Processo e estratégias do Rentismo e do Centrão no cerco ao provável governo Lula [1]
Roberto Moraes Pessanha [2]
Resumo
A avaliação dos conflitos de interesses em disputa num
processo eleitoral pode ser realizado em várias dimensões e enfoques. Os
interesses econômicos em conflito no Brasil em 2022, são mais que nunca os que
se dão entre o andar de cima da elite financeiro-rentista e a base da pirâmide
social. Aí sim, uma polarização, com recortes de classe, num nível e
intensidade de desigualdades ainda não vivenciado no país, hoje, tão densamente
povoado e complexo. Uma disputa que põe de uma lado a ameaça do avanço do
autoritarismo com claros sinais de fascismo e de politização crescente das
Forças Armadas, e em lado diametralmente oposto, a maioria da população,
empobrecida com dezenas de milhões de brasileiros, vítimas da fome, do
desamparo e do desemprego. No plano global assiste-se ao fim de uma era de
hegemonia industrial com o avanço da digitalização e a um fluxo desregulado e
transfronteiriço do capital, somados a um tenebroso período de Pandemia, guerra
e conflitos entre grandes nações, estagnação econômica, inflação, alteração de
fluxos comercias e financeiros e disputa por uma nova ordem global. É no
interior dessas complexas transformações estruturais e de sistemas a nível
global e nacional que a disputa pelo poder político no Brasil acontece. É um contexto
de complexa análise, mas que versa sobre a hegemonia rentista-financeira e sobre
o tipo de capitalismo que impera no Brasil, onde se vê uma ampliação da ingerência
do poder econômico sobre o poder político. Processo que ganhou novos contornos
a partir do golpe político-jurídico-parlamentar-midiático de 2016 e teve no
documento “Ponte para o futuro”, o passaporte através do qual, a
elite-financeira-rentista, constituiu aliança política do período Temer,
pressionou pela prisão de Lula, impedimento sua participação no pleito de 2018
e que redundou na eleição de Bolsonaro. Nos três anos e meio de mandato de Bolsonaro
vivemos e sofremos a intensificação da crise econômica, a pandemia, o
desemprego, o desmonte institucional e das políticas públicas, paradoxalmente
acompanhada de altos ganhos rentistas do andar de cima, como reflexo do
aumentos das taxas de lucro, índices da Bolsa, mais rendimentos financeiros colossais
e isentos de tributação. Neste breve artigo se buscou um método com eixo de
análise centrado no processo de crescente financeirização da economia para maior
extração de renda da base de nossa pirâmide social, observando os agentes mais
simbólicos dessa mudança (em especial o BTG Pactual), seus movimentos e objetivos.
O texto é uma contribuição que pontua questões relativas às estratégias mais
gerais dessa elite econômico-financeira e busca interpretar como essa fração de
classe se posta diante da disputa pelo poder político no Brasil. Identifica-se que
os interesses mais específicos desse setor é o de avançar ainda mais nas transferências
das estatalidades para o setor privado; e junto a isso, ampliar as garantias
através de mais amplo arcabouço legal que mantenham as proporções de ganhos
obtidos desde então. Reafirmando a hegemonia do mercado e a lógica
financeiro-rentista sob a governança implantada de um capitalismo de gestão de
ativos. Com a aliança formada com o Centrão no Congresso Nacional, esse setor
financeiro-rentista procura ainda, avançar em novos marcos legais que possa emparedar,
cercar e controlar o provável e futuro governo Lula.
1. Introdução
As várias pesquisas de intenção de
votos (publicizadas ou não) trazem à tona a possibilidade concreta de eleição em
outubro, já no primeiro turno, do ex-presidente Lula. O fato vem detonando um
processo de aceleração, por parte da elite financeira-rentista que atua no
Brasil, no avanço sobre as estatalidades da União, visando não apenas capturar
e vampirizar, mas sobretudo delimitar e controlar um futuro governo do Lula.
A elite econômica de países periféricos são cada vez mais
financeiro-rentistas do que produtivas e vinculadas a uma lógica global do
capitalismo da gestão de ativos, interligada numa rede global das finanças e
muito pouco à economia real e produtivas nacionais.
Para se entender esse processo penso que é necessário ir à
estrutura e raiz de pressupostos que explicam esses movimentos. Neste percurso,
há que se avaliar o contexto atual, em que as relações Estado-sociedade estão em grande velocidade se alterando com o
Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado.
