quarta-feira, agosto 25, 2021

Capital x trabalho: pandemia produz mortos entre petroleiros e lucros bilionários aos acionistas

A contradição capital x trabalho também se exprime durante a pandemia no setor petróleo no Brasil, onde um dado espantoso passa batido na mídia comercial. Só na Petrobrás, a Covid produziu até aqui 53 mortes de um total de 8.094 trabalhadores contaminados, equivalentes a quase 20% do total de empregados da corporação. E novos surtos seguem nas plataformas de produção com dezenas de petroleiros contaminados e desembarcados. Em meio às mortes e aos altos preços da gasolina/diesel/gás que atinge os brasileiros, a Petrobras neste período Bolsonaro, paga dezenas de bilhões de dólares aos seus acionistas estrangeiros. O capital segue com seus lucros, enquanto o trabalho - que produz a riqueza da nação - chora seus mortos.

quinta-feira, agosto 19, 2021

Saneamento: "Universalização é apenas mais uma palavra...", por Carlos Frederico Ribeiro

O saneamento (água, esgoto e lixo) é um dos serviços públicos que no Brasil vem sendo entregue à iniciativa privada e a agentes do sistema financeiro com promessas que não levam em conta problemas e questões que merecem análises mais aprofundadas. 

O assunto já foi objeto de algumas análises aqui neste espaço. Porém, hoje o blog abre espaço para uma análise do Carlos Frederico Rangel de Almeida Ribeiro que é licenciado em Geografia pelo IFF e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP/ UFF). 

Carlos iniciou estudos e pesquisas sobre a financeirização do setor de saneamento e traz no artigo abaixo - onde também analisa a privatização da Cedae no ERJ e a atuação da Águas do Paraíba em Campos dos Goytacazes - uma leitura de que este processo como vem sendo conduzido compromete a garantia dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário. Vale conferir! 


Universalização é apenas mais uma palavra...*

Assim como “sustentabilidade” e outras palavras que foram apropriadas pelo capital, a garantia da universalização se tornou um marketing muito fácil de ser vendido, acatado e incorporado pelo senso comum; empresas privadas não só se apropriaram desse discurso, como o garantiram em Lei. O processo de discussão e aprovação do Novo Marco Legal (Lei 14.026/20) mostra exatamente para quem esses novos arranjos do setor estão sendo construídos. Não é para a população.

            A Lei institucionaliza a tão sonhada segurança jurídica do setor privado, funcionando como um espelho que reflete as contradições que existem no discurso do acesso aos serviços por parte desse grupo. O mesmo já não precisa mais gastar a mesma energia para tentar convencer que o setor privado é mais eficiente que o público, uma vez que sua participação já está sendo viabilizada e facilitada sem a necessidade de elaboração e apresentação estudos e planejamentos que a justifique.      

            As regionalizações impostas pela Lei já estão ocorrendo em diversos estados, e de maneiras bem controversas. Estamos vendo uma progressiva participação de entidades privadas nesse processo, enquanto os municípios e a população têm ficado de fora ou apresentam um baixo grau de relevância nessas decisões. Um exemplo disso é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que tomou as rédeas junto ao governo estadual para regionalizar a CEDAE e está à frente de outros projetos em outros estados.

            O bloco 3, incialmente composto de 22 bairros da Zona Oeste do Rio e mais 6 municípios, foi abertamente negligenciado por não ter se mostrado atrativo ao capital. Esse caso já é o suficiente para comprovar que a realização do lucro é a contrapartida para compra dos blocos. Mas onde estava a preocupação e a pressa em ofertar os serviços para as milhares de pessoas que carecem dos mesmo?

            Em 2010, o acesso a água e ao esgotamento sanitário foram reconhecidos enquanto Direitos Humanos, mas pouco tem sido feito para o avanço de políticas direcionadas a esse fim. O que temos visto nos últimos anos é o aprofundamento da financeirização do setor e a transferência da responsabilidade para a iniciativa privada. Para o capital, essa mudança que já vinha acontecendo anteriormente mas de forma lenta é interessante, pois o setor é em sua natureza um monopólio natural, ou seja, não demanda competição na oferta dos serviços.

