Muitos dizem que a digitalização cria valor e não basicamente extrai renda da sociedade. Interessante essa afirmação, porém, se fosse verdade como explicar que as Big Techs não param de crescer, enquanto, simultaneamente, a economia global patina?
Nove
das 10 maiores corporações em valor de mercado na economia mundial são da área
de tecnologia. As cinco primeiras têm valor de mercado acima de U$ 1 trilhão
cada. Mesmo com a queda média de não esperada de 14%, neste último mês de abril, anunciada ontem (04/05/22), juntas, as Big Techs superam US$ 8 trilhões e até aqui puxaram a valorização das bolsas de
valores, enquanto a economia em geral, antes mesmo da pandemia e da guerra, segue bem pior.
Agora,
ainda no final da pandemia e com a escalada do conflite EUA-OTAN x Rússia na
Ucrânia, esse quadro piorou com a redução das atividades econômicas e inflação, mas
as ações destas gigantes empresas de tecnologia (Big Techs) seguem disparando, enquanto
a economia segue tropeçando. Assim, se observa que as desigualdades se
ampliaram.
Para
começar a entender a “dominação tecnológica-digital” e sua “aliança com a financeirização”
é necessário ir um pouco mais fundo na análise dos modelos de negócios que essas
Big Techs desenvolveram.
É preciso observar que mais que apropriar
dados, as Big Techs apropriam renda
Para
observar esse processo deve-se olhar a propriedade e os fluxos de capital. Onde
e como, efetivamente, essas gigantes de tecnologia (como agentes) atuam e
capturam renda e valor. Os processos que utilizam e as estratégias que dirigem
seus negócios.
Neste
exercício, não é difícil observar que e concentração de atividades que explicam
a monopolização (oligopolização) do setor. As gigantes da tecnologia controlam
publicidade, direitos de uso/acesso e captura de dados, através de suas enormes
e tentaculares infraestruturas. Assim, expandem suas atuações e ampliam o
controle da propriedade com a"propriação" de renda — mais que a
apropriação de dados — sobre todos os demais setores da economia e da sociedade.
A apropriação é feita pelo setor de tecnologia, mas acontece de forma externa à digitalização, através dos proprietários destas gigantes de tecnologia que capturam renda e valor dos demais setores da economia e em todos os lugares, desde o centro sede de seus negócios, à periferia do sistema-mundo.
Em síntese e refletindo melhor (e com Srnicek, 2021) sobre esse processo, é possível observar que os dados acabam sendo "meio" que servem para alcançar as rendas dos demais setores em que a digitalização vai chegando.
Mapa do 1,3 milhão km de cabos submarinos instalados no mundo. Fonte: https://www.submarinecablemap.com/ |
Parte de propriedade das operadoras de telefonia e cada vez mais são instalados cabos de propriedade das Big Techs. É no âmbito dessas infraestruturas que o processo de intermediação realizada pelas Big Techs se vale de técnicas, arranjos de propriedade, algoritmos e infraestruturas que envolve as plataformas digitais dirigidas por grandes empresas-plataformas ou empresas-aplicativos.
São investimentos em infraestruturas (IE) de tecnologia que possibilitarão amplia ainda mais a extração de renda, a condição de monopólio rentista das Big Techs, sobre um mercado de demanda quase infinita, que ao final leva à instituição dessa espécie de império rentista-digital que se observa.
Vampirização e rentismo das plataformas
digitais sobre demais setores leva à plutocracia
É
no interior dos seus modelos de negócio que o setor de tecnologia vai sugando a
riqueza produzida pelos demais setores da vida humana desde a produção material
à imaterial. Um processo de vampirização digital sobre os demais setores.
Todas
as empresas de todos os setores passaram a depender cada vez mais das
empresas-plataformas que como intermediários se transformaram em rentistas sugando
lucro de todos os setores e empresas de todos os portes. Processo que tende a
uma disputa intercapitalista, entre empresas-plataformas que se apropria de valor
das empresas não plataformas e se transformam em monopólios (oligopólios).
Tudo
isso amplia a desigualdade e a disputa intercapitalista no interior do sistema,
ao reduzir margens de lucros em outros negócios da economia real, ao mesmo tempo, em que torna hegemônica a participação e relação entre a tecnologia e a
financeirização no sistema-mundo. Esses dois setores atuam transversalmente — e de forma intensa
— sobre todas as demais frações do capital na contemporaneidade. Fenômeno que alguns
autores passaram a denominar essa etapa de capitalismo informacional, que vai para além das
plataformas digitais vistas como partes deste processo.
Vampirismo digital, talvez seja, uma expressão simbólica para explicar a extração de renda e valor dos demais setores da economia, assim como dos excedentes da sociedade. Um processo que amplia a concentração de renda em propriedades de corporações oligopólicas que atuam de forma imbricada às inovações financeiras, impondo uma espécie de dominação (império financeiro-digital), em nova (superior) etapa de acumulação de capital.
Para finalizar não se pode esquecer que a dominação digital é desenvolvida com profunda repercussão nas relações de poder. A digitalização se desenvolve não apenas como meio de produção, comércio e finanças, mas também como meio de comunicação com imenso poder de manipulação política e de controles sobre o poder no interior e entre nações. Na hierarquia (e assimetria) entre as nações, na direção da plutocracia (regime político dos ricos), que em última instância, significa a geopolítica na chamada ordem global.
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