O capitalismo sob a
hegemonia financeira avançou na captura do poder político no Brasil de forma
similar ao que faz em outras partes do mundo. Esse é contexto de análise que aqui se reflete (pensa
alto), sobre como essa “elite financeira-rentista” se articula para garantir
seus interesses no processo eleitoral e de disputa do poder no Brasil. [1]
No plano global e do sistema, estamos assistindo a saindo de
uma “era de hegemonia industrial” para um capitalismo baseado no tripé da
reestruturação produtiva/digitalização – financeirização – neoliberalismo.
Nesse tripé se desenvolve um circuito financeiro que convive com a alteração do
Modo de Produção Capitalista (MPC).
O antigo circuito financeiro fazia a intermediação entre a
produção e o consumo; hoje esse capital circula nas plataformas digitais e os
excedentes das famílias e das empresas não ficam apenas nos bancos tradicionais,
passaram para um circuito mais amplo do rentismo, dos derivativos, dos fundos e
outras inovações financeiras, tudo passando pelo mercado de capitais.
Hoje, o Brasil hoje e
sua elite econômica são muito diferentes daquela de duas décadas atrás em 2002,
muito mais rentista e que vai bem para além do tradicional setor bancário da
avenida Paulista. A
mudança para a Faria Lima talvez tenha trazido junto um simbolismo que mostra
alterações que significam também o aumento da complexidade da nossa realidade.
O rentismo passou a atravessar, de forma mais expressiva e densa, todos os
demais setores da economia e da sociedade. O setor produtivo não reclama mais permanentemente dos juros (como fazia
José de Alencar), porque passou a participar desse processo, em que os
ganhos da produção estão entremeados aos ganhos financeiro-rentistas na contabilidade
geral e final de seus negócios.
2. Linhas de ação da elite financeira-rentista no comando da
política e do poder no Brasil
Uma breve avaliação (de médio prazo)
do pós-golpe de 2015/2016 no Brasil, permite identificar um conjunto de pelo
menos 6 (seis) grandes linhas de ação que explica as direções e a velocidade do
processo de ampliação do rentismo no país, que ampliou a hegemonia financeira e
reduziu o papel dos ativos produtivos e da economia real no Brasil:
1) A Ponte para o futuro como marco da entrada (passaporte) reforça a
evidência da entrada da elite econômica na disputa do poder e da política em
defesa do golpe, logo após a eleição de 2014;
2) Primeiras medidas implementadas deste
documento são a independência do BC, o teto
de gastos (EC 95/2016) e a PPI (Programa de Paridade dos Preços) dos
combustíveis;
3) Política de desindustrialização e valorização da exportações de
commodities
(minerais e agronegócios) comandadas cada vez mais por corporações controladas
pelo enlace entre grandes fundos globais e nacionais;
4) Mercado financeiro recebe incentivos para ampliar sua sofisticado com
inovações e maior agilidade a partir do uso intensivo das plataformas digitais, internet
banking, APPs das fintechs, etc. E ainda do mercado futuro com derivativos e
debêntures, oriundas mais do mercado de capitais do que de bancos públicos e
BNDES. A articulação rentista foi passando
a ter peso em todos os setores com novas e criativas fórmulas para extrair
valor da economia real e do trabalho. Mercado
de capitais passou ter papel mais dinâmico na economia brasileira, dentro de
uma lógica acionária que se torna responsável por novas formas de governança empresarial, baseada, especialmente na
Gestão de Ativos;
5) Avanço do Mercado na captura das “estatalidades” através do processo de privatizações,
encaminhadas de diferentes formas: capitalização, leilão de concessões, venda e transferência
de ações do setor público para o privado, etc. feitas por setor (energia,
petróleo, gás, eletricidade, pipelines, rodovias, ferrovias, portos,
saneamento, etc.) A maioria sendo realizada
a partir de fatiamento da holding e vendas das partes ou das subsidiárias.
6) Marcos legais
(como a Ponte do futuro e outros) servem para
garantir (ainda mais), o aumento das
taxas de lucro dos ativos vinculados à produção material como nos casos da
reforma trabalhista, previdenciária, etc. E ainda, a garantia que os rendimentos dos ativos financeiros continuem isentos. Isso
ampliou as margens de lucro de todos os setores, independentemente de onde
atuam majoritariamente. Todos são atravessados pela renda financeirizada e
desregulada com ganhos ampliados com altos lucros e dividendos isentos.
