O peso do dinheiro nas redes sociais ainda é muito pouco percebido. São trilhões de dólares girando entre corporações e interesses financeiros. Geralmente, permanece uma falsa ideia de que a tecnologia é democratizante, por envolver cada vez mais usuários (sim, como no caso das drogas).
Pura ilusão diante das centenas de "fazendas de likes", ações de "impulsionamentos de conteúdos", uso de robôs, controle e espionagem digital entre outros artifícios regiamente pagos que expõem a assimetria entre os interesses de usos digitais.
Hoje, as agências de publicidade (formais e informais) ganham mais que antes na intermediação de informação, a partir das Big Techs, atuando na compra e venda de dados de segmentos sociais específicos do interesse de anunciantes (políticos e donos de produção e serviços) como estratégia de comunicação para chegar até ao consumidor.
Não adianta olhar o passado antes da internet quando os negócios ou a política funcionavam sem captura de dados dos potenciais interessados. Antes a comunicação era ampla para atingir a massa. Hoje, com a mineração de dados, ela permite identificar ideologia, o perfil de consumo, o hábito das pessoas, etc. para assim melhor direcionar a mensagem.
No ambiente web, o arranjo de comunicação distribui acessos e envio de mensagens em redes distribuídas, mas o resultado desse controle maciço de metadados vem está sendo a fragmentação, que envia aos guetos (bolhas) só acessíveis para quem controla os fluxos de informação.
O uso que a extrema-direita faz das ferramentas digitais: agentes, processos e estratégias
A extrema-direita tem usado todas essas ferramentas digitais sem pudor e nem culpa e só se preocupa com manifestações de rua, quando é para produzir imagens e estéticas com poder de multiplicação política em seu campo de atuação.
Quem tem dinheiro, quase sempre não tem pudor e nem escrúpulos (ou princípios) e acaba fazendo o que quer nas redes transformando o ambiente nas ruas e a temperatura na política. O livro do italiano Giuliano da Empoli “Os engenheiros do caos” nos deu uma pequena amostra de como esse processo se desenrola em diferentes partes do mundo. [1]
Twitter, Facebook, Instagram, Google, WhatsApp (esse surgiu há pouco mais de sete anos) são plataformas digitais que atuam como instrumentos e meios de comunicação, onde o dinheiro age livre e fortemente. Junto e integrado às grandes mídias corporativas, essas empresas-redes sociais, potencializam a comunicação manipuladora que vem definindo as relações de poder na política e na disputa por hegemonia na geopolítica.
Numa dessas pontas observamos a monetização de vídeos usados nas plataformas por políticos da extrema-direita. Com milhões de seguidores, muitas vezes comprados destas fábricas de likes, evidencia a inter-relação entre a política e a economia na dupla e imbricada direção do mercado e manipulação política.
Outro agente deste processo, são as agências de publicidade ou os corretores digitais pessoais que agem a partir do conhecimento e do contato direto com representantes das plataformas digitais. Ambos, correm atrás de nacos desse dinheiro que correm entre os fluxos e os acessos digitais-financeiros. Eles valem mais que o conteúdo que transmitem. Ao final importa menos o conteúdo e mais os lucros capturados nos circuitos econômicos por onde transitam.
Economia política da informação, oligopolização e extração supraterritorial de valor
Tudo isso é ainda muito abstrato para a maioria, mesmo para aquela parcela da sociedade mais informada, mas pouco conhecedora dos meandros da economia política da informação. A economia digital-dataficada segue transformando nossas sociabilidades, subjetividades e o nosso imaginário num processo que oferece vantagens e extrai valor. [2]
Assim, as Big Techs montaram esse império digital que hoje soma valores de trilhões de dólares com um colossal poder político (e geopolítico). Exercem na prática, uma dominação neocolonialista oligopólica que atua de forma transfronteiriça, supraterritorial e supranacional no sistema-mundo (Wallerstein, 2007). [3] Dominação com centro de poder ainda mais concentrado e com enorme controle econômico-político-social sobre as colônias periféricas e dependentes.
