empírica sobre o
desenvolvimento das plataformas digitais com a teoria, conceitos e categorias, na
expectativa de estar contribuindo para ampliar a compreensão sobre as profundas
transformações que o fenômeno do “plataformismo” exerce sobre o “modo de
produção capitalista” no mundo contemporâneo.
PS.: 1- Abaixo, o quadro sobre as cinco maiores (players) Empresas-plataformas digitais de e-commerce de varejo que atuam no Brasil.
2 - Link para o texto na íntegra para este segundo ensaio: “Disputa
no e-commerce de varejo no Brasil: entre o intangível do digital e a
materialidade da infraestrutura de logística”: https://www.comciencia.br/disputa-no-e-commerce-de-varejo-no-brasil-entre-o-intangivel-do-digital-e-a-materialidade-da-infraestrutura-de-logistica/
Elaboração do autor: PESSANHA, 2020.