7) Políticas setoriais foram deixando de fazer parte do planejamento do
Estado que foi sendo desmantelado e colocado a serviço do setor
financeiro-rentista. Paulatinamente, esses setores da economia passaram a ser
objetos do desenvolvimento de ações que visam o interesse direto do mercado em
suas várias frações. Assim,
foram se desenhando os projetos, apresentados aos gestores governamentais para
facilitar licenciamento, obter isenções (argumento da geração de empregos e
desenvolvimento regional) para serem colocados em prateleira (projeto-prateleira) para captura de
investidores e fundos. Eventuais entraves legais (chamados de burocracia)
são resolvidos com os gestores do Estado, tendo os governos estaduais como
despachantes desses interesses junto à União e ao Congresso Nacional.
Com essas principais ações, foi se configurando um enorme
conjunto de as alterações nas relações Estado-Mercado-Sociedade no Brasil
pós-golpe.
3. Aliança entre setor financeiro-rentista e o Centrão operam a
captura do Estado no Brasil
A partir do contexto e da estrutura
exposta acima é possível avançar na análise sobre as bases em que se desenhou e
se desenrola a aliança entre sistema
financeiro, militares (generais) e o Centrão, compondo o que chamo de Arenão, que
hoje amplia as articulações para delimitar (cerca e tentar controlar), o futuro
governo Lula, candidato favorito, segundo todas as grandes pesquisas de
opinião.
Nesse contexto é muito
possível que boa parte dos interesses dessa elite econômica já estejam precificados
(usando o conhecido jargão do mercado), para
o caso da vitória do Lula. Assim, usam
a mídia corporativa para construir e pressionar para que o PT e seus aliados
definam nomes e projetos. O objetivo
desse setor é “construir cercas” sobre o que não admitem (alegando
rompimento de contratos) e aquilo que podem admitir negociação. Assim, a estratégia hoje em curso é a de “jogar a
cerca mais para dentro do campo que consideram adversário”, para buscar
adiante, negociações de um meio termo – um recuo da cerca, mas ainda mais
próximo do campo e dos interesses do mercado e de suas frações. O caso da
imposição do orçamento secreto liderado pelo Centrão a partir de 2023 é apenas
um dos muitos exemplos deste objetivo de cercar o provável novo governo Lula-3.
Penso que este setor financeiro-rentista
ainda não considera perdida a eleição para Lula. Eles, já desistiram de pensar
as chances para uma terceira via e seguem preferindo, em sua maioria, o
Bolsonaro. Não morre
de amores pelo governo militar, gostam e valorizam o papel que faz o Centrão, encaminhando
seus interesses legais, até porque a troca vai com vantagens do Orçamento
Secreto e não de suas contas. Usando
outro jargão do mercado e que passaram a adotar em profusão, Bolsonaro e
Guedes “entregam a maior parte do que
o setor econômico-financeiro deseja”: maiores margens de lucro na economia real e produtiva e a não
taxação e regulação dos ganhos rentistas-financeiros. Não por acaso
Guedes segue indicando o seu time todo oriundo do setor financeiro para direções
da Petrobras, CEF, etc.
Esse é o butim, como
diz o meu amigo, o professor Eduardo Costa Pinto ao falar dos interesses do “bloco
no poder”. Esse é o butim, o saque. Hoje querem ainda um pouco mais, até para poder adiante, se
for o caso, abrir mão de alguma parte, mas nunca de tudo que conseguiram no
pós-golpe. O “bloco no poder” trabalha para avançar ainda mais nos próximos
seis meses, adentrando a cerca sobre o terreno do adversário, objetivando
entrar em melhores condições, nas negociações futuras, de um possível “novo
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social” do eventual governo Lula-3.
4. BTG é símbolo do rentismo e da mudança da Paulista para a
Faria Lima no lugar da FIESP
A avaliação dos conflitos de
interesses em disputa num processo eleitoral pode ser realizado em várias
dimensões e enfoques. Porém, é interessante que mesmo que em análise breve, se
busque algum método. Penso que assim, se pode lançar mão de um método da
investigação científica com potencial para aprofundar análises
econômico-políticas. Nesse sentido, é importante buscar identificar alguns agentes
envolvidos nesse processo, seus objetivos e seus movimentos, para a partir daí
interpretar seus interesses e suas estratégias.
Assim, buscando aprofundar um pouco mais a leitura sobre esse
setor, considero que no Brasil, o caso
do BTG Pactual talvez, seja um dos símbolos dessa mudança para a Faria Lima.
