quinta-feira, julho 29, 2021

Fintechs: não há “novo” na velha atividade de intermediação financeira

As Fintechs conhecidas a partir do acrônimo que une os termos “finanças” e “tecnologia” parece algo novo, mas não é, ainda que seja um embarque na onda da inovação das plataformas digitais, Appficação, meios de pagamento digitais, internet banking, etc. Para facilitar a identificação do que fazem as fintechs são também chamadas de bancos digitais.

As fintechs são instrumentos recentes, mas seguem cobrando juros nos mesmos patamares dos "bancões tradicionais", embora ofereçam facilidades de abertura de conta e oferta de alguns serviços, bancados em grande parte pelos baixos custos que possuem na captação de dinheiro (depósito), que é um dos maiores custos da intermediação bancária. [1]

Bancos e fintechs na essência fazem intermediação bancária. Coleta recursos de terceiros e presta serviços e fornece créditos a outros. Não há segredo. Ambos vivem dos ganhos desta intermediação, independente dos recursos tecnológicos ou físicos de agências dos operadores de um ou outro.

A maior fintech no Brasil e uma das maiores do mundo, a Nubank, totaliza cerca de 5 mil funcionários e atende a quase 40 milhões de clientes, enquanto os dois maiores bancos tradicionais do Brasil estão na faixa de 90 mil bancários e milhares de agências para atender 98 milhões de clientes.

As fintechs vendem a ideia de que suas atuações visam os clientes e não os seus produtos, mas os bancos tradicionais há anos comercializam essa mesma fantasia. Porém, a questão vai muito para além do número de clientes e contas, em especial quando - em breve - o Banco Central abrir o compartilhamento de dados de todos os clientes de instituições financeiras.  

O fato é que a luta entre o novo e o velho não parece ser a disputa principal e sim a permanente tendência de concentração (oligopolização). Esta tende permanecer, a despeito das fintechs prometerem que vieram para realizar a desejada desconcentração bancária no Brasil para livrar a população da ditadura dos bancos com seus juros estratosféricos e enormes margens de lucro. Reportagem de junho de 2021 do UOL destacou essa questão dos juros nas fintechs: “Competição com fintechs beneficia clientes de bancos, mas não derruba juros”. [2]

Há até quem tenha boa fé e acredite, mas isso não é real, o que permite interpretar que bancos tradicionais e fintechs seguem lucrando juntos, inclusive com os primeiros comprando os segundos como startups, no processo já conhecido de aquisições e concentração.

Aliás, duas das maiores fintechs do Brasil com acesso ao varejo de crédito, acabaram de receber, aportes em sociedade com bancões e fundos estrangeiros por conta do interesse em ter acesso a esse setor no Brasil líder na América Latina, aproveitando este momento de ampliação da digitalização bancária e dos esquemas de meio de pagamento e moedas digitais em todo o mundo.  

 

Expansão das fintechs no Brasil

Em maio de 2021 um total de 1.158 fintechs já existiam e atuavam legalmente no Brasil, enquanto funcionavam menos de duas centenas de bancos, segundo dados do Banco Central. A expansão das fintechs se deu de forma mais expressiva entre 2014 e até 2018, quando surgiram 503 fintechs no país, mas seguem crescendo.

O surgimento, ampliação de atuação e adensamento das fintechs, vem ocorrendo na maior parte dos casos, com fortes aportes de capital de fundos financeiros, mas também de bancos tradicionais, que tentam assim não perder o controle sobre o setor de varejo da intermediação financeira. Só nos últimos anos mais de US$ 4,5 bilhões foram investidos em fintechs no Brasil.

As sedes das fintechs, assim como os bancos tradicionais, estão instalados no centro da maior economia do país, a região Sudeste, onde concentram-se 72% delas. As fintechs de maior porte estão classificadas como meios de pagamento, mas o nicho de atuação delas é mais amplo.

A consultoria Distrito que acompanha o movimento das startups no Brasil classifica as fintechs em 14 diferentes categorias. Entre parênteses a quantidade em maio de 2021: a) Meios de Pagamento (174); b) Crédito (157); c) Back Office (153); d) Cartões (98); e) Serviços Digitais (96); f) Criptomoedas (87); g) Risco e Compliance (78); h) Tecnologia (77); i) Investimentos (70); j) Fidelização (48); k) Crowfunding (40); l) Finanças Pessoais (39); m) Dívidas (22); n) Câmbio (19).

A rápida expansão do número de fintechs, a diversidade e os focos de atuação delas dentro do espectro da intermediação financeira, reflete o peso da dominação tecnológica neste sensível setor. O uso expandido das plataformas digitais e dos aplicativos como instrumentos de intermediação que ligam as pontas entre quem tem dinheiro e quem precisa de crédito é central para a expansão deste tipo de negócio.

Esses elementos tornam as fintechs um modelo de negócio que ao mesmo tempo em que ajuda a desburocratizar o setor, com menores exigências na aberturas de contas e movimentação financeira, também trabalha com custos de captação e oferta de crédito mais baixos entre outras facilidades. Além disso, é também um instrumento muito menos controlado e regulado pelas autoridades monetárias.

