O Guilherme Estrella é geólogo e funcionário aposentado da Petrobras, onde exerceu por último, o cargo de diretor de Exploração e Produção entre 2003 e 2012, período em que sua diretoria foi responsável pela atuação que redundou na descoberta do Pré-sal, que como ele diz em seu texto abaixo "é a maior província petrolífera do planeta nos últimos 50 anos".
Estrella como é suscintamente chamado, deixa evidente o seu caráter, quando gosta de ser identificado como "pai do pré-sal", porque atribui o resultado da colossal descoberta, a um trabalho coletivo de técnicos competentes e comprometidos com a empresa de todos os brasileiros.
Tive prazer de conhecer o Guilherme no período final de minha pesquisa de doutorado sobre o tema do circuito econômico do petróleo. E de lá para cá, nós tivemos dois contatos pessoais e vários outros por telefone e/ou internet, num horizonte mais dilatado no tempo, mas sempre de muito aprendizado e diálogo construtivo, com trocas de informações e análises, imaginando uma reversão do quadro trágico atual pela qual passa a Petrobras e o Brasil. Ultimamente temos falado mais sobre o avanço dos fundos financeiros sobre os ativos da Petrobras.
Assim, recebi há pouco, este importante e sintético relato de Estrella, sobre a importância de uma empresa estatal de energia como a Petrobras, para qualquer projeto de desenvolvimento de inclusão social e com redução das desigualdades.
O artigo foi publicado originalmente no site "Manifesto Petista" e autorizado por ele, para ser republicado neste blog. Um texto que faz um retrospecto histórico, mas acima de tudo fala da importância em "ressuscitar a Petrobras". Evidente que não se tratará de um caminho fácil e sem resistências e algumas perdas. Partes podem ser definitivas, mas parte é possível ser recuperada em sues objetivos estratégicos que coincidem com os interesses da nação. Tarefa necessária e possível.
A Petrobrás foi a mais importante empresa estatal brasileira.
Criada em 1953, no governo Vargas, como operadora do monopólio estatal do setor de petróleo e gás brasileiro, a Petrobrás foi a ferramenta do Estado Nacional para resolver a dificuldade central que o Brasil enfrentava para construir um projeto de desenvolvimento soberano e voltado para os nossos reais interesses como nação: a falta de suprimento energético autônomo e abundante a longo prazo.
Esta missão da Petrobrás carregava em sua mais íntima essência o conceito universalmente aceito de que autossuficiência energética, sob o controle do Estado – a representar democraticamente o povo – é o pilar principal da soberania de qualquer nação que se queira minimamente soberana.
Até por que o período recente da história mundial nos ensina, à exaustão, que as mais importantes nações deste planeta construíram seus próprios projetos de país e suas respectivas proeminências geopolíticas globais a partir de contarem com fontes de energia abundantes e acessíveis dentro de seus próprios territórios, primeiro, e quando insuficientes, no exterior, por longo prazo.
Esta condicionante exclusiva provocou a 1ª Revolução Industrial – Inglaterra, Bélgica, Alemanha, França, em seguida a Confederação Alemã (unificada 1 século mais tarde), na Europa e Estados Unidos, após a independência. Segunda metade do Século XVIII.
Fonte primária de energia = o carvão.
Como consequência imediata, já no Século XIX, a industrialização europeia promoveu a construção, no hemisfério ocidental, das nações que surgiram como potências industriais e geopolíticas hegemônicas, com impérios coloniais que perduraram até mais da metade do Século XX.
Os Estados Unidos expandem seu território nacional até o Pacífico com seus trilhos e locomotivas.
Na segunda metade do Século XIX os Estados Unidos descobrem imensas jazidas petrolíferas – a 2ª Revolução Industrial – que os lançam à liderança mundial, construída ao longo de todo o Século XX. Esta base energética norte-americana foi complementada a partir da passagem séculos XIX/XX com o domínio da produção e distribuição de eletricidade.
A razão central da atividade industrial, como sabemos, é a criação de um processo virtuoso de causa e efeito entre desenvolvimento industrial e criação/inovação de ciência, tecnologia & engenharia, com toda a infraestrutura acadêmica/universitária a lhe dar permanente sustentação.
Mas e o Brasil? Como ficamos?
A metrópole lusitana não contava com reservas de carvão e assim também a joia de sua coroa colonial.
Isto lhe custou o golpe final em sua já há muito debilitada soberania, em favor da Inglaterra.
Não temos carvão de qualidade siderúrgica no Brasil.