Um dos principais agentes do “bloco no
poder”, os donos dos dinheiros. Não mais e apenas como financistas-rentistas,
mas como donos de investimentos, tanto de ativos da economia real (que passaram
a controlar), quanto dos ativos e inovações financeiras.
Assim, observando a leitura e o movimento de alguns de
agentes deste setor, avalio que é oportuno resgatar duas exposições do André
Esteves, dono (controlador) do BTG Pactual. Falas ou
exposições que se revestem de significados e símbolos: a 1ª e mais importante é um áudio de outubro de 2021, quando Esteves
falava numa reunião para investidores e trainers de seu negócio financeiro. A
2ª foi na última 6ª feira (24/06), numa pequena entrevista no Valor, sobre a
hipótese da total privatização da Petrobras. [2]
O áudio de outubro de 2021 é esclarecedor para o que aqui
pretendemos. A “fala solta e à vontade” do Esteves, exposta naquele áudio,
permite uma série de leituras em várias dimensões e profundidade. Nele, Esteves emite opiniões dele (e também
do que seria a do setor financeiro da Faria Lima) sobre a pauta política no Brasil, sobre as eleições de 2022, sobre os
candidatos e suas preferências. E
ainda sobre como este setor já intervém sobre o poder político, o poder judiciário,
a mídia, etc. no Brasil atual.
O banqueiro André
Esteves fala como quem tem autoridade e muito poder e também expõe claramente a
autoridade que conquistou junto e sobre o poder político, tanto o Executivo
quanto o Legislativo.
As pesquisas frequentes (quanti e qualitativas, ex. BTG/FSB, a maior agência de
publicidade do país que trabalha basicamente em contas de governo) que o BTG banca
– e que custam muito dinheiro – e foi se tornando uma referência sobre como esse
setor passou a jogar o “jogo do poder”. Esteves
deixa claro que hoje a Faria Lima tem maior interlocução com o Centrão de
Arthur Lira, do que antes com os tucanos, que atuavam, basicamente, como os
intermediários entre o mundo das finanças da avenida Paulista e o poder
político central em Brasília.
5. Esteves, o farialimer do Inside Job Tupiniquim
Em outras passagens, a exposição do
dono do BTG, André Esteves deixa evidente o modus operandi do setor financeiro no Brasil atual, ao afirmar que “o Brasil está entrando tardiamente - 20 anos depois – no esquema global
da securitização das finanças”. Assim,
ele deixa mais claro que com a máquina das dívidas, seu setor financeiro-rentista
ganharia mais no volume de endividamentos e não mais e apenas nos juros que já
foram mais altos. [2]
Esteves aprofundou ainda que o Brasil financeiro se insere tardiamente no que ele chama de movimento
global “Financial Deep”, ou
aprofundamento da financeirização. Ou
seja, Esteves detalha como está sendo implantado no Brasil, o conjunto de
inovações financeiras através de múltiplos tipos de derivativos, de forma
semelhante ao que foi executado, no entorno da virada de século, nos EUA e no centro
do capitalismo. Um processo que cresce a partir de 2001 e de uma forma
completamente desregulada. O dono do Pactual deixa claro que é nessa linha que
estão sendo implementadas mudanças na intermediação financeira (“tardia”) no
Brasil.
O mais interessante
deste processo é que Esteves deixa ainda muito ás claras quem são os agentes e
que mudanças são essas nos processos de intermediação financeira em curso no
país, com implantação de mais inovações, mais papeis, meios digitais, etc. no
mercado. Entre
outras coisas, estes agentes buscam ampliar a integração do mercado de ações e
fundos financeiros (Anbima), Bolsa e bancos tradicionais, etc. para que estas
inovações garantam maiores lucros e acumulação em favor do já muito favorecido setor
financeiro brasileiro.
A exposição do Esteves,
como um “farialimer”, é na prática uma miniaula (empírica) sobre o mundo real e
sobre os interesses do setor financeiro. Seu depoimento expõe uma
autossuficiência que só aparece nas falas daqueles que avaliam o poder que realmente
têm na direção de também ser parte importante do poder político com hegemonia também
sobre a sociedade no país.
Na maior parte das respostas, o dono do BTG não fala de
projetos, mas de transformações em curso. Esteves descreve a integração de uma
“cadeia” que é muito semelhante àquela que é descrita no documentário Inside Job (2010), que descortinou
as estratégias e ações sobre como o setor financeiro americano (integrado a
outros mercados) produziu a crise do subprime em 2008 em todo o mundo, a partir
dos EUA e de uma completa desregulação, ou mesmo uma farra com as inovações
financeiras através de papeis e derivativos de diversos tipos. O impactante
filme “Inside Job” mostrou
os mecanismos de aprofundamento do lançamento de “inovações financeiras”,
controle do poder político (Deep State) e controle de instituições e poder
judiciário que permitisse essa “autorregulação” do setor financeiro.