Todos estes fatos ajudam também a explicar porque o Nubank hoje já é a quinta instituição financeira mais valiosa no Brasil e um dos maiores bancos digitais do mundo, tendo hoje a um valor de mercado de US$ 30 bilhões, 50% acima do tradicional Banco do Brasil cotado também em junho passado a US$ 20 bilhões. Na lista das dez instituições financeiras com maior valor de mercado no Brasil estava, além da Nubank, a XP, a Stone (hoje com capital da GloboPar) e PagSeguro que é uma Fintech controlada pelo grupo Folha de São Paulo/UOL. [3] [4]

 

A digitalização das finanças e a desregulação do setor

O que está vindo pela frente é uma explosão da digitalização das finanças, exatamente o espaço onde atuam as fintechs. Essa articulação tem a ver com os fluxos e a intermediação financeira, mas também em especial com meios de pagamento (pós-cartão) e com o uso intensivo da Inteligência Artificial (IA) e os Big Datas (BD). Com o open banking - plataforma que o Banco Central (BC) disponibilizará – haverá o compartilhamento de informações financeiras de crédito e compras dos bancos tradicionais dos correntistas para uso universal e aí a IA será ainda mais importante.

A baixa regulação tende a aumentar os riscos. O mercado de capital já se vangloria ao se dizer que é um setor autorregulado, sem se importar com a CVM. A tendência é que as fintechs escancarem cada vez mais a desregulação do setor impondo mais riscos na mesma lógica de que o mercado se autorregula e sem conseguir limitar a oligopolização que virá pela frente.

Isso não é discurso crítico desta lógica apenas. Quem já vem alertando há algum tempo para esse problema no plano global é o FSB (Conselho das Entidades Financeira), nada mais e nada menos que órgão que trata da estabilidade financeira em nome do G-20. Desde 2018, o FSB vem chamando a atenção para o “open banking” e para as fintechs dizendo que elas possuem regulações limitadas nos seus estados-nação, também por conta das relações que elas possuem com o poder das Big Techs (PESSANHA, 2019, p.166-168). [5]

É ainda importante reconhecer que a ampliação do surgimento das fintechs acontece no âmbito do processo de startupização que se desenrola no Brasil e no mundo, onde investidores descobriram uma fórmula de investir praticamente sem riscos. Na última década, o número de startups no Brasil se multiplicou em mais de 20 vezes.

A busca pela desconcentração bancária nos país é um movimento correto, mas pode ser uma ilusão, diante do que se conhece em termos da histórica concentração e oligopolização do setor financeiro no Brasil e no mundo, onde o capital global aspira os excedentes nacionais em busca de lucros cada vez maiores.

 

Dominação tecnológica amplia a hegemonia financeira

Esse processo passa pela atual dominação tecnológica. O poder da tecnologia é um fator importante para o atual deslocamento do capitalismo para a criação de uma nova etapa do Modo de Produção Capitalista que também acontece de forma ainda mais acelerada e potente sobre o setor de intermediação financeira.

Com as plataformas e as finanças digitais se une mais facilmente o mercado de capitais, os fundos financeiros, o varejo do crédito, permitindo ainda um maior enlace entre capitais globais e nacionais. As fintechs caem perfeitamente como uma luva para os movimento dos fundos financeiros já profundamente imbricado ao mercado de capitais (títulos, câmbio e ações) e enlaçando forma transescalar o capital global e aos capitais nacionais.

Neste percurso temos assistido a um controle mais amplo do mercado (esse ente abstrato, mas que age de forma concreta com uma grande máquina calculadora, subtraindo de um lado e acumulando em outro) sobre a política econômica em todos os setores. Porém, agora de forma especial se vê ainda mais claramente, o mercado financeiro também definindo, direcionando e controlando o crédito e assumindo o protagonismo que antes era do Estado.

É evidente que esquema que está se ampliando em velocidade colossal se aproveitando das fragilidades dos Estados-nações e do domínio das gigantes da tecnologia que já atuam como Estados-Plataformas (LEVY, Pierri, 2020). [6]

Tenho insistido em denominar esse processo como “dominação tecnológica que amplia a hegemonia financeira”. Não é aceitável que essa intermediação financeira e o setor bancário continuem atuando de forma tão desregulada, permitindo a livre circulação do capital fictício que extrai cada vez mais porções de valor (e renda) da economia real, precarizando o trabalho e transitando livremente de maneira transfronteiriça. [7]

Essa lógica neoliberal em que o mercado assume o protagonismo precisa ser repensada. Os EUA, internamente, já identificou a necessidade de controlar esse protagonismo do mercado com o Estado a reboque. Não chega a ser o que faz a China com sua regulação agora maior sobre a relação entre suas gigantes de tecnologia e seu setor financeiro. A União Europeia com a Alemanha à frente, também começa a repensar essa lógica fiscalista, de Estado mínimo da lógica neoliberal na formulação de suas políticas.

Aliás, foi o setor público que impediu a quebra das empresas na crise do subprime 2008/2009 e também agora, no auge da pandemia. Assim, não faz nenhum sentido que o fundo público sirva apenas para alimentar os donos dos dinheiros nas fases de colapso dos ciclos econômicos.

É preciso que observemos melhor o que está em curso. Estas investigações não podem servir apenas às pesquisas acadêmicas e sim estar a serviço do esforço para realizar transformações nas relações com a sociedade. É necessário ainda ser mais ousado e ir para além das mudanças periféricas e normativas deste mercado predador do capitalismo da gestão de ativos. E nesse sentido, o setor das finanças, como centro dinâmico do capitalismo contemporâneo, urge por observações e transformações a favor da maioria da sociedade.