“Independente” a partir de 1822 – passamos o Século XIX inteiro sustentados pelo tripé energético lenha-roda d’água-tração animal. Que era periférico quanto à real energia que viabilizava o Brasil como país e sociedade = o braço escravo.
Concretamente, depois dos lampiões a gás e as primeiras ferrovias– movidas a carvão importado da Inglaterra – por um curto período é com a eletricidade de origem hídrica que o real consumo de energia industrial chega ao Brasil e damos os primeiros passos, modestíssimos, no processo industrial. Mas com tudo importado, ciência, tecnologia, engenharia, máquinas as mais simples.
Chega Vargas, em 1930, retira o Brasil do Século XVIII e traz a “novidade” = energia (água e petróleo) é a base do desenvolvimento industrial e da soberania nacional. Como tal, deve ter sua gestão nas mãos do Estado. Para isso cria os instrumentos de governo para materializar este conceito fundamental.
Com Volta Redonda iniciamos, 200 anos depois dos europeus, um verdadeiro – ainda que pequeno com respeito às nossas riquezas naturais estratégicas – processo de industrialização.
Entretanto, um “calcanhar de Aquiles” nos enfraquecia = não tínhamos petróleo/gás natural e a hidroeletricidade sozinha era insuficiente para um processo industrial mais denso, abrangente, sem estar sujeito literalmente “à chuvas e trovoadas”. E, mais importante que tudo, soberano.
E criamos a Petróleo Brasileiro S.A. que, além de tudo, se materializa em decorrência de um grande movimento popular, nas ruas de todo o Brasil, o “Petróleo é nosso”! Empresa com simbolismo político inigualável para a autoestima do povo brasileiro.
Um detalhe importante: diferentemente da quase totalidade das empresas estatais brasileiras, a Petrobrás não teve origem em processos de estatização de empresas estrangeiras já existentes.
A Petrobrás foi criada como uma empresa estatal, de capital misto com a predominância do capital estatal para garantir a gestão direta por parte da União. E a ter como primeiros ativos instalações e competências genuinamente brasileiras oriundas do Conselho Nacional do Petróleo, ainda que muito modestas para enfrentar tamanho desafio de suprir de petróleo e gás este gigantesco país.
A Lei 2004 de 1953 concede à Petrobrás o monopólio de todo o segmento de petróleo e gás natural do Brasil, exclusive a atividade de distribuição.
Como monopólio estatal, a Petrobrás identificou e descobriu a Bacia de Campos e seus imensos campos petrolíferos que nos trouxeram a autossuficiência em 2006. Efêmera na medida em que os campos daquela bacia exibem uma acelerada perda de produção e, à época, o Brasil experimentava um processo de crescimento econômico acelerado, a ter como consequência direta o aumento rápido do consumo de combustíveis.
Desde a aprovação da lei 2004, grandes interesses não brasileiros, privados e estatais combatem a Petrobrás mais por ideologia do que por concretas razões materiais, na medida em que as bacias geológicas brasileiras, por serem geologicamente pouco conhecidas não exibiam potencial exploratório petrolífero importante.
Já o mundo a conviver – a partir da garantia do colapso próximo da URSS – com a hegemonia unipolar geopolítica norte-americana, o governo dos EEUU elabora, em 1989, o chamado “Consenso de Washington”, criado por instituições financeiras situadas na capital do país: FMI, Banco Mundial, Departamento do Tesouro.
Pela definição original de seu próprio inspirador, o texto daí originado significa “o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas cogitadas pelas referidas instituições financeiras e que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina …”
Este conjunto de “regras” – um decálogo – na verdade, se transformou nos Dez Mandamentos da política capitalista liberal e imperialista do “grande irmão do norte”.
Deles constavam, entre outros: abertura comercial; câmbio de mercado; investimento estrangeiro direto e sem restrições; privatização das estatais; desregulamentação das leis econômicas e trabalhistas. Parece com o que estamos a enfrentar hoje ou é apenas uma coincidência?
Estas regras começam a ser implantadas no Brasil principalmente a partir dos anos 1990, com destaque para os dois períodos dos governos FHC.
FHC, entretanto, não consegue vender o controle da Petrobrás mas revoga a Lei 2004, abre todo o nosso setor de petróleo e gás ao mercado e imprime à Petrobrás uma gestão privada e já com roupagem claramente não industrial mas financista.
A começar pela área de exploração e produção domésticas, na medida em que implanta uma política de abandono de regiões com menor produção e concentração na área onde os investimentos exibiam o carimbo indelével das operações bancárias = maior lucro, no menor tempo possível, com o menor risco. Na Bacia de Campos.