            Essa característica gera vantagem não apenas para as empresas, por eliminar a competitividade no território, mas também para os fundos de investimento. A população é dependente das tarifas para ter os serviços, e esse pagamento regular securitizado pode transformado em títulos a serem multiplicados. Dessa forma, cria-se um grande mercado do saneamento.

 

O capital financeiro e o início de uma nova Era

            A partir do momento em que a privatização se torna meta no setor, as oportunidades se abrem para as concessionárias privadas e o arranjo político-institucional é alinhado com os projetos neoliberais, inicia-se uma nova era do saneamento. De acordo com a pesquisa realizada em 2018 [1], cinco grandes empresas dominam o setor no Brasil. Todas elas são controladas por bancos e/ou fundos de investimento internacionais (Singapura, Japão, Coreia, Canadá e Espanha).

            A Aegea Saneamento e Participações, GS Inima Brasil, Iguá saneamento, BRK Ambiental e o Grupo Águas do Brasil controlavam juntos, até então, cerca de 85,3% dos contratos em municípios com presença do prestador privado (Não há dúvidas que essa porcentagem cresceu). Esses “proprietários do saneamento” são apenas 5 dos 26 grupos privados que atuam no setor.

            Esse modelo restringe uma competitividade entre as maiores empresas, colocando as menores ainda mais de escanteio no mercado. Os leilões estão sendo um bom exemplo para se verificar como isso tem se manifestado, ainda mais quando maior valor de outorga é estabelecido como critério, como está sendo com a maioria das Companhias e como foi o caso da CEDAE, a qual sua legitimidade foi colocada em cheque [2]

            O setor privado chega como única resposta para alcançar a universalização, como a solução de todos os males que a gestão pública provocou em todos esses anos. É uma lógica tão rasa quanto suas promessas. A financeirização reestrutura a composição do capital das empresas privadas e elas passam a responder as expectativas de seus acionistas, e não da população. A universalização entra como um cavalo de Troia.

            O Grupo Águas do Brasil – Saneamento Ambiental Águas do Brasil (SAAB) atua em Campos desde 1999 ofertando os serviços de Água e Esgoto pela concessionária Águas do Paraíba, com lucros incontestados pelo município. Além de Campos, o SAAB atua em mais 15 municípios e conta com mais 12 concessionárias distribuídas pelos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais

            O blog já mostrou anteriormente [3] como a Águas do Paraíba vem cobrando da população tarifas altas (uma das maiores da América Latina) e reafirmando a necessidade de auditoria para revisão do contrato. No dia 06 de maio deste ano, foi protocolada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar e questionar a conduta da prestação e gestão dos serviços da concessionária no município, no entanto, já passamos da metade do mês de agosto e ainda não temos notícias sobre sua procedência.

            Em 2020, no contexto de crise econômica, política e sanitária, intensificada pela pandemia do Covid-19 (é importante lembrar que Campos se encontra dentre as cidades com maiores números de casos de contaminação e óbitos pela doença), a empresa obteve um lucro líquido de 40,8 milhões de reais. Esse lucro corresponde cerca de 17,5% do lucro líquido total do SAAB, de 232,598 milhões em 2020 (13% a mais do lucro de 2019).

            Esses dados mostram que Campos contribui significantemente para a concentração de riqueza do Grupo SAAB e de seus controladores. E quem são eles? De acordo com a pesquisa [1], Carioca Christiani-Nielsen Engenharia controla 54% (acionista majoritário), New Water Participações Ltda possui 17% do controle, o grupo japonês Itochu e Queiroz Galvão Saneamento possui 12% cada um.

          Enquanto a concessionária e seus acionistas se enriquecem, a população mais vulnerável do município permanece sem a garantia dos seus direitos. Um artigo publicado em 2020 faz uma análise crítica da política de saneamento de Campos, investigando o monitoramento feito pelo site oficial da prefeitura no que diz respeito ao avanço do município rumo à universalização e como o Plano Diretor vem tratando o saneamento com base no direito humano à água potável e ao esgotamento sanitário (DHAES) [4].

