A Margem Equatorial Brasileira: uma região em disputa
Francismar Cunha Ferreira[1]
[1] Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Desenvolve pesquisas na área de geografia econômica com ênfase na indústria do petróleo.
65 anos, professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ) e engenheiro. Pesquisador atuante nos temas: Capitalismo de Plataformas; Espaço-Economia e Financeirização no Capitalismo Contemporâneo; Circuito Econômico Petróleo-Porto; Geopolítica da Energia. Membro da Rede Latinoamericana de Investigadores em Espaço-Economia: Geografia Econômica e Economia Política (ReLAEE). Espaço para apresentar e debater questões e opiniões sobre política e economia. Blog criado em 10 agosto de 2004.
A Margem Equatorial Brasileira: uma região em disputa
Francismar Cunha Ferreira[1]
[1] Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Desenvolve pesquisas na área de geografia econômica com ênfase na indústria do petróleo.
Estou fechando uma etapa de pesquisa (com texto encomendado) que analisa a infraestrutura digital no Brasil e AL, especialmente, entre cabos submarinos e datacenters, cujos indicadores contribuem para reforçar a interpretação sobre a potência da materialidade da digitalização e sua ação sobre a construção social no território.
Aquilo que no senso comum acaba sendo mais conhecido por uma falsa virtualidade imaterial da conectividade e sociabilidade digital das redes sociais, com informações online, entretenimentos com usos de streamings; fake news que geram a manipulação política, etc. há uma colossal e potente infraestrutura material controlada por grandes corporações e capitais de riscos dos fundos financeiros.Fiquei cerca de três meses fora de Campos, RJ e voltei há uma semana. Ao retornar encontrei o trânsito nas ruas da cidade ainda bem mais tumultuado que antes. A origem não parece simplesmente os problemas de recapeamento de algumas ruas principais, incluindo 28 de março e da interrupção prolongada do trecho da avenida 15 de novembro ou Beira-Rio. Vai também bem para além dos horários de pico e de regiões da área central. Há claramente questões estruturais acumuladas ao longo de décadas na questão urbana que cada vez produzem mais desgastes e cobram uma conta maior.
Avenida 28 de Março. Crédito: PMCG. |
Tudo isso me fez recordar o longo ano de 2005. Na ocasião, estive por um período como vice-presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (CMMAU) do município, como representante da sociedade civil. Nessa condição os membros do CMMAU foi conversar com o prefeito, recém-eleito, Carlos Alberto Campista em seu gabinete.
A pauta envolvia várias questões de planejamento urbano e
ambiental, preocupações de curto e médio prazo e necessidades, tanto de revisar
alguns arcabouços legais que cabem ao município, quanto propor uma intervenção
mais corajosa do Executivo usando recursos dos royalties, para dar conta
daquilo que parecia não estar sendo percebido pelas autoridades.
Um desses pontos apresentados era sob o fato que no
município de Campos dos Goytacazes, naquele distante ano de 2005, já sofria um
aumento anual no número de carros registrados da ordem de 5 mil novos veículos
e tinha acabado de superar a marca dos 100 mil licenciados junto ao Detran para
transitar. Os números espantavam. Eu já havia tratado dessa estatística num dos
artigos que escrevia semanalmente em jornal local.
O prefeito Campista, como era de seu costume, sempre muito
direto e objetivo, me indagou de chofre: Roberto, de onde você tira esses
números? Eu respondi, ora, prefeito se tratam de dados oficiais do Detran-RJ que,
já naquela época, como órgão público estadual, tinha começado a disponibilizar
suas estatísticas, a despeito de outros problemas. Era um período, em que a
economia do país começava a crescer e deslanchar, o que indicava que o problema tendia
a aumentar.
Na ocasião falei que esses números de veículos registrados
em Campos não conseguiam alcançar os carros novos vendidos nas concessionárias
e que saíam emplacados (na maioria das vezes de forma irregular) no estado
vizinho do Espírito Santo, por conta da alíquota menor do IPVA. Na época, em
pesquisa informal, em algumas concessionárias, gerentes me diziam que quase 70%
dos carros novos eram emplacados no ES.
No diálogo com o prefeito Campista, falamos de forma geral e
numa espécie de tempestade cerebral de várias alternativas possíveis. Aberturas
de vias de escoamento nos entornos (perimetrais do núcleo urbano mais central),
a necessidade de aperfeiçoar o transporte coletivo e público que não era bom,
mas estava longe do caos que vem tombando nesses últimos anos no município e
ainda a abertura de ciclofaixas nas avenidas urbanas, para além daquela
primeira e única - infelizmente no canteiro central - da avenida 28 de março.
Campos, já vivia uma espécie de dupla centralidade comercial
e bancária: a área histórica e outra na região da Pelinca. Assim, já se intuía que
elas se interligariam, tendo a rodoviária e o antigo mercado municipal ao meio.
Áreas ligadas por ruas estreitas e difícil de serem ampliadas. A nova
ponte para Guarus, já tinha começado e jogar o trânsito de boa parte de Guarus também
nesse centro nevrálgico e como imaginado o atravancamento do tráfego foi se
adensando.
