O embate político francês merece um olhar atento. A radicalização de Macron embutida na decisão de mexer nas regras da Previdência Social passando por cima das representações políticas eleitas tende a uma polarização.
Polarização diferente das que temos assistido, ultimamente, em diversas outras partes do mundo, puxada por uma extrema-direita que tende a um ultraliberalismo, mas antes de tudo levada por ressentimentos e por uma orientação antissistêmica, pautada mais por valores conservadores que por questões econômicas que ficam em plano inferior isolando a esquerda.
Assim, parece que a chave [para um usar uma expressão em
voga] da atual questão da França é que a decisão do Macron trouxe de volta, como
essência e para o centro do debate, a pauta econômica e dos direitos sociais,
abrindo um espaço enorme espaço para a esquerda.
A extrema-direita mundial, puxada pela alt-right americana, nesses últimos anos veio ganhando adeptos de
forma crescente, basicamente, pela pauta dos valores que se vincula mais a um
sentimento antiestrutural e antipolítica que atribui, de forma genérica, tudo de
muito ruim ao sistema político, que por isso precisa ser alterado, gerando uma
polarização assimétrica com a esquerda que passou a perder espaços.
A luta pelos direitos previdenciários e contra o arrocho dos
direitos sociais é uma pauta concreta, fácil de explicar, e dá potência às
forças progressistas, em especial no caso francês, quando nas últimas eleições,
a direita alcançou "cerca de 57% dos votos dos assalariados e 67% dos
votos dos trabalhadores braçais".
Nesse, sentido, numa primeira e ainda superficial leitura, a
atual disputa na França, que deve chegar ao clímax nessa semana, tende a colocar
novamente, frente a frente – e de forma polarizada - o discurso único do
mercado e do neoliberalismo conservador e do outro lado a esquerda, deixando
num plano secundário, a extrema-direita.
Sim, de um lado, os neoliberais que já internalizaram o
dogma neoliberal de que os governos podem (ou devem) sacrificar a população
para manter a questão fiscal, ao considerar que o problema crucial se trata do
equilíbrio econômico, mesmo que as pessoas percam direitos e sofram mais. No
outro lado e num embate coletivo e menos assimétrico, a esquerda com a defesa
da proteção dos direitos dos trabalhadores e do estado de bem-estar. Ao
contrário do que muitos dizem e pensam, essa polarização não é ruim, só rejeitado
pelos neoliberais.
Nesse atual embate, a esquerda francesa será testada em sua capacidade
de polarizar, junto à população, com o debate e o “discurso econômico único e
sem alternativa”, algo que a extrema direta vinha assumindo não com a pauta
econômica – até aderindo a ela e indo além em defesa de um ultraliberalismo -, mas
ganhando adeptos com a pauta conservadora, argumentando que todos os problemas
econômicos estavam na conquista de direitos das minorias, imigração, da
igualdade de gênero, LGBTQIA+, cotas, etc., permitida pelos governos.
O discurso da extrema-direita, emulado pela tecnopolítica das
plataformas digitais e mídias sociais, vem sendo o que esses “novos direitos permitidos”
pelo sistema político, seriam a causa principal da deterioração das condições
da classe média trabalhadora (sua base principal) que leva à redução de seus
direitos em direção à base da pirâmide e não à ampliação da captura de renda e os
ganhos crescentes dos bilionários e trilionários do andar de cima das finanças.
A esquerda francesa terá que ter a habilidade para, no
interior do sistema político, trabalhar essa pauta econômica concreta, sem deixar
de lidar com essas outras questões contemporâneas presentes em suas bases, mas
fundamentalmente se diferenciando da extrema-direita, enfrentando e buscando
soluções para as causas principais das desigualdades sociais atuais: a
financeirização desregulada e desenfreada e a lógica neoliberal que busca o controle
total do mercado.
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