            A pesquisa aponta diversas contradições em relação ao avanço do acesso. Os rankings divulgados são questionáveis e a diferença do atendimento dos serviços nos bairros da sede em relação aos distritos é significante. Além disso, há uma suposta Tarifa Residencial Social de água e esgoto, sancionada pelo DECRETO Nº 308/2017, mas que foi pouco divulgada em veículos oficiais da prefeitura e negligenciada pela concessionária.

            No que diz respeito ao Plano Diretor (PD), instituído a partir da Lei Comple­mentar nº 0015 de 07 de janeiro de 2020, o texto se encontra praticamente igual ao PD de 2007, o que mostra que a prefeitura não tem se preocupado com as mudanças necessárias que o setor tem demandado, como por exemplo o próprio reconhecimento do DHAES.

            Em geral, podemos perceber que o setor tem substituído a garantia do acesso (à população) pela garantia do lucro (aos seus controladores). Depois da aprovação do novo Marco Legal e com os leilões dos serviços das companhias estaduais, começamos a experimentar uma reestruturação da atuação das empresas privadas nos contratos, no entanto, reestruturar não significa garantia de competitividade, pelo contrário, o que se mostra é uma consolidação de um oligopólio e o aumento da concentração de riqueza.

            Agora que as empresas privadas estão expandindo seus tentáculos sobre concessões municipais do Brasil inteiro, o Grupo Águas do Brasil, bem como seus acionistas, não perderão a oportunidade de elevar seus lucros e patrimônio. Em 2019, o contrato da Águas do Paraíba completou 20 anos sem sequer passar por alguma revisão, fiscalização ou auditoria. A prefeitura entregou o saneamento de Campos nas mãos do capital privado e não tem apresentado muita preocupação com os efeitos sobre o município.

            Enquanto isso, a universalização permanece distante, apenas como uma palavra, sem horizonte visível.


Referências:

*Inspirado no título capítulo 1 (Liberdade é apenas mais uma palavra...) do livro “O Neoliberalismo: histórias e implicações” de David Harvey, traduzido por Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves.

[1] https://www.fnucut.org.br/pesquisa-revela-quem-sao-os-proprietarios-do-saneamento-no-brasil-2/

[2] https://ondasbrasil.org/carta-denuncia-irregularidades-no-leilao-da-cedae/

[3] http://www.robertomoraes.com.br/2017/06/aguas-do-paraiba-lucro-liquido-de-r-55.html

[4] RIBEIRO, Carlos Frederico Rangel de Almeida; BARBOSA, Lucas Queiroz. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário: análise da política de saneamento de Campos dos Goytacazes/rj. In: DA SILVEIRA, C.F.G.C.; BORSATO, L.; SALLES, S. de S.; VIDAL, T.J. (Orgs.). Direitos Humanos e Fundamentais. Vol. 1. Rio de Janeiro: Pembroke Collins, 2020.  P. 501-518.  Disponível em: < https://www.caedjus.com/wp-content/uploads/2020/11/direitos-humanos-e-fundamentais-Vol1.pdf>.

terça-feira, agosto 10, 2021

17 anos de blog. Obrigado!

O blog está muito perto do seu final. Neste longo tempo de vida - não imaginado - ele cumpriu um papel mais para esse autor do que aos seus mais variados e qualificados interlocutores entre os cerca de dois mil visitantes diários. Agradeço aos que ainda seguem interagindo aqui ou no perfil do mesmo nas outras redes como o FB, Instagram e Twitter. 

A maior parte das minhas opiniões já são conhecidas, embora elas estejam - como cada um de nós -  sempre em movimento. Mas, confesso que ando um pouco cansado com as repetições, sic. 

As postagens são cada vez mais esparsas, não apenas porque busco uma maior densidade nas análises fugindo das questões factuais, mas também porque passei a me questionar sobre estar contribuindo para fragmentar ainda mais as ideias que são jogadas nas "nuvens". 

No fundo e na realidade elas podem estar servindo mais para o armazenamento dos Big Datas do que à reflexão que efetivamente possa produzir transformações num ambiente confuso e por vezes caótico e distópico nas diversas escalas.