Duas décadas depois perdemos
oportunidades e ampliou-se o problema
Pois bem, muitas coisas se passaram nesse ínterim de quase
duas décadas. O prefeito Campista, se mostrou disposto a tentar avançar em alguns
destes desafios, mas logo depois foi retirado do cargo. Deu tempo de dar início
à revisão do Plano Diretor, com debates públicos, mas o plano foi depois muito
retalhado, a partir de instruções do Executivo da época e acabou bastante alterado
na Câmara Municipal.
Nesse período o município recebeu mais de R$ 30 bilhões de royalties
do petróleo. Algumas iniciativas saíram das intenções, como a da ligação da
perimetral da avenida Artur Bernardes entre o trevo do índio, cruzando a
avenida 28 de março e indo até à Uenf. Os prolongamentos das ruas Saldanha
Marinho (Caldas Viana) e Formosa – Tte. Cel. Cardoso – Raul Escobar que ligaram
os bairros do Turfe e Jóquei como alternativas paralelas à estratégica 28 de
março. Uma nova ponte foi construída sobre o Rio Paraíba do Sul. Novas
demarcações de ciclovias para além do centro urbano, mesmo que algumas
limitadas e estreitas.
Porém, nada disso, está dando e dará conta, diante do
crescimento do número de carros que circulam no município e que não para de crescer.
Em abril de 2023, esse número em Campos já passou dos 254 mil, embora quase 30%
disso sejam de motocicletas, o que reduz um pouco os impactos. Mas, de outro
lado, o transporte público piorou demais ao longo desse tempo em Campos. Se
formos considerar só o número de automóveis, exceto, ônibus, vans e caminhões,
esse número é de cerca de 1 para cada 3 moradores do município.
Além disso, cresceu muito o número de vans, que se por um
lado atende à demanda de transporte público, nas ausências absurdas e criminosa
dos ônibus (um assunto que há muito vem sendo apontado). As vans também circulam
de forma desordenada e em número crescente, assim como surgiram e circulam por
todo o canto da cidade, os carros de aplicativos que também não param de
crescer e entopem as vias centrais, reproduzindo demandas não atendidas do
transporte público, mas também drenando uma renda local para uma
empresa-aplicativo fora do país.
Quem sofre mais com tudo isso é a população mais pobre que
precisa chegar às áreas centrais. Esses moradores foram sendo empurrados para
morar em lugares cada vez mais distantes do trabalho e do estudo, que geralmente está localizado no miolo central da cidade.
Se, em 2005, esses trabalhadores, estudantes e moradores
levavam 30 minutos para chegar ao centro dessa cidade de médio porte, hoje
levam em torno de uma hora. Se moram nos distritos, muitos chegam a gastar uma
hora e meia ou mais para vir e outra tanta para voltar. Sofrem também os
moradores dos bairros mais próximos a essa região central caótica que deixam no
trânsito o tempo que seria dedicado ao convívio da família, ao estudo, ao
lazer, etc.
A melhoria do recapeamento nessas vias centrais e
estratégicas, pode ser necessária, mas não enfrenta o problema crucial que
depende de várias ações que ao longo do tempo - e ainda hoje -, vai sendo
empurrada, a despeito do novo crescimento das receitas dos royalties do
petróleo nesse município petrorrentista.
A Pandemia, escondeu durante dois ou três anos esses
problemas. Porém, o desejado fim da Pandemia trouxe à tona - de forma ampliada
e com mais vigor - o nosso grave problema da acessibilidade, do transporte
público e do quase insuficiente planejamento urbano num município situado em região
de planície e com uma longa história de vida na urbe.
Não sou e nem nunca fui técnico e especialista na área, mas
ouvia sugestões de quem estudava o assunto e gostava de acompanhar soluções de
políticas e planejamento urbano em outros municípios. Com o tempo, passei a me
dedicar a estudos sobre outros temas, menos locais e/ou regionais, mas mesmo em
que apenas nesse texto e no contexto de uma sociedade muito fragmentada (mais
que polarizada), como cidadão resolvi provocar o assunto.
Penso que a sociedade em sua totalidade precisa pressionar com maior veemência o poder público, para produzir ações estruturais e também aquelas mais urgentes. Essas devem
atender prioritariamente à população que mais precisa dos governos, ou seja, às
populações de baixa renda.
Não sei se o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
ainda funciona. Há outras institucionalidades, organizações e movimentos
sociais que poderiam atuar e se aprofundar nesse tema, saindo apenas da atuação
em suas áreas de interesse, na medida que esse é um tema que, mesmo que de
forma assimétrica, atinge a todos os setores e moradores do município.
Trata-se de um problema que afeta a economia, o ambiente e a
sempre falada e relegada “qualidade de vida”, sendo, portanto, um problema de
todos. O que faz também me recordar das duas conferências da cidade, realizadas
com grande energia, debates e ainda um quê de utopia, no município de Campos dos
Goytacazes em 2003 e 2005, sob o slogan “Uma cidade para todos” estipulado pelo
Ministério das Cidades que tinha à frente Olívio Dutra e a professora Ermínia
Maricato. Há que se enfrentar esse o desafio. Com a bola, os movimentos da sociedade, as universidades e as autoridades do município.