O restante do território nacional aberto às empresas privadas, a aguardar seus investimentos.
Na distribuição, abre o capital da BR.
Esta política inicia a quebra, o desmonte do caráter essencial da própria fundação da Petrobrás como empresa estatal, a estar presente em todo o território nacional, em todas suas áreas de atuação. No caso da exploração e produção, em todas as áreas que exibissem prospectividade para novas descobertas.
Foi assim que o governo Lula, em 2003, encontrou a Petrobrás. Quadro que foi revertido, por determinação direta do acionista controlador da empresa, a União.
A Petrobrás retoma seu compromisso com o povo brasileiro – seu verdadeiro proprietário – com o desenvolvimento nacional e reassume seu protagonismo no setor de petróleo e gás brasileiro. E não só em exploração e produção, mas como uma empresa integrada de energia e atividades diretamente decorrentes de petróleo e gás natural, em todo o amplo espectro de sua atuação – refino, distribuição (fecha o capital da BR), combustíveis renováveis, geração termoelétrica, fertilizantes, petroquímica em todo o território nacional.
A Petrobrás reativa a sua grande competência técnica, científica, tecnológica desenvolvida em 50 anos de pesados investimentos em seu quadro profissional e se consolida como a maior empresa brasileira e uma das maiores empresas petrolíferas mundiais, internacionalmente reconhecida.
A descoberta, pela Petrobrás, em 2006, da maior província petrolífera do planeta nos últimos 50 anos, o nosso pré-sal, é consequência direta da competência de seu quadro de empregados e da firme decisão política de um governo comprometido com um projeto de desenvolvimento nacional integrado e soberano.
Mas, para o “outro lado da mesa” – os representantes do poder do grande capital transnacional, os obedientes, submissos seguidores daqueles que conceberam os Dez Mandamentos do Consenso de Washington – estes fatos não passaram despercebidos.
A maior e mais importante empresa estatal brasileira surge como o principal alicerce de um projeto integrado de Brasil afinal soberano, com a total participação da empresa privada brasileira, a universidade brasileira, alicerçado numa base energética de gigantescas dimensões, a garantir energia abundante e a custos baixos, durante as próximas 4 ou 5 décadas, para a indústria e para a sociedade em geral era – e é!- inaceitável.
Um Brasil soberano certamente abalaria, a médio prazo, a segurança de suas posições geopolíticas de hegemonia, de poder.
Ainda mais com o Brics!
Desde então, como é conhecido por todos, este processo político está acelerado para arrasar com estas pretensões brasileiras.
E absolutamente nada poderia limitar as ações praticadas com este objetivo, desde espionagem a roubo de computadores do campo de Lula.
No centro de tudo estão as grandes reservas de petróleo e gás natural do nosso pré-sal, que eles enxergam como uma espécie de reserva energética estratégica, na medida em que o Oriente Médio, seu tradicional supridor, é palco de crescente e incontrolável instabilidade política apesar de sua forte presença militar na região.
O pré-sal, a ter a Petrobrás como operadora única e a representar um governo nacionalista, confronta-se diretamente com este interesse. Tornou-se imprescindível derrubar o governo e destruir a Petrobrás.
Surge a Operação Lava Jato, que tem origem no combate à corrupção mas que traz como meta central a destruição da Petrobrás e das grandes empresas de engenharia brasileiras.
Seus operadores, servidores públicos remunerados para fazer cumprir a lei brasileira, a desrespeitam de maneira grosseira e inaceitável. Todos a mando do governo norte-americano e com um só objetivo = condenar o Brasil a uma colônia do grande capital financeiro mundial.
Seus mentores estrangeiros através de seus representantes locais provocam o golpe de 2016 e instala um governo que inicia o processo de desconstrução da soberania brasileira, Petrobrás no centro de tudo.
Em processo ilegal e fraudulento, corrompem as eleições de 2018, prendem sem provas e impedem a candidatura do cidadão brasileiro que as venceria.
Este crime é fato comprovado, retira a legitimidade e torna, irremediavelmente nulas as suas decisões tomadas por esta atual governo brasileiro.
Este processo de destruição do Brasil, do Estado Nacional brasileiro é escancarado. A sociedade brasileira, estarrecida, é informada todos os dias, de crimes contra a ordem legal e constitucional de nosso país. A atentarem contra a soberania nacional porque dirigido diretamente pelo Departamento de Justiça de um governo estrangeiro anti-brasileiro.