Enfim agradeço e preguiçosamente reproduzo o texto já publicado nesta mesma data, há dois anos, quando do debute de 15 anos deste antigo blog e ainda mais velho blogueiro. 


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 

O blog nasceu numa época em que seus similares eram raros e as redes sociais ainda engatinhavam e se tinha esperanças com a sua chegada. Hoje as redes sociais geram medo. Uma consequência dos robôs e dos algoritmos sustentados pelos donos dos dinheiros que controlam a política e ameaçam cada vez mais a democracia.

Vivemos tempos muito difíceis. Autoritarismo, desumanização, idiotização e riscos acentuados de retorno à barbárie, quando os Bárbaros do passado, talvez fossem menos bárbaros que estes contemporâneos. Visões fragmentadas no âmbito nacional e global que nos levam a questionar o cenário futuro.

É certo que o blog hoje já tem muito mais passado que futuro. O seu ciclo e o seu período de existência já é muito maior do que eu poderia imaginar, quando pensei um espaço público (digital) para guardar informações, análises e para trocar algumas leituras sobre vários assuntos, mas em especial política e economia.

Já pensei várias vezes em encerrar este ciclo, mas tenho sido convencido por uma legião - de duas, no máximo três pessoas (sic) -, que insistem que devo continuar, mesmo que com postagens menos frequentes, como já tem sido há algum tempo.

Neste momento difícil e conturbado porque passa o Brasil e o mundo, entendo que que é quase uma obrigação manter o blog ativo, mesmo considerando que a divulgação das opiniões pessoais em profusão servem à fragmentação que foi se tornando uma das doenças sociais pós-moderna.

Muito mais do que informações e análises, eu já disse que a escrita no blog é uma forma de pensar alto sobre algumas questões. Escrever me ajuda a pensar de uma forma um pouco mais estruturada. O que também me leva a mais indagações e estudos. O blog foi me ajudando a deixar isso claro. E tudo que aprendo e apreendo tenho enorme prazer em compartilhar e dividir. Entre elas várias bobagens (sic).

Penso que o ofício de professor foi me deixando essa marca, em que o compartilhamento e a dependência das trocas e das conversas possuem caminhos de duas direções.

Também já disse que com o tempo a gente perde um pouco a capacidade de se iludir com algumas coisas e ideias que fazem a gente viver e se movimentar, mas a maturação do tempo e a idade também nos ensinam a olhar as fases deste processo que é a vida, como partes de um ciclo mais longo e civilizacional e menos pessoal.

Importa-me cada vez menos a quantidade de visitas diárias ou curtidas nas postagens repercutidas também no perfil do Facebook, e sim as trocas que surgem e vão para além dos contatos e dos comentários nas notas (postagens) no espaço digital.

O espaço do blog também ampliou o meu trabalho de professor e pesquisador levando-o para além dos vínculos institucionais que também possuem os seus ciclos. O blog assim dá perenidade àquilo que se tornou parte da minha forma de relacionar, trocar informações e opiniões sobre as pessoas, coisas e o mundo.

Também já disse (e aqui repito) que o meu retorno aos estudos e às pesquisas depois de 2010, eu também senti necessidade - e tentei construir pontes entre o conhecimento que circula na academia e a população- objetivando torná-lo mais acessível e extensivo a um público diverso e não institucionalizado, o que sempre foi um risco, nem sempre calculado, mas assumido.

Neste percurso sempre defendi um olhar mais amplo das coisas, numa busca da totalidade, assim como faz a águia em seus sobrevoos do alto. Mas, tentei também nunca me desvencilhar da vida e da realidade do mundo, das pessoas, coisas e fenômenos que nos cercam na vida diária em várias dimensões.

Aos mais próximos, eu tenho defendido essa dialética da águia e da galinha. É preciso tanto ciscar e atuar no território horizontal da vida cotidiana, quanto olhar o mundo e a vida, como processos amplos, numa visão totalizante daquilo que se desenvolve no tempo e no espaço

Assim, eu agradeço imensamente o apoio e o convívio com todas e todos nestes 15 anos de vida, repetindo o nosso lema que reproduz a ideia do movimento da roda da vida: sigamos um pouco mais em frente!