A digitalização se desenvolve mais aprofundadamente há duas décadas e meia, mas dó ganhou amplitude de uso nos últimos dez anos. É preciso reconhecer que ela é altamente atrativa pelas facilidades que oferta, além de trazer embutida a ideia difusa de progresso, mesmo que discutível. Negá-la hoje seria uma aberração pueril e sem consequência.
É por conta dessa atração que a digitalização e a dominação digital conseguem capturar a nossa atenção, nosso tempo – cronofagia [4] - e também, as nossas relações sociais e políticas, transformadas em mercadoria, no processo que Eugênio Bucci (2021) chamou de “superindústria”. [5]
Esse é o caminho que leva a digitalização a avançar de forma potente sobre a extração de valor, a partir de nossos zilhões de dados, identificando nossos percursos existenciais, não para a produção de massa, mas para direcionar o atendimento aos desejos agora descobertos de nossas subjetividades e do nosso imaginário mais íntimo e muitas vezes nem identificado por nós mesmos.
Também é fato que hoje (em abril de 2020), comparado a quatro ou cinco anos antes, há muito mais pessoas acompanhando, estudando e entendendo esse processo. Pessoas que conhecem os agentes que atuam nesse circuito, investigam esses processos e que já começaram a compreender as estratégias que estão sendo executadas pelos proprietários destas empresas-plataformas que em última instância acumulam mais capital na direção de um “hipercapitalismo”. [6]
Há ainda muitas experiências em curso do tipo “contra-hegemônicas”. Elas buscam alternativas à plutocracia que se expande e vem unindo a dominação digital/reestruturação econômica (plataformismo), à ideologia neoliberal, reforçando a hegemonia financeira, em novo desenho da superestrutura do capitalismo contemporâneo.
Será no meio deste imbróglio que se haverá de buscar alternativas para reduzir as desigualdades em nações e sociedades menos submissas e dependentes que tenha em vista um mundo multipolar e sem hegemonias.
Os caminhos continuarão a ser feitos no caminhar. Há mais perguntas e dúvidas que respostas. Porém, há direções que precisam ser interrompidas, para podermos voltar a falar em civilização e na luta por autonomia e bem-estar.
Referências:
[1] DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos. Como as Fake News, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. Editora Vestigio, São Paulo, 2019.
[2] PESSANHA, Roberto Moraes. Commoditificação de dados, concentração
econômica e controle político como elementos da autofagia do capitalismo de
plataforma. Revista ComCiência. Revista digital do Laboratório de
Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp em parceria
com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Dossiê 220.
16 Set. 2020. Disponível em: https://www.comciencia.br/commoditificacao-de-dados-concentracao-economica-e-controle-politico-como-elementos-da-autofagia-do-capitalismo-de-plataforma/
[3] WALLERSTEIN, Immanuel. O
universalismo europeu: a retórica do poder. Boitempo Editorial. São Paulo,
2007.
[4] Artigo do SCAFFIDI, Giuseppe no portal Outras
Palavras: “Cronofagia: o roubo do tempo,
sono e ideias”, publicado em 17 de fevereiro de 2020. Scaffidi cita
Jean-Paul Galibert e seu manifesto Cronòfagi (2015),
quando afirma que Galibert foi quem cunhou pela primeira vez o termo
“cronofagia”, configurando-o como uma das bases de sustentação do hipercapitalismo
contemporâneo. Scaffidi também se refere à influência do
termo Cronofagia em outro ensaio de 2015, “Capitalism 24/7 – Il capitalismo
all’attacco del sonno” [Capitalismo 24/7 – o sono sob ataque do
sistema] de autoria de Jonahthan Crary, que “evidencia como uma necessidade
biológica fundamental entrou em claro contraste com as exigências voltadas a
alcançar a distopia de um capitalismo 24 horas por dia, 7 dias por
semana”. https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/cronofagia-o-roubo-do-tempo-do-sono-e-das-ideias/
[5] BUCCI, Eugênio.
A superindústria do imaginário: como o capitalismo transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Autêntica, São Paulo, 2021.
[6] HARVEY, David. A loucura da razão econômica. 1ºed, Boitempo Editorial, São Paulo, 2018.