 

Referências:

[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog do autor e Portal 247 em 13 jul. 2021. Nubank é reflexo da dominação tecnológica em meio à hegemonia financeira. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/nubank-e-reflexo-da-dominacao-tecnologica-em-meio-a-hegemonia-financeira ou disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/07/nubank-e-reflexo-da-dominacao.html

[2] Matéria da UOL em 1 jun. 2021. BOMFIM, Mariana. Competição com fintechs beneficia clientes de bancos, mas não derruba juros. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/06/01/fintechs-bancos-competicao-juros.htm?fbclid=IwAR1lUcKrv3xbUjkCkjy5tgVGIMSk2P2sUSli12pGY8YjuDnDdhExmrjpFmA

[3] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog pessoal em 9 jun. 2021. A ilusão da desconcentração do setor financeiro brasileiro criada com o caso Nubank. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/a-ilusao-da-desconcentracao-do-setor.html

[4] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog pessoal em 9 jun. 2021. Caso Nubank e o setor bancário mostram aumento do protagonismo dos grupos financeiros privados no Brasil. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/o-caso-nubank-e-o-setor-bancario.html

[5] PESSANHA, Roberto Moraes. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[6] LEVY, Pierre. Entrevista ao valor em 23 out. 2020. FERNANDES, Daniela. “Gigantes da web são novo Estado’, diz Pierre Lévy. Google, Apple, Facebook, Amazon dominam infraestruturas e detêm poder que vai além do econômico, segundo filósofo Pierre Lévy. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/10/23/gigantes-da-web-sao-novo-estado-diz-pierre-levy.ghtml ou as ferramentas oferecidas na página.

[7] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog do autor e Portal 247 em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual ou disponível: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html


PS.: Atualização às 14:24 de 30/07/2021: Quase um terço dos consumidores de serviços bancários no mundo já faz pagamentos por meio de uma das gigantes da internet: Google, Amazon, Facebook, Apple, Alibaba, Tencent, Mercado Livre e outras. A informação está hoje (30/07) num caderno especial do Valor sobre meios de pagamento digital. Além de meios de pagamento, as Big Techs estão funcionando como banco, fornecendo crédito, financiamento em crowfunding, seguros e gestão de ativos. As informações reforçam a análise do texto sobre a relação entre a financeirização e o uso da Big Techs que em 2020 investiram mais de US$ 2 bilhões nas fintechs o que confirma a hipótese de que a dominação tecnológica das Big Techs amplia a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo. 

PS.: Atualizado às 16:54 de 30/07/2021: Outra matéria hoje do site Isto é Dinheiro, replicado pelo site Fusões & Aquisições (F&A) diz que agora em julho de 2021, o número de fintechs no Brasil já chegou a 1.174, quando no artigo nos referimos a dados de maio passado (2021) de 1.158 fintechs. A reportagem se refere ainda com dados novos ao processo que comentamos no texto sobre oligopolização, ou seja, as maiores engolindo as menores em processos de fusão ou aquisição. Além disso, também comenta a tendência de que essas fintechs maiores deixem de atuar em uma ou duas entre as 14 categorias ou classificações de fintechs a que nos referimos no artigo. Com ajuda das fusões e aquisições elas vão deixando de ser especializada e passam ao movimento inverso, com atuação mais geral entre as categorias, assim como as grandes instituições financeiras. Outro dado que reforça nossa análise é que o número de fusões e aquisições entre fintechs em julho de 2021 já somam 22 operações, bem próximo do total de 28 operações de fusões e aquisições entre fintechs no ano anterior (2020).

PS.: Atualizado às 21:38 de 31/07/2021: para corrigir o termo "acrônimo" digitado de forma errada na primeira linha.  

terça-feira, julho 27, 2021

"O Brasil tem o desafio de liderar a retomada da Unasul como parte de sua estratégia de inserção no mundo", por Marcelo Estevão de Moraes

 Abaixo republico o artigo do Marcelo Viana Estevão de Moraes que saiu originalmente aqui no site Nexo Política Pública.


O retrocesso da grande estratégia geopolítica brasileira

Marcelo Viana Estevão de Moraes 

A grande estratégia brasileira em termos geopolíticos abrange projetar-se sobre seu entorno em círculos concêntricos de influência. O primeiro círculo e o mais importante é a região platina, zona de maior densidade econômica e populacional. O segundo círculo incorpora o resto da América do Sul, com destaque para o arco amazônico; e o Atlântico Sul, no qual transita mais de 95% do comércio externo do país. O terceiro círculo agrega toda a América Latina e o Caribe, bem como a Antártica e a costa ocidental da África. Os três círculos conformam o grande entorno geoestratégico do Brasil, onde sua presença ativa é vital para seu desenvolvimento e sua segurança.

Na sua afirmação como ator geopolítico global nos primórdios deste século, entre outras iniciativas, o Brasil liderou a criação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas). A Unasul foi uma organização internacional integrada pelos 12 estados da América do Sul, criada com o objetivo de projetar o poder da região no redesenho da ordem global e articular as ações dos diversos países nos vários campos das políticas públicas, funcionando como instrumento de governança do espaço regional bioceânico, em um contexto de mudança do pólo político e econômico mundial do Atlântico Norte para o Pacífico Ocidental.

A destruição da Unasul significou um retrocesso para o Brasil e uma derrota de sua grande estratégia, que ocorreu juntamente com a desarticulação da política externa brasileira, de global player e de global trader, mediante a desorganização do Itamaraty, que sempre funcionou como referência institucional para a profissionalização da administração civil.

A nova ordem geopolítica mundial impõe ao Brasil o desafio de atualizar e implementar uma grande estratégia que conjugue o seu destino com o da América do Sul

A nova ordem geopolítica mundial impõe ao Brasil o desafio de atualizar e implementar uma grande estratégia que conjugue o seu destino com o da América do Sul, articulando uma plataforma regional de projeção de poder capaz de assegurar os interesses nacionais e regionais na nova conjuntura internacional. É preciso garantir algum controle sobre o entorno oceânico da América do Sul, a segurança da extensa fronteira terrestre brasileira e a cooperação para o desenvolvimento sustentável da Amazônia diante da crise ecológica global.