Na verdade, o Brasil é um país ocupado por forças políticas estrangeiras, desde o golpe de 2016.
Como resultado direto, a Petrobrás não existe mais como empresa estatal. Tampouco é gerida como uma empresa privada de capital produtivo, mas sim de capital rentista.
O acionista controlador é formalmente o governo. Mas este governo – ilegítimo – é privatista, entreguista, escravo não do capitalismo liberal mas fundamentalista ideológico, de fazer corar os mais fanáticos “Chicago boys”.
Em 2019 a direção da Petrobrás torna pública sua decisão, já de há muito praticada, de reorientar os objetivos da empresa, consonante com as metas estratégicas de redução das dívidas e centradas na geração de valor para os acionistas – 64% privados, 42 % estrangeiros.
Quem dirige a empresa são os fundos transnacionais de investimentos financeiros que nada têm de compromisso com o Brasil e com o povo brasileiro. Venderam a BR Distribuidora, venderam o sistema tronco de gasodutos, venderam a refinaria de Mataripe, venderam os campos da Bacia de Campos e destruíram o complexo operacional de Macaé, vão vender todos os campos terrestres inclusive a área de Urucú, onde a Petrobrás criou um centro de produção de petróleo e gás natural em plena floresta amazônica, um patrimônio da humanidade, que é exemplo mundial de integração indústria-meio ambiente, vão vender todas as refinarias fora do eixo Rio-São Paulo, fecharam as fábricas de fertilizantes, venderam a área de bio-combustíveis.
Reduziram o Centro de Pesquisas a um “balcão de negócios”.
Apequenam a empresa e por isso reduzem drasticamente o corpo de empregados, praticam uma política de expulsão de empregados, gente da mais alta qualificação técnica, caminham para a privatização do fundo de pensão …
Todo este processo – já claramente tornado público – deverá ser acelerado neste ano e em 2022, para estar concluído antes da posse do novo governo.
A ficha precisa cair, a Petróleo Brasileiro S.A. não existe mais como empresa estatal tampouco como empresa privada brasileira!
A Petrobrás não existe mais como uma empresa estatal, é hoje apenas uma sigla a denominar uma instituição privada de investimentos financeiros cujo único e central objetivo é maximizar a remuneração de seus acionistas.
E atualmente quem são seus acionistas? Governo = 37%, acionistas privados= 63%, dos quais a maioria (42%) são estrangeiros. Logo, 63% – praticamente 2/3 – dos lucros da Petrobrás se destinam não ao povo brasileiro, representado pelo governo, mas aos proprietários privados, cuja grande maioria é de estrangeiros.
Em 2010 o governo detinha 58% das ações e os acionistas estrangeiros 30%.
Vamos então à pergunta que dá título a este texto: dá para ressuscitar a Petrobrás?
A resposta não é simples, mas há uma pré condição excludente: em razão das dimensões e do significado estratégico da Petrobrás, sua restauração como empresa estatal está irremediavelmente associada à própria recuperação da soberania brasileira, pelo povo brasileiro.
Em outras palavras, tomar de volta a Petrobrás para o Brasil vai simbolizar, material e politicamente o início do processo de recuperação da soberania nacional e da reconstrução das bases de um novo projeto de desenvolvimento do nosso país.
E, no meu modesto entender, não foi por outro motivo que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em seu histórico discurso da última quarta-feira, nos metalúrgicos de São Bernardo do Campo tocou no único ponto específico de sua extraordinária mensagem ao povo brasileiro e ao mundo: em outras palavras, “estejam avisados todos aqueles que compraram partes da Petrobrás. Nós vamos tomá-las de volta”.
Não há espaço político para uma abordagem menos contundente em relação a esta matéria. Posições que levantam dificuldades de toda ordem para adotá-la cometem a impropriedade de considerar como atos jurídicos perfeitos decisões de um ilegítimo governo de ocupação estrangeira.
Juristas importantes e cidadãos brasileiros com consistência e prestígio político de total credibilidade apontam caminhos legais para esta proposta.
O ex-presidente Lula está certíssimo!
Esta deve ser uma cláusula pétrea, clara e inquestionavelmente incluída no programa de reconstrução nacional do Partido dos Trabalhadores apresentado ano passado ao povo brasileiro.
Somente com este posicionamento o Partido dos Trabalhadores cumprirá com seus compromissos originais para com a soberania nacional e o povo brasileiro.
Guilherme Estrela, geólogo e ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras (2003-2012)