sábado, abril 08, 2023

Além da era digital? Por Jonathan Crary.

Conheci o crítico americano Jonathan Crary em 2020, a partir do conceito de “cronofagia” como roubo do tempo de sono realizado pelas plataformas digitais com seus inúmeros aplicativos. Essas e outras reflexões do Jonathan já estavam no seu livro “24/7: Capitalismo tardio e fins do sono” que citei em alguns dos meus textos, sobre a plataformização no mundo contemporâneo. Crary é um crítico radical do uso indiscriminado da internet.

Na introdução de seu novo livro “Terra arrasada: Além da era digital rumo a um mundo pós-capitalista”, Jonathan defende um mundo off-line e a retomada da sociabilidade que não envolva a mercantilização em quaisquer de suas formas. Crary contesta a suposição generalizada de que as tecnologias de rede que dominam e deformam nossas vidas vieram para ficar e insiste no fato de que a chamada era digital e o capitalismo tardio são sinônimos e nenhum dos dois pode ser concebido sem o outro”.

Crary afirma mais: “uma ´internet socialista´ é tão impossível quanto o oximoro do ´capitalismo verde´... muitos esquecem que o socialismo de verdade depende do florescimento de relações não monetizadas ou instrumentalizadas entre as pessoas, ele não pode existir em meio às formas de separação, isolamento, competitividade e individualismo tóxico que são estimuladas on-line".

Independente de concordar - no todo ou em parte - com a radical crítica de Crary, a leitura deste livro vale muito. Estou ainda no início, mas garanto que suas análises e reflexões permitem ir mais a fundo na interpretação em várias dimensões e escalas sobre o fenômeno da digitalização e do capitalismo de plataformas.
 
Digitalização de quase tudo como nova etapa da reestruturação produtiva em que a ´fábrica´ no on-line do celular e/ou do notebook segue invadindo nossas casas e, de forma crescente e agressiva, vai tomando conta de nossas vidas. Entrelaçada e imbricada à financeirização (hegemonizada) e baseada no neoliberalismo, passam a constituir as três bases daquilo que tenho chamado, junto com outros pesquisadores, de “tripé do capitalismo contemporâneo”.

PS.: imagens: capa do livro editado pela UBU e (abaixo) entrevista com o autor publicada na P.1 e 2 do 2ª Caderno de O Globo, 08/04/2023. Para ver as imagens em tamanho maior clique sobre elas.

PS.: atualização às 23:24 de 09/04/2023:
Eu não comentei para ser uma breve resenha, mas o livro anterior do Crary, além da cronofagia, as análises radicais dele, me fizeram pensar no avanço que o capitalismo produz na apropriação do "tempo morto", conceito de Marx. A captura de dados (dataficação do extrativismo high tech) realizada durante o tempo de lazer (não trabalho), ou mesmo do sono (controlado pela supervisão digital dos smarphones), representa uma maior apropriação de valor e de acumulação, que só são possíveis pelo "regime 24/7 online" dos sujeitos. Nesse sentido, a cronofagia, possibilitada pelo capitalismo de plataformas (Appficação) é parte do processo de maior acumulação que se amplia com a digitalização de quase tudo, etapa contemporânea da reestruturação produtiva (em que a fábrica adentra nossas casas, lazer e vida), e que não deve ser analisada desgarrada da financeirização (que também amplia sua hegemonia), sob a égide da concepção neoliberal.




Um comentário:

Arthur Claro disse...

Muito interessante este post, meus parabéns e obrigado por compartilhar esta reflexão.

Arthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com