A integração da América do Sul dificilmente pode avançar sem o Brasil, por suas dimensões territoriais, populacionais e econômicas. Por ser multivetor do ponto de vista geopolítico, o país conecta as grandes bacias hidrográficas amazônica e platina com o altiplano andino e tende a ser o principal protagonista e beneficiário da integração continental. Primeiro, porque o projeto regional se articula com o objetivo nacional brasileiro de consolidar sua integração interna. Segundo, porque viabiliza potenciais sinergias entre os sistemas econômicos nas esferas produtiva, comercial e logística, com destaque para os corredores interoceânicos. Terceiro, porque permite a articulação de uma doutrina estratégico-militar regional como ocorria por meio da cooperação no Conselho de Defesa Sul-Americano.

Houve uma campanha contra a Unasul usando o fantasma de um suposto bolivarianismo. Nada é mais falso. Todo o processo recente foi fortemente impulsionado pelo Brasil com lastro em duas tradições fundamentais do pensamento social brasileiro: por um lado, o pensamento geopolítico com sua marcha para o oeste, nas formulações de Mário Travassos, do seminal Projeção Continental do Brasil, até os escritos do general Meira Mattos, nos anos 1990; por outro, no pensamento econômico desenvolvimentista, que sempre flertou com a cooperação regional como dimensão estratégica do desenvolvimento nacional.

O mapa de poder global foi redesenhado nas duas primeiras décadas do século 21. O século 20 terminou sob a supremacia dos Estados Unidos, vitoriosos na Guerra Fria. Vinte anos depois, a China emergiu como potência terrestre desafiante, reeditando o esquema básico do quadro mackinderiano: uma potência terrestre que disputa o controle da Ilha-Mundo (Eurásia) como contraponto a uma potência oceânica (visão mahânica) que controla o mundo por meio do domínio dos mares (EUA). No século 19, essa polaridade opunha a Grã-Bretanha à Rússia, o que inspirou a formulação original de Mackinder. Agora a polaridade que se desenha é entre os EUA e a China. Mas há elementos novos e complexos.

Ao contrário da Rússia e da União Soviética, a China é a maior economia mundial, superando a economia americana (2ª), se o PIB for contabilizado no critério de PPC (paridade de poder de compra). A China é um desafiante tridimensional: compete com os EUA também nas dimensões estratégico-militar e científico-tecnológica. Das oito maiores economias do mundo hoje (critério PPC), cinco estão na Ásia e progressivamente articuladas em torno da economia chinesa, em maior ou menor grau, por força das novas rotas da seda, terrestres e marítima, e da área de livre comércio do Pacífico: Japão, Índia, Rússia e Indonésia, além de outras potências de médio porte.

A aliança estratégica entre China e Rússia tem caráter complementar: o dinamismo econômico chinês tende a se espraiar pela Rússia por meio das novas vias terrestres de comunicação e transporte que ligam a economia chinesa ao coração da Europa, com autonomia em relação aos meios tradicionais marítimos. Por outro lado, a China tem na Rússia um parceiro rico em recursos naturais e energéticos, com um sofisticado sistema industrial militar, que potencialmente pode supri-la com matérias-primas e, em parceria, equilibrar o balanço estratégico. Aliados, exercem um poder de atração sobre os demais países do entorno, sobre a Europa e sobre o mundo, por meio de arranjos de geometria variada. A União Europeia, nucleada pela Alemanha, tende a se integrar nesse eixo por seu potencial econômico e pela dependência energética em relação à Rússia, apesar de seus tradicionais laços com o ocidente.

Mesmo a Austrália e a Nova Zelândia que, juntos com o Canadá e o Reino Unido, integram a comunidade anglo-saxônica cujo eixo está nos EUA, estão na RCEP (Parceria Regional Econômica Abrangente), área de livre comércio hegemonizada pela China.

Considerado esse panorama sintético de grandes tendências, a oitava economia global (PPC), o Brasil, deve se organizar a partir de sua circunstância geopolítica sul-americana para negociar com esses grandes blocos as melhores condições para o desenvolvimento nacional e regional. O Brasil estava estruturando a América do Sul (por meio da Unasul) como interlocutor geopolítico desses arranjos e buscando maximizar as oportunidades eventualmente derivadas dessas rivalidades. Parafraseando o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, o Brasil não cabe no quintal de ninguém e seu desafio é liderar a retomada da Unasul como parte de sua grande estratégia de inserção no mundo.

Marcelo Viana Estevão de Moraes é especialista em políticas públicas e gestão governamental, doutor em ciências sociais e autor do livro “A construção da América do Sul: o Brasil e a Unasul”, lançado em 2021 pela Editora Appris.


sábado, julho 24, 2021

Estado profundo no Brasil como filial do Deep State dos EUA

Parece estar em curso no Brasil uma tentativa de estruturar, à imagem semelhança dos EUA, um Deep State, não como estrutura independente, mas como filial à sede do estado profundo americano.

Um esquema de poder que está acima do poder político e do governo do Estado-nação. Uma articulação que envolve no Brasil o Partido Militar, assim como o complexo militar dos EUA (Defesa-Estado Maior, Departamento de Justiça, CIA, NSA e FBI), o esquema financeiro de Wall Street e o setor de comunicações e mídias, hoje sob um controle cada vez maior das Big Techs.

No Brasil, o Arenão envolve o Partido Militar, o poder político congressual, a Faria Lima, redes sociais do bolsonarismo e parte do Judiciário. A subsidiária recebe apoio da matriz desde a sua gênese, lá nos esquemas ilegais da Operação Lava Jato e República de Curitiba com o Departamento de Justiça dos EUA.