Exatamente, o que a Anbima tem defendido abertamente no Brasil. [3]
De certa forma, André Esteves apresenta como pensa a “cadeia alimentar da securitização” no
Brasil, de forma similar à “Securitization
Food Chain” implantada nos EUA. É neste espaço que Esteves localiza o seu banco, o BTG Pactual com o projeto de assumir o
papel de “um novo BNDES”, só que privado como são os bancos de
investimentos americanos (Goldman Sachs, Morgan Stanley, Lehman Brothers, Meril
Lynch). Todos esses grandes bancos (+ Bank of America, Citigroup, etc.) atuam
em consórcio com seus agentes no Brasil. Assim, não é difícil imaginar como
hoje, Esteves desenha institucionalmente esta cadeia de securitização no
Brasil, da mesma forma que vê a relação do seu BTG, dos demais bancos e fundos
de investimentos privados nacionais com os bancos tradicionais. Um forma
similar à articulação dos bancos de investimentos com os conglomerados
financeiros americanos: CitiGroup e JP Morgan entre outros, assim como a
relação entre as seguradoras e as agências de rating que atuam no Brasil com o
objetivo de controlar e monitorar a cadeia de securitização brasileira na
direção do andar de cima.
Esteves diz abertamente
que o Brasil já tem “um dos mercado de capitais mais vibrantes do mundo”. Nisso, ele está certo. O Brasil
hoje tem 13 milhões de CPFs operando na Bolsa de valores em renda fica e
variáveis, boa parte dela de assalariados atraídos para uso da sua parte do
FGTS. Em abril de 2019, esse número era de pouco mais de 1 milhão. O Brasil é o
3º maior mercado de derivativos, 10º maior ´indústria´ de fundos financeiros e
o 12º maior mercado de capitais do mundo. Tudo isso se ampliando, rapidamente,
após a captura do Estado com o golpe de 2016.
Esteves, não diz, mas se sabe, que os donos dos dinheiros, se orgulham de atuarem de forma autorregulada,
sem poder de fato da CVM e nem do Banco Central, cujo presidente, Campos
Neto - e Esteves confessa no mesmo áudio -, que lhe pede opiniões e sugestões com
frequência. Na prática, uma articulação no
estilo tipo “Inside Job Tupiniquim”, que para ele é parte da
implantação do que chama de “modernização e aprofundamento das inovações
financeiras” no Brasil, na direção do “Financial Deep global”.
Nessa linha, vale recordar que há pouco tempo, o BTG Pactual esteve por trás de todo o
esquema e processo de privatização e entrega da Eletrobrás. Esteves sabe
que os ganhos com a eletrificação tende a aumentar no mundo como forma de
energia renovável e o uso mais amplo da eletricidade nos transportes. Assim, o
setor privado ganhou uma infraestrutura (IE) toda pronta e feita durante décadas
com recurso da União (população). Desta
forma, a fala recente de Esteves de que a privatização completa da Petrobras deve
não vai sair agora, mas aos poucos, mostra que para esse setor, pode ser mais
interessante por ora, ficar com partes da estatal, talvez, deixando de lado os
riscos da exploração e do que chamo de “ciclo petro-econômico” entre fases de
booms e colapso deste setor. A Eletrobrás pode ser mais estratégica e menos
dispendiosa, considerando a reeletrificação, uma energia que atende tanto à
indústria, consumo doméstico, quanto os transportes para carros. Parece estratégia, deixar o tronco da
Petrobras para nova investida à frente, quando investidores já terão captado ganhos
e caixa com o controle da Eletrobrás/Furnas. E ainda podem avaliar os
desdobramentos da conjuntura econômica e política no Brasil, sem arriscar e
provocar, a parcela da população que resiste à privatização. Mas, convém, não
descuidar. O mercado tem faro para antecipar posições de seus interesses.
Assim, o BTG é hoje, um espaço simbólico do interesse de
importantes “donos dos dinheiros”, da elite econômica nacional e a conversa com
seu dono se tornou mais importante do que o diálogo institucional com o setor
produtivo com a Fiesp, Firjan, Fiemg e mesmo a CNI. O BTG é um dos principais
agentes deste setor financeiro-rentista que faz a ponte entre a colônia e o
centro do capital global. É com essa perspectiva que essa turma atua no Brasil,
exatamente, nessa linha descrita no áudio do Esteves. Como disse antes, essa
avaliação só é possível com método que identifica agentes e processos para interpretar
seus interesses e suas estratégias.
