Assim como em outros setores econômicos, a financeirização e o instrumentos dos fundos financeiros estão se ampliando de forma expressiva no Brasil. O caso do agronegócio no Brasil merece uma observação mais atenta.
O controle da produção, circulação e distribuição deste
setor é cada vez mais realizada por grandes corporações que são controladas, em
boa proporção, por grandes fundos financeiros com enlaces entre o nacional e o
global. Vários fundos globais possuem participações em quase todas as grandes
empresas de agronegócio no Brasil.
Trata-se de um processo que se desenrola na agricultura, agropecuária
e ainda no controle e aquisição de terras (Land Grabing) que servem de base
para aquilo que se passou a chamar de agronegócios. São movimentos que levam ao
controle financeiro feito por movimentos duplos e simultâneos de valorização e
capitalização, onde muito se especula com promessas futuras de valor.
É um setor que nasceu e ainda tem muito forte o
financiamento estatal subsidiado, mas que paulatinamente, vai saindo do
controle de pequenos e médios produtores, em direção a grandes corporações (players)
que agem de forma articulada e com conexões em plataformas digitais e
financeiras globais.
Quanto mais financeirizada é uma empresa do setor, maior é a
exploração da produção real e das economias regionais, o que de certa forma
expõe a compensação do nível de especulação realizada pelos esquemas de ações (IPO,
quota de fundos), mercado futuro e outros.
A capitalização do setor cada vez conta com mais inovações financeiras
que em última instância busca capturar mais valor da atividade produtiva. Essa
capitalização vem de instrumentos já conhecidos, entre os quais estão os
Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Letra de Crédito do
Agronegócio (LCA). Esta última, muito oferecida a correntistas/investidores
médios pelos gerentes de bancos tradicionais.
Neste processo de “inovações financeiras” – que se traduzem em formas de capitalizar o setor e remunerar ainda mais os donos dos dinheiros -, o Congresso Nacional, atendendo a expectativas e pressões do mercado, aprovou a lei nº 14.130/2021, em 29.03.2021, que instituiu o Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais).
O Fiagro promete a junção de recursos de vários tipos investidores
para a aplicação em ativos de investimentos do agronegócio, desde os de
natureza imobiliária rural (propriedade) ou de atividades relacionadas a
produção do setor.
Após regulamentação feita pela CVM, neste segundo semestre
2021, cotistas e investidores se aliaram a gestoras de fundos e os primeiros Fiagros
foram surgindo. O mercado guardava uma expectativa de reunir algo próximo a R$
1 bilhão até o final do ano, porém foi muito superado.
Assim, segundo dados da CVM, desde agosto passado, já foram
protocolados para análise de oferta, um total de 28 Fiagros que reúnem mais de
9 mil cotistas que podem atingir, até o final do ano, um volume superior a 5
vezes, as expectativas chegando a mais de R$ 5 bilhões de investimentos.
O fato é um indicador empírico que mostra as transformações
na forma de intermediação financeira e na ampliação da hegemonia do setor
financeiro sobre a economia nacional. Os excedentes da poupança das famílias e
das empresa não são mais majoritariamente colocados nos bancos tradicionais e
na poupança. O Bolsa (B3, ex Bovespa) já possui mais de 4 milhões de
investidores pessoas físicas.
Os fundos não são um mal per si, mas o modus operandi desta
lógica do capitalismo da gestão de ativos, sim. Essas inovações financeiras
amplificadas pelo potencial da tecnologia e plataformas digitais, oferece
fluidez e uma hipermobilidade ao capital. Esse movimento em curso leva à
expansão de crédito privado, sob controle do mercado de capitais, que paulatina
e crescentemente vai substituindo o Estado.
Assim, a Anbima e as gestoras de fundos financeiros vão assumindo
o controle das políticas econômicas (deste e de outros setores econômicos) e se
tornando, o centro dinâmico da economia. Uma lógica acionária que extrai valor
da produção real oriunda das economias locais, exigindo sempre altas
rentabilidades e taxas de lucro de curto prazo, que nos relevam como resultado
a precarização do trabalho e perda de direitos progressiva neste capitalismo
contemporâneo.
Enfim, processo que segue a lógica neoliberal que deseja um
estado máximo para o mercado e mínimo para a maioria, na pretensão de
substituir o Estado no controle das políticas em diferentes setores, através do
controle do seu financiamento.
É evidente que estes movimentos não podem ser vistos
dissociados da política. São causas e consequências da manipulação política e
do controle do mercado sobre as relações de poder. Processo que retroalimentam estas
relações ao intensificar essas inovações que levam à hegemonia financeira no
capitalismo contemporâneo.
No Brasil, em especial, pelo volume e expressão do agronegócio
no PIB, esta articulação-relação entre o capital financeiro e este setor precisa
ser melhor acompanhada e entendida. No atual estágio, ela vai muito para além
daquilo que é exposto pelas representações classistas deste setor junto ao
poder político e colorido pela mídia corporativa-financeira.
O agronegócio brasileiro é cada vez mais parte da engrenagem
do circuito financeiro em várias escalas (do nacional ao global, do campo à
Faria Lima – Wall Street) e conquistou peso político que hoje contribui para transformar
as relações Estado-Mercado-Sociedade, alternado o protagonismo em favor do
mercado.
Tratam-se de mudanças que vão se aprofundando na sociedade brasileira e
que à medida que avançam e reorganiza a sociedade, vão se tornando mais
difíceis de serem superadas, em favor de um projeto nacional, autônomo, soberano
de inclusão e menos desigual.