No Brasil, após o golpe de 2016 e 2018, assume o governo o Partido Militar e assim eles tomam posse e controle de quase 10 mil cargos civis. Desta forma, se iniciam várias articulações entre autoridades governamentais, instituições da sociedade civil, empresas e consultorias afim de capturar o Estado para um comando mais profundo e paralelo (Deep State).

Trata-se de um estrutura que segue sendo montada por uma sociedade tripartite formada: a) militares no governo (em cargos civis) e na reserva das três forças militares (gente oriunda da Fundação Dom Cabral e FGV) que opera a formação de empresas e consultorias para formalizar contratos com o governo; b) gente vinculada ao setor financeiros (gestora de fundos e bancos tradicionais) e demais operadores da nova intermediação financeira do país em grande parte situada na Faria Lima; c) a intermediação política do Centrão.

Não se trata de uma aliança harmoniosa e sim um movimento com tensões entre eles mas com objetivos centrais claros num esforço de manter e ampliar o poder político e financeiro. Na essência, a garantia de uma tutela sobre todas as demais forças políticas do país.

O caso das compras das vacinas sob interferência de militares de alta patente com empresas novas e estranhas ao setor; o soft israelense Pegasus de espionagem e controle político; as articulações com a direita americana, latino-americana, haitiana e australiana, etc., a vinda do diretor da CIA ao Brasil, assim como o Departamento de Justiça dos Estados Unidos desde a Lava a Jato são partes deste processo, onde os fluxos de informações e acordos entre as partes e o todo precisam ainda ser melhor conhecidos.

O objetivo maior deste Estado Profundo no Brasil é um projeto de poder de longo prazo – assim como nos EUA – que vai para além de mandatos obtidos pela via eleitoral no país. Eles se articulam e agem como subsidiária dependente de um comando central consentido que se movimenta entre agentes do governo, empresas do setor financeiro e cada vez mais por entre fileiras do comando militar.

Não é difícil interpretar como se dá a articulação desta estrutura, desde que siga as pistas que em boa parte foram ficando mais claras, a partir da CPI da Covid. Agentes, instituições, processos, objetivos e estratégias daqueles que operam essa articulação estão em evidências, assim como as seguidas tentativas para despistá-las.

Evidente que ao fazer uma análise deste tipo se está apoiando em fatos reais, mas também em hipóteses. Portanto, não se pretende com esta reflexão tirar conclusões definitivas, mas chamar a atenção para alguns campos de investigação sobre os movimentos das relações de poder no Brasil.

domingo, julho 18, 2021

Lira arma o Arenão: Partido Militar + Centrão + Faria Lima buscando apoio dos EUA

É disso que se trata a volta da ideia do parlamentarismo através do presidente da Câmara, deputado Artur Lira em matéria de capa hoje aqui no Estadão. Tentam o 3º golpe. Golpes sobre golpe. Assim, os mesmos tentam reconstruir o esquema do impeachment (pedaladas), a Lava Jato (prisão de Lula) e o apoio ao Partido Militar de Villas Boas e dos generais haitianos. Essa é a via de 2018 revisitada, agora com a marca da aliança Centrão e Partido Militar.

Na prática, o Centrão avança da sua lógica já conhecida de aprisionar o poder para dele se servir. O parlamentarismo é mais que isso e agora, Lira fala em nome de outros sustentáculos. 

A proposta pretende entregar o poder ao Arenão: Partido Militar + Centrão e a Faria Lima do setor financeiro, mercado de capitais e dos fundos, em nome do capitalismo da gestão de ativos. Além destes agentes há apoios e articulações também nas cortes de Justiça do país como nos movimentos anteriores.

O jogo vai ficando mais às claras. Para entendermos melhor tudo isso é necessário incorporar outras escalas, em nossas análises de conjuntura nacional, através de leituras sobre os movimentos da geopolítica, para se ter uma interpretação mais potente da realidade em sua totalidade, em que o Brasil é hoje de fato, um líder do Sul Global.

O capital é global e algumas corporações gigantes já são maiores e possuem mais poder que estados-nações. As plataformas digitais servem de meio de circulação de negócios e mercadorias, mas também de manipulação e controle político a nível global. Temos Estados-Plataformas comandados por conglomerados de corporações.

Com este olhar mais amplo, eu tenho sustentado a leitura de que a dominação tecnológica tem ajudado a ampliar a hegemonia financeira que hoje detém enorme poder político. Articulações transfronteiriças que servem a esses movimentos da geopolítica, onde as guerras híbridas se transformaram em rotinas, comandadas pelo império para controle político sobre os estados-nacionais na periferia do mundo.

Trata-se de uma lógica imperialista ampliada e ainda mais controlada com os artifícios da tecnopolítica e da algoritmização da vida. É nessa lógica conhecendo em detalhes (em dados e fluxos) todo o potencial do Brasil, que os interesses se ampliaram. Hoje, esses interesses são muito maiores do que aqueles de 1964, porque neste intervalo, o Brasil, assumiu a condição de líder do Sul Global.

Como venho sustentando, os EUA têm um interesse especial neste momento sobre o Brasil: a garantia de não retomada dos BRICS para limitar a ação da China, em aliança com a Rússia.

Repito, o Brasil é o maior player do sul global, além de fornecedor de commodities que atende a China, em casos de maiores pressões e disputa como a da guerra comercial com os EUA.

Além disso, há interesse enorme sobre o pré sal, maior fronteira petrolífera descoberta nas duas últimas décadas no mundo. Desde 2014, que as reservas no mundo estão diminuindo, por conta de menores investimentos para exploração em petróleo, setor estratégico em qualquer disputa geopolítica.