6. Enlace entre rentismo nacional e global: colonização e
neoextrativismo
Há uma rede rentista-financeira
global dirigida e concentrada no norte global, mas ramificada e com enorme
capilaridade para vampirizar as rendas e os excedentes das nações do sul
global. Aqui operam esses agentes como o BTG que lubrifica esse fluxo rentista-extrativista
do sul em direção aos donos do capital global retendo seus quinhões. Na
articulação entre a elite financeira e colonizada e o centro do capitalismo
global é possível perceber que, hoje, os
interesses dos investidores internacionais sobre o Brasil, se baseiam na lógica
contemporânea do capitalismo da gestão de ativos. Assim, talvez, seja
possível classifica-las hoje com duas
grandes direções:
1) Maior interesse na parcela da economia real ligada às commodities para
ganhos na valorização, circuito do valor e também na capitalização (ativos
financeiros) ligados ao controle das corporações que atuam nesse setor.
Observar Black Rock, J.P. Morgan Asset M., Pimco, Capital Group, fundos
soberanos (SPU da Noruega, ADIA dos EAU, Abu Dhabi) e fundos private equity. Em 2º lugar, conforme a conjuntura política
e econômica (global) também na valorização de longo prazo (private equity)
investimentos em IE ou controle de concessões articulados aos seus fluxos.
2) Enlace nos instrumentos de financeirização e capitalização investidores
nacionais via o mercado de capitais, através do mercado de ações, grandes fundos de pensão das
(ex)estatais e big Family office interessados em investimentos cruzados no
exterior.
É um neoextrativismo de
controle de ativos que pode se dar tanto sobre a economia real, como nos casos da produção do
agronegócio, minérios e energia de fontes nacionais, quanto na gestão de inovações e papeis financeiros de títulos,
debêntures, fundos, etc. com altos rendimentos e visão, em geral, de curto
prazo.
Os fundos financeiros
se tornaram de forma especial um instrumento que lubrifica a hegemonia
financeira no capitalismo contemporâneo. Uma ferramenta com grande capacidade de atuação que
confere mobilidade intersetorial e espacial (infra e supranacionais) para o
fluxo de capitais entre os ativos da economia real e financeiros entre os
diversos setores da economia. Uma atuação na economia real (circuito do valor)
e também nas inovações financeiras em processos simultâneos de valorização e
capitalização que atendem aos interesses dos donos dos dinheiros. O resultado disse é que hoje, boa parte dos
ativos da economia real é controlada pelos investidores e não por capitalistas
donos de multinacionais e grandes corporações, na lógica do capitalismo da
gestão de ativos. [4]
7.
A enorme e crescente distância entre
o andar de cima e a base da pirâmide social no Brasil
Esses movimentos do andar de cima
(como dizia Arrighi) explicam nossa realidade. Praticamente, não temos mais
elite produtiva nacional a não ser nas pequenas e médias empresas regionais.
Hoje, com poucas exceções, só restou as médias e pequenas empresas, mas aí não
se pode falar de elite econômica que é financeiro-rentista, articulada na
escala global e com controle concentrado no norte global. Elite simbolicamente
visível no BTG da Faria Lima.
Mas, não apenas o Esteves do BTG. Há poucos dias, o CEO do
Bradesco fez questão de dar seu recado alinhado à politização do Exército. O
diálogo na CNN entre os rentistas Abílio Diniz e Jorge Paulo Lemann também
expôs como os rentistas olham a população, pensando em migalhas e não em
direitos. Uma “elite econômica-financeiro-rentista-globalista” que aceita com
empolgação a condição e a localização submissa na ponta dessa rede global
financeira, desde que tenham garantias sobre percentuais dos ganhos obtidos sobre
a maioria da população.
Não pretendo aqui reforçar uma leitura dual ou maniqueísta,
mas não há como não contrapor essa realidade. Essa sim, uma real e triste
polarização. Seria legítimo, nesse estilo de democracia liberal ocidental em
que vivemos, que as frações lutassem pelos seus interesses. O que não é normal
e nem aceitável é a assimetria em que essa disputa se dá, tanto no campo
econômico, quanto político e geopolítico.
Assim, observamos que no lado contrário do setor
financeiro-rentista está a imensa maioria da população brasileira. De um lado,
13 milhões de CPFs operando na Bolsa entre títulos, derivativos e quotas de
fundos e ações de ativos reais e financeiros, enquanto 33 milhões de
brasileiros passam fome e mais de 100 milhões podem ser considerados
subalimentados e sobreviventes. Essa realidade talvez, esteja exposta nos
números das principais pesquisas eleitorais no Brasil.
A última pesquisa do Datafolha, expôs esse claro recorte de
classes entre o andar de cima e a última linha da base de nossa pirâmide social
no Brasil. Por exemplo: apoio Bolsonaro com renda mais de 10 SM: 47% x 35%
Lula. Entre 5 e 10 SM: 44% x 29% Lula; Apoio a Lula até 2 SM: 56%x 22% Bolsonaro.
Maior rejeição a Lula: 61%
empresários; 57% entre os mais ricos e 41% entre os homens. Maior apoio a Lula:
56% x 20% Bolsonaro entre os de renda até 2 SM. Maior rejeição Bolsonaro (ou
maior apoio Lula): 66% entre os desempregados; 63% pretos; 62% nordestinos; 62%
estudantes; 61% mulheres; 60% jovens e 60% mais pobres. Ou seja, um recorte de
classe mais claro desde o reinício das eleições diretas no Brasil e que percorre
as opções eleitorais por segmento de renda; gênero e região. É o receio dessa
realidade que o Arenão pretende cercar e controlar o possível novo governo
Lula.
8. Considerações finais
A elite financeiro-rentista atravessa
todos os outros setores da economia e da sociedade. Avalio que ao olhar essa
realidade de desigualdades sociais e de crescente tensionamento, já leve em conta
os ciclos da economia e do capitalismo em diferentes partes do mundo. Assim, é
possível avaliar que essa elite rentista e parasitária pondera e pensa que
possa alternar períodos de ganhos ampliados (tanto em ativos produtivos quanto
financeiros), com outra fase de ganhos reduzidos em um outro tipo de ativo.
Uma parte dessa elite, mais conectada à rede financista
global já trabalha com a lógica de saltar o espaço entre nações, em busca da
maior rentabilidade e em menor prazo, até aguardar nova fase de maior acumulação
no espaço do Brasil. É nessa linha que enxergam as eleições. Períodos de ganhos
ou perdas nas nações. Por isso, são globalistas, saltam as escalas e as
fronteiras, quando necessário. Assim, ameaçam e fogem dos governos das nações
que lutam e conseguem governos que defendem a soberania e a maioria da
população. Outra parte desta elite se manterá no plano nacional e poderá se
articular com redes de pequenas e médias empresas, mais ligadas à produção
material do que aos ativos financeiros, aos papeis de derivativo, criptomoedas
e outros.
Como vimos, nesse contexto não é difícil perceber os
movimentos em curso no Brasil, a apenas 100 dias do pleito eleitoral. O Arenão
(Centrão, militares e rentistas) já controla, quase totalmente, boa parte das
ações do governo via Paulo Guedes e cia. e tem no Congresso, em especial a
Câmara do presidente Artur Lira, as pontas de lança destes seus interesses. Uma
articulação entre setor financeiro (fundos) com o Arenão, seu braço político,
dividindo o butim (saque), com cada um levando a sua parte.
Nos seis meses que faltam para o fim do governo Bolsonaro, tentarão
avançar ainda mais com a privatização das estatais e com os tais marcos legais
para dar garantias contratuais e também tornar impositiva as emendas de dezenas
de bilhões do orçamento secreto. Assim, juntos, o sistema financeiro-rentista
nacional e o Centrão, planejam com a manutenção da aliança, garantir a
manutenção deste “paraíso neoliberal”, sobre um novo governo Lula, após esse
desgoverno dos militares e do Arenão. Quanto mais clara fica a hipótese da
vitória de Lula, mais serão as medidas que tentarão delimitar, cercar e tentar
controlar o futuro governo Lula.
Penso que o Arenão além de tentar salvar eleitoralmente
Bolsonaro, buscará acelerar ainda mais o avanço sobre o que resta das
estatalidades da União, não apenas com o interesse da vampirização e captura do
controle destes ativos, mas sobretudo com o objetivo delimitar e controlar um
futuro governo do Lula com dois objetivos claros:
1) acelerar os tais
desinvestimentos e privatizações de ativos estatais em direção ao setor privado, quase todos entregues a grupos de
investidores reunidos em fundos financeiros (nacionais e estrangeiros);
2) ampliar garantias e
marcos legais que impeçam que o futuro governo possa desatar os nós dos marcos
legais do teto de gastos, independência do BC, com debulho dos direitos
trabalhistas e previdenciários que, hoje, já garantem a enorme taxa de lucros
dos investimentos em ativos reais, etc.