Os EUA hoje jogam para segurar a hegemonia do império contra a China e seus aliados e assim, não aceitam o Brasil retomar com força o movimento dos Brics. É disso que o chefe da CIA veio tratar aqui no Brasil há algumas semanas. No limite, Biden engole até Bolsonaro, embora trabalhe para uma alternativa mais palatável do esquema Arenão. Além disso, Biden deseja que o Brasil, manejado por eles, segure a nova onda vermelha na América Latina. Esperteza demais costuma engolir os espertos.

O fato é que a história não está dada. Hoje, hoje os brasileiros começam a compreender esses movimentos. Mais do que isso começam a reconstruir as bases e as condições para fazer um enfrentamento a esse controle do Arenão em conluio com os EUA. Há fissuras nessa recomposição autoritária do Arenão, em meio ao genocídio e às tramoias do Centrão abraçado ao Partido Militar.

Novas manifestações populares estão a caminho. No próximo sábado teremos o 24J. Elas serão cada vez maiores e esse movimento das ruas será fundamental para definir as forças que encontrarão as saídas para a retomada do nosso Projeto de Nação. 

Vamos à luta. Fora Bolsonaro, Partido Militar e Lira!

terça-feira, julho 13, 2021

Nubank é reflexo da dominação tecnológica e do interesse de capitais globais sobre fintechs brasileiras em meio à hegemonia financeira

Além da análise mais macro sobre os caminhos do “capitalismo da gestão de ativos” na era da dominação tecnológica e hegemonia financeira, eu resolvi observar mais perto os caminhos da financeirização digital (home banking e a fintechs).

Assim, resolvi descer para uma investigação mais próxima da nossa realidade com uma pesquisa no âmbito micro sobre as fintechs. Escolhi iniciar pela player, atual campeã, do setor de varejo digital de crédito no Brasil, o Nubank. Observar como o Nubank funciona na prática para as pessoas.

A líder Nubank hoje já possui quase 40 milhões de contas e alcançou valor de mercado que já é superior a US$ 30 bilhões, cerca de 50% maior que o valor do Banco do Brasil. Crescimento que no último mês se deveu também ao aporte de capital feito pelo fundo do Warren Buffet de cerca de R$ 2 bilhões. Hoje, o Nubank é a quinta instituição financeira mais valiosa do Brasil, atrás – na ordem - do Itaú, Bradesco, Santander-Brasil e BTG e o 5º maior banco digital do mundo.

O Nubank ultimamente vem crescendo sua carteira de clientes na faixa de 41 mil novas contas por dia. Possui apenas 5 mil funcionários contra cerca de 90 mil do Bradesco ou do Itaú que como bancos tradicionais ainda contam com milhares de agências pelo país. O Nubank é apenas um APP. Um banco digital. Home banking, ou Internet banking. Ou uma fintech, acrônimo que reúne as palavras finanças e tecnologia.

Em termos práticos, entre 5 e 10 minutos, depois de baixar o APP do bando digital, eu já tinha aberto a conta e logo em seguida já pude realizar como teste, a transferência de um valor do meu banco usual para essa conta do Nubank que de forma online no mesmo momento acusou o crédito.

Em seguida, recebi por email a informação de que estavam enviando para o meu endereço um cartão, ao mesmo tempo que ofereciam uma opção de “guardar dinheiro”, uma espécie de conta remunerada para ser baixado a qualquer momento, com pagamento de rendimento de 100% do CDI, superior à poupança em muitos CDBs.

Certamente é coincidência, porque não vou acreditar em teoria da conspiração, mas logo que acabei de realizar o teste, eu recebi em meu celular uma ligação do tal Itaú Personalité com ofertas parecidas.

Porém, o que interessa nesse caso é identificar que essas facilidades e desburocratização ajudam a explicar o sucesso dessas fintechs entre a população, em especial, a mais jovem e mais endinheirada, que domina com maior destreza esses mecanismos do mundo digital. Os bancos não se interessam pela periferia do sistema onde estão as pessoas de baixa renda e sem propriedade.


A lógica da intermediação financeira via startups e Internet banking e fintechs

Enfim, a internet banking - fintechs - é uma forma de uso das plataformas digitais que realiza a intermediação financeira, que antes era feita por uma agência bancária tradicional e agora é executada automaticamente por um aplicativo.

É bom que seja lembrado que estes grupos trabalham com potentes mecanismos de Inteligência Artificial (IA) tanto para identificar seus atuais clientes, como para captar depósitos e contas e ainda monitorar o uso que fazem de suas finanças. O cruzamento destes dados com outros interesses e perfis de milhões de pessoas potencializam seus negócios financeiros.

Banco de dados são comprados por valores altíssimos para aperfeiçoar as buscas de informações para que o cruzamento de dados se efetive como a alma do negócio-chave das fintechs: intermediação financeira ágil e de massa. Os dados trabalhados de forma inteligente substituem os antigos bancários. 

Já é quase natural, no ambiente das fintechs, em que a maioria de trabalhadores é de engenheiros de computação e técnicos de Tecnologia da Informação (TI), que a concessão de créditos seja decidida por algoritmos, a partir do aprendizado de máquina (machine learning), desenvolvido por enormes bases de dados (Big Data). 

IA e BD se combinam. Aprendizado de máquina é basicamente estatística, sustentado em estoque de dados. Algoritmo é um programa que organiza o aprendizado de máquina através dos algoritmos, a partir de direções e escolhas definidas pelo dono do sistema. Eles buscam o aumento da capacidade de intermediação financeira em massa, menor custo-risco e maiores rendimentos de curto prazo com o dinheiro dos correntistas.