É exatamente nesse contexto que o setor financeiro se tornou
hegemônico no capitalismo contemporâneo e nessa condição a elite que controla
esse setor, aumentou sua capacidade de interferir e tentar definir a disputa do
controle político e a gestão do Estado.
Por tudo isso, não há como considerar simples a luta que o
campo progressista nacional tem pela frente. É um baita desafio, empreender uma
luta contra o fascismo, o autoritarismo, a gestão político-militar e também, o
enfrentamento contra o extrativismo rentista da elite financeira nacional
articulada globalmente. Avalio que necessariamente, essa luta terá que ser,
simultaneamente, para dentro e para fora. Ela deverá ser ao mesmo tempo
nacional e supranacional ou regional. Não haverá saída fora daí, exatamente
onde entra a discussão e a dimensão da luta em favor da soberania do Brasil e
de um Estado-nacional autônomo.
E nesse sentido, o momento atual de crise na globalização e
de redesenho da ordem global, pode ser uma possibilidade a mais, em termos de
maior reintegração e adensamento da América Latina, com a participação do
Brasil, em cadeias produtivas menos globais e mais regionalizadas. Isso poderá
ser uma entre outras tantas hipóteses na direção de voltar a valorizar e
retomar a economia produtiva real e a materialidade que ela sugere, em termos
de infraestruturas, reindustrialização de várias cadeia produtivas que foram
detonadas, com inovação e, acima de tudo, com geração de empregos e renda realizando
inclusão social e ampliando as ofertas de serviços públicos de educação e
saúde.
Para ultrapassar e superar esses desafios é preciso ampliar ainda
mais e consolidar o apoio da base política que a frente em prol da candidatura
Lula está formando. Essa superação dependerá destes dois movimentos: para
dentro, de reconstrução do projeto de Nação, com forte base de apoio político e
popular interno, para afastar os riscos autoritários, antidemocráticos e
fascistas, superando as desigualdades em suas várias dimensões; e para fora, através
de uma forte, densa e competente articulação internacional que terá na liderança
global reconhecida de Lula, um expoente que pode rearticular o Mercosul (e
Unasul), aumentar nosso poder no Brics+ e avançar para outras relações
bilaterais em vários continentes. Um movimento em que a geoeconomia puxa a
geopolítica em favor da maioria de nossa população no projeto de reconstrução
na Nação brasileira. Oxalá!
9. Referências:
[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Revista
Espaço e Economia, nº 21, 2012. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705
[2] PESSANHA,
Roberto Moraes. André Esteves (BTG
Pactual) descreve em áudio como monta o “Inside Job” no Brasil. Portal 247,
em 25 de outubro de 2021. Disponível em https://www.brasil247.com/blog/andre-esteves-btg-pactual-descreve-em-audio-como-monta-o-inside-job-no-brasil
[3] Artigo no Valor, em 18 de dezembro de 2018, do
superintendente geral da Anbima, José Carlos Doherty. Autorregulação tem desafio de ultrapassar novas fronteiras. Disponível
em: https://valor.globo.com/financas/coluna/autorregulacao-tem-desafio-de-ultrapassar-novas-fronteiras.ghtml
*Neste artigo no Valor, superintendente geral da Anbima, José
Carlos Doherty, se vangloria que a instituição regula o mercado de capitais e o
funcionamento dos fundos financeiros no Brasil, dizendo ainda que “a
autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de
investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado
criado de forma voluntária e
independente.
[4] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.
[1]
Texto oriundo da apresentação e
debate ao lado de Ladislaw Dowbor, promovido pelo Instituto Amsur com o título:
“Eleições: interesses econômicos em conflito”, em 27 de junho 2022. Disponível
em: https://youtu.be/nJo7qwLfYLs
[2]
Professor titular do Instituto Federal Fluminense (IFF). Doutor pelo PPFH-UERJ.
Autor do livro “A ´indústria´ dos fundos
financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”.
Consequência. Rio de janeiro. 2019. Membro da Rede Latinoamericana de
Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política
(ReLAEE). Autor do blog do Roberto Moraes, criado em 10 agosto de 2004.
Disponível em: http://robertomoraes.com.br.