A ampliação do surgimento das fintechs vem no bojo do processo de startupização que acontece no Brasil e no mundo, onde investidores descobriram uma fórmula de investir praticamente sem riscos. Em 2011, o Brasil tinha 600 startups, mas em 2021 deu um salto para 13.813 startups, incluindo as fintechs. Nos últimos quatro anos, as startups conseguiram aportes de capital no valor de US$ 11,75 bilhões, sendo 1/3 de valor, cerca de R$ 4,1 bilhões, aportados apenas nas fintechs (Internet Banking).

O uso dos aplicativos também vem sendo ampliado pelos bancos tradicionais, mas com resultados mais modestos em termos de captação de novas contas e/ou clientes. Apesar desse movimento, a concentração bancária no país ainda é muito grande. Em 2018, era de 84,8% e no final de 2020, ainda estava em 81,8%, com queda de apenas 3%.

Para se analisar o setor bancário os economistas dizem que é necessário observar o que eles chamam de três agregados contábeis: ativo total; depósito total e operações de crédito. Este último muito relacionado, mas não diretamente, ao número de clientes ou contas.

Ainda, segundo segundo o Banco Central, em termos de operações de crédito, em 2018 no Brasil quase metade (48,9%) delas eram realizadas pelos bancos públicos (BB, CEF e BNDES). Mas, em 2020, já se podia observar como cresce rapidamente, a participação dos bancos privados, quando as operações de crédito nos bancos públicos tinham caído para 42,8%. Ou seja, atualmente, quase 60% já são realizadas pelos bancos privados aí incluídos as fintechs.

O mais interessante deste processo é que essas bancos digitais (internet banking) ganham com a enorme redução de despesas por não possuírem agências físicas e terem um número muito menor de trabalhadores (bancários), o que aumenta bastante os seus lucros.

Além disso, a captação de clientes e investimentos pelas fintechs é muito mais barata. Aliás, também segundo o BC, esse é o maior peso no índice de Custo de Crédito (ICC) dos bancos, cerca de 31%, acima até das despesas administrativas que são estimadas em 21%. É com esta redução de custos, de cerca de 50%, que os bancos digitais estão oferecendo algumas vantagens, embora, os juros dos seus créditos sejam tão altos quanto dos chamados bancões (tradicionais) no Brasil, que são conhecidos como os maiores do mundo.       

Por tudo isso, é possível afirmar que estamos diante de um movimento também no setor bancário - muito vinculado ao mercado de capitais e fundos financeiros – de um expressivo aumento do controle do mercado sobre a política econômica que também define o direcionamento do crédito, entre os setores da economia e a distribuição regional (espacial) no Brasil. O Estado segue aceleradamente, perdendo o seu protagonismo.


Trata-se de um esquema de captura do varejo de crédito no país das mãos dos bancos tradicionais. Por isso, não apenas Warren Buffet adquiriu parte do Nubank, mas na semana passada, o JP Morgan colocou alguns bilhões para ficar com 40% do C6Bank, outra fintech que cresceu muito nestes últimos anos Brasil. 

Porém, a leitura necessária para se entender esse processo no setor bancário brasileiro é a da mudança que está em curso na forma de intermediação financeira. Os excedentes da poupança das pessoas, famílias e das empresas estão encontrando outro destino. Eles estão indo para essas fintechs e para os fundos financeiros. Assim, estes investidores passam também a controlar, diretamente, a produção, além de alimentarem o processo de especulação com papeis do setor financeiro. Ao controlar parte maior da produção, esses investimentos vão atrás de maiores rendimentos de curto prazo, que extraem valor da geração de riqueza e do trabalho.

A dominação tecnológica reforçou o protagonismo do mercado das finanças nas relações com a sociedade sem regulação do Estado

Assistimos a um movimento que explica como o capitalismo foi se tornando hegemonicamente financeiro. A Plataformização (e/ou Appficação) das finanças mostra como a dominação tecnológica amplia a hegemonia financeira, ao mesmo tempo em que extrai mais valor da renda do trabalho, amplia a taxa de lucro e torna o trabalho mais precarizado.

O capital flui de forma mais livre, desregulamentada e num circuito imbricado entre as finanças globais e nacionais. Um processo que demonstra como o mercado ampliou o seu protagonismo nas relações com a sociedade que antes eram mediadas e reguladas pelo Estado.

Na essência, as finanças não criam valor como defendem os economistas neoclássicos. As finanças não são um setor e sim um “acordo contratual” de intermediação e circulação do dinheiro e do crédito. O que há é que intermediação (circulação) financeira foi extremamente facilitada com o mecanismo das plataformas digitais e da Internet Banking, se tornando ainda mais lucrativa.

Por tudo isso, eu tenho insistido para a necessidade se compreender porque o Brasil de hoje é tão distinto de duas décadas atrás. Não haverá saída sem que o Estado retome esse protagonismo, sua autonomia e soberania nas relações entre o mercado e a sociedade.


PS.: Atualizado às 18:36: com ajustes na redação do texto em alguns parágrafos para torná-lo mais compreensível.

sábado, julho 10, 2021

Fora Partido Militar!

O quadro atual da política no Brasil deixa claro que a sociedade e as forças de oposição precisam ir além do Fora Bolsonaro.

O desmonte da nação, a entrega de nossas empresas e riquezas a preço vil, a incompetência dos militares na invasão que fizeram nos cargos civis, são elementos clarividentes que a sociedade brasileira precisa retomar o projeto de Nação fazendo com que os militares retornem para a vida militar e às suas atribuições.

O Brasil precisa interromper essa impertinente e inaceitável politização das Forças Armadas e a militarização da sociedade. Porém, é preciso ir além. Será preciso punir severamente os responsáveis pelo genocídio e pela corrupção na compra das vacinas e da área de saúde como um todo, evidentemente incluindo todos os militares.

O Partido Militar vem se apoiando em três vértices. O primeiro é a base dele, a força armas que balançam contra a sociedade que lhe faz oposição. O segundo é o poder financeiro, a Faria Lima, a força do mercado financeiro cada vez mais imbricado e comandando a economia real. O terceiro são os EUA que há uma semana mandou o chefe da Cia, William Burns, mais como representante do Deep State do que como interlocutor de Biden para ajustar as bases de uma negociação com Bolsonaro e os generais do Partido Militar.

É muito provável, que os generais do Partido Militar tenham realizado trocas com os EUA para se manterem no poder no Brasil, desde que garantam sustentação para enfraquecer o Mercosul, enquadrar a Venezuela e travar os governos autônomos da América Latina impedindo realinhamentos que não interesse às forças estadunidenses.

O que está sendo exposto nesse momento é fruto desses movimentos anteriores. Porém, novos movimentos já estão em curso. A Faria Lima abertamente já estuda opções, possivelmente, junto com interlocutores de Biden, que para fora, continua agindo como império.

No Brasil, a retomada de um projeto de nação depende ainda que seja retirado o protagonismo do mercado sobre a vida em sociedade, até para que a nação tenha autonomia e soberania. Mas, sobretudo é preciso ter clara a direção: #ForaPartidoMilitar!

terça-feira, julho 06, 2021

Os interesses dos fundos de investimentos sobre as estatais e o acordo Partido Militar-Faria Lima

Ontem foi entregue para fundos financeiros privados o restante das ações da BR Distribuidora. Hoje, está na pauta a entrega dos Correios. Há poucas semanas tinha sido a vez da entrega da Eletrobras. Há alguns meses da Cedae, dos gasodutos e várias subsidiárias da Petrobras.

Assim, segue o desmonte na direção do controle do mercado sobre a economia, as políticas setoriais e a vida em sociedade no Brasil contemporâneo. Nesse ritmo de entrega do desgoverno, a Faria Lima já não precisará mais de Bolsonaro. Todas essas estatais estão passando ao controle de fundos financeiros globais com enlaces a outros fundos vinculados à elite econômica e financeira nacional.

Não se trata de investimentos novos, mas a entrega de empresas e infraestruturas prontas e com lucros. É um processo vinculado ao que venho chamando a atenção do “capitalismo da gestão de ativos” dos fundos financeiros. Os fundos avançam sobre essas “oportunidades” ligadas às infraestruturas (eletricidade, água e esgoto, rodovias, limpeza urbana, transporte urbano, portos e aeroportos...) porque as concessões de serviços públicos são vantajosas por várias razões.

As empresas estatais são bases de uma base de infraestrutura já instalada. O processo de privatização tem garantia de financiamento governamental barato e não têm necessidade de licenciamento ambiental. E o melhor, são setores (água/esgoto, lixo, eletricidade, transporte público, etc.), que possuem fluxos de capital imediato pela prestação do serviço já em curso.

Repito, essa opção dos investidores se dá porque se tratam de setores de baixo risco e que possuem fluxos permanentes de capital. Aí entram os tais e famosos “marcos legais”, vendidos com a narrativa de modernidade, mas que na verdade garantem duas questões mais importantes para os investidores: flexibilidade que significa poder entrar e sair do negócio e/ou setor.

Garantia de altas tarifas que traga elevada e crescente remuneração aos investidores. Negócios de curto prazo, nenhum risco e elevado retorno. A Faria Lima assume o lugar do BNDES e passa a dirigir políticas econômicas em setores estratégicos.

É nesse contexto que se deve observar a relação entre o desmonte estatal, o controle da economia e as relações de poder e a política. Neste campo, fica mais fácil compreender os movimentos do capital financeiro no campo da política. A busca da tal transição de centro.

Um acordo que se tenta costurar como alternativa, mas junto com o Partido Militar que comunga e defende essa entrega, só que sem Bolsonaro. Querem um estado mínimo, mas máximo para os militares. É por conta disso, que empreenderam a politização das Forças Armadas e a militarização da sociedade. Um acordo ultraliberal-militar.

O Partido Militar segue com seu projeto de longo prazo que capturou a nação e tenta manter seu comando, em negociações que tentam viabilizar a alternativa de centro sem Bolsonaro. Se isso não for possível, já pensam em repetir 1961, com um parlamentarismo às pressas. Tudo que possa tentar evitar a volta da centro-esquerda ao poder.

Em nosso lado, já saímos da fase apenas de resistência para a disputa de hegemonia na sociedade na luta para a retomada de um projeto nacional popular. O Brasil de hoje é muito diferente de duas décadas atrás. Assim, a luta é para retomar a autonomia, o protagonismo e a soberania do Estado, planejar e redefinir a política macroeconômica, projetos estratégicos e inclusivos de desenvolvimento socioterritoriais com redução das desigualdades. 

Porém, esse caminho passa, antes de tudo, por romper a lógica do mercado controlando e hegemonizando as relações com a sociedade. E nesse propósito, é preciso rever um conjunto de medidas tomadas após 2016, como o Teto de gastos (EC 95), autonomia do Banco Central, estabelecer tributação sobre rendimentos financeiros e do mercado de capitais. Repensar isenções fiscais e tributárias, e acima de tudo rever as privatizações danosas aos interesses estratégicos nacionais.